Informativo Eletrônico - Edição 219 - Maio / 2025

A INCIDÊNCIA DE CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA SOBRE A MULTA CIVIL POR ATO ÍMPROBO:

Caroline Maria Vieira Lacerda

1. Introdução

A Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa – LIA), reformada pela Lei 14.230/2021, estabelece o regime jurídico da improbidade administrativa, prevendo sanções para os agentes que atentam contra os princípios da administração pública, causam dano ao erário ou auferem enriquecimento ilícito.

Essas sanções estão previstas no art. 12 da norma, que inclui, entre outras, a perda dos bens acrescidos ilicitamente ao patrimônio, o ressarcimento integral do dano, a suspensão dos direitos políticos, a proibição de contratar com o poder público e a multa civil, de natureza eminentemente punitiva.

Diante das recentes definições jurisprudenciais acerca da atualização e dos encargos legais incidentes sobre sanções pecuniárias, surgem importantes reflexões sobre a coerência sistêmica entre o direito sancionador e os princípios da responsabilidade civil extracontratual.

Nesse contexto, o julgamento do Tema 1.128 pelo STJ, em março de 2025, constitui marco interpretativo relevante, servindo como ponto de partida para a análise de aspectos ainda controversos da aplicação prática da LIA.

2. Multa civil e na lei de improbidade administrativa

A multa civil prevista na LIA tem natureza jurídica essencialmente sancionatória. Ainda que não tenha a finalidade de recompor o erário, a multa é revertida em favor da pessoa jurídica lesada, conferindo-lhe certa dimensão indenizatória.

A determinação do valor da multa é feita com base em critérios legais, que variam conforme a espécie de improbidade. Pode ser fixada em percentual sobre o valor do dano, sobre o proveito econômico obtido ou, ainda, sobre a remuneração do agente público.

Em todos os casos, é essencial observar a data do fato gerador: o ato de improbidade. Assim, ainda que o valor da multa só seja definido ao fim do processo, sua base de cálculo é, invariavelmente, referida ao momento da conduta ilícita.

3. Correção monetária: conceito e aplicação à multa civil

A correção monetária é um mecanismo jurídico-financeiro que visa preservar o poder aquisitivo da moeda ao longo do tempo. Diante dos efeitos da inflação, a correção atua como fator de atualização do valor nominal de uma obrigação, evitando que a demora na satisfação da dívida resulte em perda patrimonial para o credor.

A aplicação da correção monetária sobre a multa civil foi consolidada pelo STJ com base na Súmula 43: “Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo”.

4. Juros de mora e responsabilidade extracontratual

Os juros de mora são encargos legais devidos pelo atraso no cumprimento de uma obrigação. Sua incidência está diretamente relacionada ao conceito de mora, que, nos casos de responsabilidade extracontratual, ocorre desde a prática do ato ilícito.

O art. 398 do Código Civil (CC) é claro ao afirmar que, nas obrigações decorrentes de ato ilícito, o devedor está em mora desde o momento em que o praticou.

Embora o art. 240 do Código de Processo Civil (CPC) disponha que a citação constitui o devedor em mora, ele ressalva expressamente a hipótese do art. 398 do CC.

A jurisprudência do STJ, consolidada na Súmula 54, é clara ao afirmar que os juros de mora fluem desde o evento danoso nos casos de responsabilidade extracontratual.

A improbidade administrativa, embora dotada de especificidades, é espécie de responsabilidade por ato ilícito, com manifesta aplicação dessa regra.

5. Divergência jurisprudencial anterior ao Tema 1.128/STJ

Antes da consolidação da tese no julgamento do Tema 1.128, a jurisprudência dos tribunais pátrios apresentava divergência quanto ao marco inicial da incidência da correção monetária e dos juros de mora sobre a multa civil prevista na LIA.

Parte da jurisprudência e da doutrina sustentava que, por se tratar de sanção pecuniária fixada judicialmente, a multa civil somente se tornaria exigível a partir da sentença condenatória, de modo que os encargos legais apenas incidiriam a partir da data da decisão judicial ou de seu trânsito em julgado. Essa linha interpretativa buscava associar o termo inicial da mora à exigibilidade da obrigação, com fundamento no art. 405 do CC e no art. 240 do CPC.

