Informativo Eletrônico - Edição 179 - Janeiro / 2022

A HABILITAÇÃO NA LEI 14.133/2021

Marçal Justen Neto

1. Introdução

A habilitação é a fase em que se verificam os documentos necessários  para demonstrar a capacidade do licitante de realizar o objeto da licitação. Esta  é a definição que consta do art. 62 da Lei 14.133/2021. 

Tradicionalmente, é na fase de habilitação que se instauram a maior  parte dos litígios no processo licitatório. Surgem controvérsias quanto ao  cumprimento pelos licitantes das exigências do edital e também quanto ao  próprio cabimento dessas exigências – que só somente serão admitidas na  medida em que se configurem como indispensáveis à garantia do cumprimento  das obrigações contratuais, por força do art. 37, inc. XXI da Constituição. 

Lamentavelmente, perdeu-se a oportunidade de promover uma reforma  na disciplina legal das exigências de habilitação em licitação. As alterações da  Lei 14.133/2021 visaram a solucionar problemas pontuais. Mas a lógica da Lei  8.666/1993 foi mantida – e, eventualmente, piorada. 

2. Ordem das fases 

A fase de habilitação sucederá a fase de apresentação de propostas e de julgamento. Na licitação da Lei 14.133, serão examinados os documentos  apenas do licitante mais bem classificado. Este é um mecanismo que passa a  ser regra, incorporado da sistemática do pregão. 

Apenas excepcionalmente, quando houver inversão de fases, é que  serão examinados os documentos de habilitação de todos os licitantes, em uma sistemática tradicional da Lei 8.666. Nessa hipótese, apenas os licitantes  habilitados passarão à fase de propostas ou lances. 

3. Definição das condições de habilitação

O edital deverá fixar os requisitos de habilitação (art. 65 da Lei  14.133/2021), exigindo somente o que for indispensável para assegurar a  execução do contrato. Há quatro categorias de documentos de habilitação (art.  62 da Lei 14.133/2021): 

  • I – jurídica; 
  •  II – técnica; 
  • III – fiscal, social e trabalhista; 
  • IV – econômico-financeira.

4. Habilitação jurídica 

Destina-se a comprovar a capacidade do licitante de assumir obrigações  (art. 66 da Lei 14.133/2021). Limita-se à exigência de documentos que comprovem a existência jurídica da pessoa e de autorização para o exercício  da atividade. 

5. Habilitação social, fiscal e trabalhista 

A Lei 14.133/2021 consolidou a expansão de exigência de requisitos acessórios à habilitação propriamente dita. Admite-se que o edital exija  documentos relativos a (art. 68):

  • I – inscrição no CPF ou no CNPJ;  
  • II – inscrição no cadastro de contribuintes estadual e/ou municipal; 
  • III – regularidade perante a Fazenda federal, estadual e/ou municipal do  domicílio ou sede do licitante;  
  • IV – regularidade relativa à Seguridade Social e ao FGTS;  ∙ V – regularidade perante a Justiça do Trabalho;  ∙
  • VI – ausência de trabalhadores menores de 16 anos (salvo aprendizes)  e de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos (art.  7º, inc. XXXIII da CF). 

6. Qualificação técnica 

O tema da qualificação técnica propicia algumas das maiores disputas  em licitações: tanto ao nível adequado das exigências do edital quanto à  comprovação do atendimento dessas exigências. 

6.1. Nível de exigências 

A diretriz é que as exigências serão mais intensas conforme a  complexidade, o vulto do contrato e os riscos de inadimplemento pelo  contratado. Portanto, para licitações mais simples (generalidade das compras,  por exemplo) não caberá exigir qualificação sofisticada. Somente podem ser  exigidos atestados das parcelas mais relevantes do contrato, com valor igual  ou superior a 4% do valor estimado. 

