1. O Sistema de Registro de Preços (SRP)
A partir da Lei 14.026/2020, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) recebeu a atribuição de editar normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico no Brasil, sendo eles: (i) o abastecimento de água potável; (ii) o esgotamento sanitário; (iii) a limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos; e (iv) a drenagem e manejo de águas pluviais urbanas.
Assim, a Agenda Regulatória da ANA 2022-2024, que auxilia na identificação de problemas que necessitam da atuação da Agência, definiu, no Eixo Temático nº 9, item 9.6, a meta de estabelecer as condições gerais da prestação dos serviços de manejo de resíduos sólidos urbanos.¹
Sobre o tema, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares)², instituído pelo Decreto 11.043/2022 enquanto instrumento da Política Nacional de Resíduos Sólidos, estabeleceu entre as suas metas o encerramento de todos os lixões e aterros controlados, bem como o aumento da recuperação de resíduos para cerca de 50% em 20 anos, por meio de reciclagem, compostagem, biodigestão e recuperação energética.
2. Identificação do problema regulatório
Isto posto, a ANA elaborou o Relatório de Análise de Impacto Regulatório (AIR), submetido à Consulta Pública 001/2023 e à Audiência Pública 001/2023, em conjunto com a minuta base do que veio se tornar (após algumas modificações) a Norma de Referência 07/2024.
Ao analisar os dados coletados, definiu-se que o problema regulatório a ser enfrentado seria (é) a “baixa qualidade na prestação dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos urbanos”³.
A necessidade de aprimoramento do cenário atual é latente, uma vez que a taxa de cobertura total da coleta no Brasil é estimada em apenas 89,9%. Ou seja, mais de 22 milhões de brasileiros não tem acesso as atividades de coleta regular.
Em confronto com a proteção do meio ambiente e do atual ideal da universalização dos serviços de saneamento, 2.318 dos 5.569 municípios brasileiros dispõem os resíduos sólidos de forma ambientalmente inadequada, em lixões ou aterros controlados, segundo o SNIS-RSU (2022).⁴
Diante disso, a conclusão da avaliação indicou que a melhor solução seria a elaboração de Norma de Referência sobre as condições gerais da prestação dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos urbanos.
Assim, a ANA publicou a Resolução 187/2024, aprovando a Norma de Referência 07/2024 para regular a prestação dos serviços de manejo de resíduos sólidos urbanos a partir de 1º de abril de 2024, data em que entrou em vigor.
3. Resíduos sólidos urbanos e a diferenciação dos serviços de limpeza regulados
Os resíduos sólidos urbanos são diferenciados no art. 4º, XXVII, da NR em duas categorias, eis que podem ser originários (i) de atividades domésticas em residências urbanas, de atividades comerciais, industriais e de serviços que sejam considerados similares aos resíduos domésticos; ou (ii) das atividades de limpeza urbana. Nestes termos, a NR regula dois serviços distintos a serem prestados.
3.1. Serviço Público de Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos (SMRSU
No tocante a primeira categoria, o SMRSU se destina a contribuir para o asseio público através do adequado manejo de resíduos sólidos urbanos (lixo), considerando os serviços de coleta, transbordo, transporte, triagem, tratamento e destinação final (art. 5º).
A coleta diz respeito ao recolhimento dos resíduos e o seu transporte, no mesmo veículo, para as unidades de transbordo, de triagem, de tratamento ou de destinação final. (art. 16). Sobre a taxa de cobertura para coleta, foi observada a manifesta desigualdade regional brasileira, eis que a taxa alcança apenas 79% da população da região Norte, enquanto o Sudeste alcança a cobertura de 95,8%, conforme dados disponibilizados no Relatório de AIR.
O transbordo corresponde na transferência dos resíduos de veículos da coleta para veículos de maior capacidade de carga, em que se almeja o ganho de escala e eficiência no transporte para as unidades de triagem, de tratamento ou de destinação final (art. 26). Após a troca dos veículos, há o transporte da unidade de transbordo para as unidades subsequentes (art. 29).
A atividade de triagem, para fins de reutilização ou reciclagem, consiste na separação dos resíduos conforme suas propriedades físicas, físico-químicas ou biológicas (art. 32).
O tratamento, por sua vez, é realizado por processos que alteram as características físicas, físico-químicas, químicas ou biológicas dos resíduos em que não há mais possibilidade de reutilização e reciclagem (art. 35), visando à minimização do risco à saúde pública e à preservação da qualidade do meio ambiente.
Por fim, a destinação final consiste no encaminhamento dos resíduos ou seus subprodutos para reutilização, reciclagem, recuperação energética, disposição final em aterros sanitários ou outras destinações admitidas (art. 36).
Conforme o Relatório de AIR, verifica-se que em 2021, mais de 64 milhões de toneladas de resíduos sólidos foram destinadas à disposição final, sendo somente 73,3% de forma adequada em aterros sanitários. Os 26,7% restantes foram destinados a lixões e aterros controlados, contabilizando mais de 17 milhões de toneladas para disposição final inadequada.