Outra corrente, por sua vez, defendia a incidência desde a data da citação, com base na regra geral do art. 240 do CPC, que fixa a mora para as obrigações ilíquidas a partir da formação da relação processual.

Uma terceira vertente já vinha se formando, ainda que de modo não uniforme, no sentido de aplicar à multa civil o mesmo raciocínio utilizado para os danos extrapatrimoniais e as obrigações oriundas de ato ilícito: incidência de correção monetária e juros de mora desde o evento danoso, isto é, desde a prática do ato de improbidade. Essa linha foi sendo reforçada com base nas Súmulas 43 e 54 do STJ, bem como nos arts. 186, 927 e 398 do CC.

Diante da instabilidade interpretativa, o STJ decidiu afetar os recursos representativos da controvérsia à sistemática dos recursos repetitivos, resultando na fixação da tese no Tema 1.128, que uniformizou o entendimento e pacificou a matéria.

6. Jurisprudência recente e o Tema 1128/STJ

O julgamento dos Recursos Especiais 1.942.196/PR, 1.953.046/PR e 1.958.567/PR, pela 1ª Seção do STJ, sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema 1.128), representou um marco importante na pacificação do entendimento sobre o termo inicial dos encargos legais incidentes sobre a multa civil.

O Relator, Ministro Afrânio Vilela, ressaltou que o ato de improbidade é o fato gerador da obrigação, devendo, portanto, ser considerado como o marco inicial para a incidência da correção monetária e dos juros de mora. Ainda que o valor da multa seja fixado judicialmente, seu fundamento material é retroativo à conduta ilícita.

Assim, o STJ reafirmou a inteligência dos arts. 186, 927 e 398 do CC, bem como sua própria jurisprudência consolidada.

Esse entendimento impede que o infrator se beneficie da morosidade processual. Também assegura maior efetividade à punição por improbidade administrativa.

Na prática, a aplicação desse entendimento aumenta sensivelmente o valor final a ser pago pelos condenados por atos de improbidade, sobretudo em processos cuja tramitação se arrasta por anos ou décadas.

7. Tensões interpretativas

Embora a tese fixada pelo STJ busque assegurar coerência sistêmica e efetividade na aplicação das sanções por improbidade administrativa, ela não está isenta de críticas.

Em primeiro lugar, suscita dúvidas quanto à segurança jurídica, ao permitir que encargos incidam antes mesmo da fixação judicial do valor da multa, comprometendo a previsibilidade do passivo financeiro do réu.

Em segundo lugar, contraria o princípio da exigibilidade da obrigação, ao admitir mora sobre quantia ainda ilíquida e contestada.

Há também o risco de desproporcionalidade, pois o acréscimo de encargos ao longo do tempo pode superar o próprio valor do dano ou da vantagem indevida, gerando sanção excessiva.

Além disso, a multa civil, sendo de natureza sancionatória e dependente de sentença judicial, não pode ser tratada como uma dívida automaticamente exigível desde o evento danoso.

Essa sistemática pode desestimular acordos justos ou induzir o réu a aceitar composições onerosas apenas para evitar o acúmulo de encargos, criando um cenário de pressão incompatível com a lógica do devido processo legal.

Diante disso, uma possível solução conciliatória seria o reconhecimento da incidência da correção monetária e dos juros de mora desde a data do ato de improbidade, mas com possibilidade de modulação judicial da incidência de tais encargos, considerando a duração do processo, a complexidade da causa e a boa-fé do réu.

Essa abordagem permitiria ao julgador ponderar, em cada caso concreto, a adequação entre a finalidade punitiva da sanção e a preservação das garantias fundamentais do processado, especialmente nos casos em que houver demora não atribuível à parte.

Tal flexibilidade interpretativa, respeitando os fundamentos do Tema 1.128, permitiria um equilíbrio mais justo entre repressão à improbidade e proteção contra sanções excessivas, aproximando a jurisprudência dos princípios do Estado de Direito.

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Caroline Maria Vieira Lacerda
Doutora em Direito. Advogada da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Caroline Maria Vieira Lacerda
Doutora em Direito. Advogada da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
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