6.2. Documentos 

 O edital poderá exigir a apresentação dos seguintes documentos para  comprovar a qualificação técnico-profissional e técnico operacional (art. 67 da  Lei 14.133/2021):

  • I – apresentação de profissional, registrado no conselho profissional,  detentor de atestado de responsabilidade técnica por execução de obra  ou serviço de características semelhantes;
  • II – certidões ou atestados, emitidos pelo conselho profissional, que  demonstrem capacidade operacional na execução de serviços similares  de complexidade tecnológica e operacional equivalente ou superior, bem  como avaliações da Administração em contratos administrativos  anteriores; 
  • III – indicação do pessoal técnico, das instalações e do aparelhamento  adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem  como da qualificação de cada membro da equipe técnica que se  responsabilizará pelos trabalhos;  
  • IV – prova do atendimento de requisitos previstos em lei especial;
  • V – registro ou inscrição na entidade profissional; 
  • VI – declaração de que o licitante tomou conhecimento de todas as  informações e das condições locais para o cumprimento das obrigações  objeto da licitação.
6.2.1. Atestados 

O edital poderá exigir atestados com quantidades mínimas de até 50%  das parcelas de maior relevância do objeto da licitação, vedadas limitações de  tempo e local (art. 67, § 2º). Não serão admitidos atestados de profissionais cujos atos geraram a aplicação de sanções de impedimento de licitar e  declaração de inidoneidade (art. 67, § 12).

6.2.2. Outros documentos 

Esta é uma inovação da Lei 14.133/2021: admite-se que para outras  contratações que não de obras e serviços de engenharia, e desde que previsto  em regulamento, os atestados de experiência anterior sejam substituídos por  “por outra prova de que o profissional ou a empresa possui conhecimento  técnico e experiência prática na execução de serviço de características  semelhantes” (art. 67, § 3º da Lei 14.133/2021).

6.2.3. Relação dos compromissos assumidos

O edital pode exigir ainda a apresentação de “relação dos compromissos  assumidos pelo licitante que importem em diminuição da disponibilidade do  pessoal técnico” responsável (art. 67, § 8º da Lei 14.133/2021).

Este dispositivo é bastante problemático, tanto quanto à comprovação  da situação de fato quanto à sua utilidade. Não compete à Administração  Pública interferir sobre a organização empresarial do contratado. É natural que  empresas assumam múltiplos compromissos que exijam a disponibilidade de  seu pessoal técnico. Seria mais eficiente exigir o adequado cumprimento das  obrigações contratuais no âmbito do próprio contrato – e não instaurar uma  discussão que pode conduzir a um afastamento de um licitante por evento  incerto. 

6.2.4. Atestados emitidos para consórcios

Há disciplina detalhada para considerar a experiência anterior do  licitante caso o atestado tenha sido emitido em favor de consórcio (art. 67, §§  10 e 11 da Lei 14.133/2021). Em caso de consórcio homogêneo, a experiência será admitida conforme a proporção quantitativa da participação (inc. I). Em  caso de consórcio heterogêneo, a experiência será considerada conforme o  campo de atuação do consorciado (inc. II). 

7. Qualificação econômico-financeira 

A documentação relativa à habilitação econômico-financeira também é  apta a gerar disputas intensas entre os licitantes. Destina-se a comprovar a  aptidão do licitante para cumprir as obrigações do contrato. 

7.1. Coeficientes e índices econômicos 

 O edital poderá fixar coeficientes e índices econômicos, exigindo a  comprovação de seu atendimento por meio dos seguintes documentos: 

  • I – balanço patrimonial, demonstração de resultado de exercício e  demais demonstrações contábeis dos dois últimos exercícios sociais  (art. 69, inc. I da Lei 14.133/2021); 
  • II – certidão negativa de feitos sobre falência expedida pelo distribuidor  da sede do licitante (art. 69, inc. II da Lei 14.133/2021).

7.2. Capital mínimo ou patrimônio líquido mínimo 

Somente nos casos de obras, serviços e compras para entrega futura, o  edital poderá exigir adicionalmente capital mínimo ou patrimônio líquido mínimo  de até 10% do valor estimado (art. 69, § 4º da Lei 14.133/2021).

7.3. Recuperação judicial  

A Lei 14.133/2021 superou controvérsia da legislação anterior. Ao exigir  apenas certidão negativa de falência, admitiu a participação em licitação de  empresas em recuperação judicial. 

