Após longo trâmite no Congresso, o PL 4.253/2020 (novo marco legal das licitações e contratações públicas) aguarda sanção presidencial. Há muita expectativa e torno do assunto, mas pouca evolução em termos concretos.
Afinal, a nova Lei está sendo editada com uma promessa praticamente impossível de ser cumprida: resolver os problemas fundamentais das contratacões públicas, garantindo respeito à legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, interesse público, probidade administrativa, igualdade, planejamento, transparência, eficácia, segregação de funções, motivação, vinculação ao edital, julgamento objetivo, segurança jurídica, razoabilidade, competitividade, proporcionalidade, celeridade, economicidade, desenvolvimento nacional sustentável e a observância da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/42). Esses são os princípios que devem nortear a aplicação da nova Lei, conforme expresso no art. 5º.
Porém, ela não contém mecanismos efetivamente inovadores para combater os principais problemas do processo de contratação pública e da execução dos contratos públicos.
Na verdade, a nova Lei faz uma compilação, com adaptações (em conformidade com a jurisprudência do TCU), da legislação atual sobre o tema: Lei 8.666 (Lei Geral de Licitações), Lei 10.520 (Lei do Pregão) e Lei 12.462 (Lei do RDC).¹
Não se nega que existem diversas novidades, tais como:
– instituição do Portal Nacional de Contratações Públicas: um site que promete reunir informações sobre todas as licitações e contratos administrativos regidos pela nova Lei, inclusive de Estados e Municípios, e que também poderá ser utilizado como plataforma para a realização das licitações eletrônicas (vide texto de Marçal Justen Neto, publicado nesta edição do Informativo Eletrônico JPOT);
– criação da figura do agente de contratação: uma nova categoria jurídica os agentes públicos que atuam na linha de frente dos processos de contratação, valorizando a especialidade e a vocação desses agentes (vide texto de Karlin Olbertz Niebuhr, publicado nesta edição do Informativo Eletrônico JPOT);
– criação de novas hipóteses de dispensa de licitação: tais como a dispensa para contratação para contratação de encomenda tecnológica (ETEC) e outros ajustes da Lei de Inovação (Lei 10.973) ou para as contratações de transferência de tecnologia e licenciamento por ICT e agência de fomento (vide texto de Rodrigo Goulart de Freitas Pombo, publicado nesta edição do Informativo Eletrônico JPOT);
– instituição de critérios objetivos de análise da inexequibilidade a partir de percentual incidente sobre o valor orçado pela Administração (vide texto de Eduardo Nadvorny Nascimento, publicado nesta edição do Informativo Eletrônico JPOT);
– admissibilidade do Sistema de Registro de Preços para obras de engenharia (vide texto de Jefferson Lemes dos Santos, publicado nesta edição do Informativo Eletrônico JPOT).
Ou seja, com base no novo marco legal, algumas soluções surgirão (outras serão repetidas com nova roupagem e muitas simplesmente permanecerão as mesmas).
Mas a velha estrutura do processo licitatório ainda está lá. E a aplicação desse mesmo modelo que vem sendo tentado há décadas, mesmo que modernizada em alguns pontos, não resolve os principais problemas das contratações públicas: não impede direcionamentos, não evita interpretações distorcidas sobre a realidade do mercado, não suprime as ineficiências.
Logo, o cenário não é dos mais otimistas. Os defeitos das contratações públicas dificilmente serão corrigidos por força de Lei, com a aplicação de novas regras de compliance (leia-se: mais burocracia com nova roupagem). A solução vem antes disso. As mazelas das contratações públicas decorrem do modo como enxergamos a atuação da Administração Pública frente à (ao lado da) iniciativa privada.
O que precisa mudar, portanto, é a mentalidade e o comportamento dos agentes que lidam com contratações públicas: os agentes públicos, os agentes privados e os agentes de controle. A contratação pública precisa ser compreendida e manejada como um instrumento para a promoção de eficiência. E infelizmente isso não se extrai da nova Lei.
Ainda assim, e como não poderia dexar de ser, vamos nos dedicar a estudar a nova Lei. Vamos tentar interpretá-la de modo sistemático, a fim de alcançar as melhores soluções possíveis. Vamos tentar evitar que os equívocos na aplicação dos regimes legais anteriores se repitam. Vamos tentar aplicar a nova Lei para obter contratações mais eficientes.
Vamos arregaçar as mangas, pois há muito trabalho pela frente.
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¹Essas Leis serão revogadas no prazo de dois anos contados da publicação da nova Lei (art. 190, inc. II, do PL 4.253/2020). Nesse interregno, caberá ao ente licitante escolher o regime licitatório aplicável (art. 191, §1º, do PL 4.253/2020).