3.2. Serviço de Limpeza Urbana (SLU)
O SLU, prestado à toda coletividade considerando a segunda categoria de resíduos sólidos urbanos, destina-se a promover o asseio dos espaços públicos, compreendendo a varrição, capina e raspagem, roçada, poda, desobstrução e limpeza de bueiros, bocas de lobo e correlatos, limpeza e asseio de logradouros públicos e outras atividades consideradas de limpeza urbana (art. 43).
4. Inovações da Norma de Referência
A NR inova ao destacar a possibilidade de recuperação energética de resíduos, considerando a conversão de resíduos sólidos em combustível, energia térmica ou eletricidade por meio de processos como digestão anaeróbica, recuperação de gás de aterro sanitário, combustão, gaseificação, pirólise ou coprocessamento (art. 39).
Por meio dessa abordagem, propicia-se a redução da quantidade de resíduos destinados a aterros sanitários e o aumento na geração de energia limpa e renovável. Ao integrar essa solução considerando seu viés econômico, ambiental e social, verifica-se a priorização do desenvolvimento sustentável alinhado com as diretrizes da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) (arts. 6º, 7º e 9º da Lei 12.305/2010).
A NR também estabelece a promoção de educação ambiental não formal pelo prestador de serviço a fim de orientar os usuários quanto aos procedimentos que devem ser observados por todos os envolvidos na cadeia de manejo de resíduos sólidos urbanos (art. 89), incluindo o público escolar. Ainda, prevê as ações permanentes de educação ambiental como dever do titular (art. 98, XV) e do prestador do serviço quando o contrato assim prever (art. 100, IX).
5. Plano operacional e manual de prestação de serviço: avanço regulatório
O Capítulo V da NR se destina a estabelecer o plano operacional da prestação dos serviços. O titular deve elaborá-lo considerando as estratégias de operação e manutenção, a execução dos investimentos para o atendimento dos objetivos e metas estabelecidos nos planos de saneamento básico e de resíduos sólidos, a fim de garantir a prestação adequada dos serviços. Esse plano deverá ser enviado à respectiva ERI para aprovação.
Ainda, caberá ao prestador do serviço elaborar manual de prestação do serviço e de atendimento ao usuário. Ao disciplinar a relação entre o prestador e os usuários, deve conter, no mínimo, os direitos e deveres dos usuários, as regras sobre a prestação do serviço e as orientações sobre a sua utilização adequada, dias e horários da prestação do serviço, soluções para problemas e canais de atendimento ao usuário (art. 80, § 1º). O referido documento também deverá ser encaminhado à respectiva ERI para aprovação.
6. Definição de prazos para observância e adoção da NR 07/2024
A presente medida regulatória, tendo em vista a preocupação e as metas de universalização, estabeleceu o seguinte calendário para implementação da referida NR (art. 110), sem prejuízo de pactuação de prazos menores:
7. Conclusão
Em atendimento aos objetivos da Lei 14.026/2020 e da PNRS, verifica-se que a NR 07/2024 da ANA concretiza imprescindível avanço na regulação do manejo de resíduos sólidos e limpeza urbana, e, portanto, do sanemaneto básico. Ao definir diretrizes e mecanismos precisos, a NR não só possibilita a promoção da eficácia na prestação dos serviços, mas também se alinha ao desenvolvimento sustentável, à preservação ambiental e à dignidade da pessoa humana, eis que se destina tanto à integração dos milhões de brasileiros que carecem de acesso a esses serviços básicos quanto à melhoria na prestação para aqueles que já se beneficiam deles.
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¹ Disponível em: https://participacao-social.ana.gov.br/api/files/Agenda_Regulatoria_2022-2024-1663961125353.pdf Acesso em 11 abr. 2024.
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² Disponível em: https://portal-api.sinir.gov.br/wp-content/uploads/2022/07/Planares-B.pdf Acesso em 11 abr. 2024.
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³ As causas da problemática foram organizadas em três pilares temáticos de (i) baixa sustentabilidade econômico-financeira; (ii) assimetria na prestação dos serviços públicos; e (iii) descontinuidade do serviço.
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⁴ Disponível em: https://antigo.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/Arquivos_P
DF/Snis/RESIDUOS_SOLIDOS/DIAGNOSTICO_TEMATICO_VISAO_GERAL_RS_SNIS_2023_ATUALIZADO.pdf Acesso em 11 abr. 2024
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⁵ Destaca-se que a nomenclatura “Entidade Reguladora Infranacional (ERI)” foi objeto de ajuste na minuta original da NR, em substituição à “Entidade Reguladora”. A alteração buscou uniformizar o termo considerando as demais NRs da ANA. Quanto aos deveres da ERI, além da fiscalização, também é de sua responsabilidade o estabelecimento de normas, a verificação do cumprimento de condições e metas, a elaboração de relatório periódico sobre a qualidade da prestação dos serviços e analisar e emitir pareceres sobre a regulação técnica e econômica na prestação dos serviços (art. 103).