7.4. Relação dos compromissos assumidos 

O edital poderá exigir a apresentação da “relação dos compromissos  assumidos pelo licitante que importem em diminuição de sua capacidade  econômico-financeira” (art. 69, § 3º da Lei 14.133/2021). 

Esta exigência já vinha sendo adotada em licitações antes da Lei  14.133/2021. A comprovação da redução de capacidade econômico-financeira  por força de outros compromissos é mais objetiva do que aquela relacionada à  redução da disponibilidade do pessoal técnico. 

7.5. Vedações 

A partir da experiência anterior, a Lei 14.133/2021 vedou o  estabelecimento das seguintes exigências de qualificação econômico financeira:

  • valores mínimos de faturamento anterior e de índices de rentabilidade ou  lucratividade (art. 69, § 2º);
  • índices e valores não usualmente adotados para a avaliação de situação  econômico-financeira suficiente para o cumprimento das obrigações (art.  69, § 5º). 

8. Vistoria prévia do local 

A Lei admite que seja exigido como requisito de habilitação uma  declaração do licitante de que conhece o local ou as condições de execução do  contrato (art. 63, § 2º da Lei 14.133/2021).

Para tanto, o licitante poderá realizar vistoria prévia em data e horário  diferente de outros licitantes (art. 63, § 4º da Lei 14.133/2021) ou declarar  formalmente que conhece o local, mesmo sem realizar a vistoria (art. 63, § 3º  da Lei 14.133/2021).

9. Pré-habilitação 

No capítulo de apresentação de propostas, a Lei 14.133/2021 faz  referência a uma figura denominada de “pré-habilitação”. Admite que o edital  exige que o licitante apresente garantia da proposta de até 1% do valor estimado para a contratação (art. 58 da Lei 14.133/2021).

Este dispositivo é inconstitucional e sua aplicação gerará uma série de  inconvenientes: redução indevida do universo de competidores, aumento dos  custos indiretos, revelação do orçamento etc.

10. Apresentação dos documentos de habilitação 

Apenas o licitante classificado em primeiro lugar apresentará os  documentos de habilitação (art. 63, inc. II da Lei 14.133/2021), exceto na  inversão de fases. Isso pode gerar problemas operacionais. 

Teria sido melhor prever a apresentação concomitante dos documentos de habilitação de todos os licitantes, mas o exame apenas do licitante mais  bem classificado – tal como previu o regulamento federal do pregão eletrônico  (Decreto 10.024, art. 26 e art. 43, § 4º).

11. Forma de apresentação 

Os documentos poderão ser apresentados em original ou cópia (art. 70,  inc. I da Lei 14.133/2021) ou ainda, conforme previsto em regulamento, substituídos por registro cadastral emitido por órgão público, tal como o SICAF.  

12. Diligências  

 Caberá a realização de diligência após a entrega dos documentos de  habilitação para (art. 64 da Lei 14.133/2021): 

  • I – complementação de informações acerca dos documentos já  apresentados pelos licitantes e desde que necessária para apurar  fatos existentes à época da abertura do certame;
  • II – atualização de documentos cuja validade tenha expirado após a  data de recebimento das propostas.

13. Saneamento de falhas  

As falhas meramente formais e erros que não comprometam a  substância dos documentos poderão ser corrigidos pela Administração (art. 64,  § 1º da Lei 14.133/2021).

O exame dos documentos deve observar a seguinte regra: “o  desatendimento de exigências meramente formais que não comprometam a aferição da qualificação do licitante ou a compreensão do conteúdo de sua  proposta não importará seu afastamento da licitação ou a invalidação do  processo” (art. 12, inc. III da Lei 14.133/2021).

14. Dispensa dos documentos de habilitação  

Os documentos de habilitação podem ser total ou parcialmente  dispensados nas contratações para entrega imediata, de valor inferior a  R$12.500,00 e nas contratações de produto para pesquisa e desenvolvimento  até o valor de R$300.000,00 (art. 70, inc. III da Lei 14.133/2021).

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Marçal Justen Neto
Marçal Justen Neto
LL.M pela LSE – London School of Economics. Sócio da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Marçal Justen Neto
Marçal Justen Neto
LL.M pela LSE – London School of Economics. Sócio da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.