Informativo Eletrônico - Edição 207 - Maio / 2024

A POSIÇÃO DO TCU SOBRE CONTRATAÇÃO INTEGRADA COM LICENCIAMENTO AMBIENTAL

Fernão Justen de Oliveira

Sumário: 1. Vedação da contratação integrada na Lei 8.666/1993; 2. Contratação integrada no RDC de 2011; 3. Licenciamento ambiental pelo contratado na Lei 14.133/2021; 4. Posição anterior do TCU: licenciamento ambiental pela Administração antes da licitação; 5. Posição atual do TCU: licenciamento ambiental pelo contratado após a licitação.

1. Vedação da contratação integrada na Lei 8.666/1993 

O caráter mais notável da contratação integrada é a concentração das fases de projeto e execução do objeto do contrato em um prestador. É o oposto do mecanismo previsto pela Lei 8.666, cujo art. 9º impediu a execução de obra ou serviço pelo autor do projeto (inc. I) ou empresa a ele vinculado societária, técnica ou contratualmente (inc. II) ou servidor vinculado ao ente licitante (inc. III). O dispositivo vedava até a participação na licitação das pessoas discriminadas naqueles incisos: o objetivo era evitar eventual restrição da competição por meio de especificações contidas no projeto básico ou executivo.

2. Contratação integrada no RDC de 2011

A Lei 12.462/2011 instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) destinado originalmente a permitir maior velocidade a obras das competições desportivas internacionais sediadas no Brasil entre 2013 e 2016. Nos anos seguintes foram acrescidas outras modalidades de contratações abrangidas pelas novas regras.

Dentre elas incluiu-se a admissão da contratação integrada pelo (também) art. 9º da Lei do RDC, conforme condições de três incisos e dois parágrafos, depois ampliados para cinco parágrafos. Como resultado, os riscos associados à conjugação entre projeto e execução da obra foram atribuídos, em maior proporção, ao contratado privado.

Mas a opção pela contratação integrada permanece subordinada à vantagem econômica que ela contiver: “Se as estimativas indicarem que o preço será menor para o mesmo objeto, e que há viabilidade de elaborar o projeto básico desde logo, deve ser adotada uma empreitada integral.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários ao RDC: Lei nº 12.462/11 e Decreto nº 7.581/11. 1ª ed. São Paulo: Dialética, 2013, p. 197).

3. Licenciamento ambiental pelo contratado na Lei 14.133/2021

Na fase de elaboração do anteprojeto ou do projeto básico estima-se o impacto ambiental que condicionará as características e a extensão do licenciamento ambiental respectivo. Logo, sob o regime da lei geral anterior, o contratado para executar a obra ou prestar o serviço estava naturalmente impedido de receber responsabilidade sobre o licenciamento ambiental, pois as fases de atividade de cada qual não se sobrepunham.

A Lei 14.133 eliminou a proibição da contratação integrada e permitiu que a mesma pessoa realize o projeto e a sua execução.

Coerentemente, o art. 25, § 5º, da Lei 14.133 permitiu ao edital atribuir ao contratado a obtenção do licenciamento ambiental (inc. I), além de realizar desapropriação (inc. II):

Art. 25. […] 
§5º. O edital poderá prever a responsabilidade do contratado pela:
I – obtenção do licenciamento ambiental;
II – realização da desapropriação autorizada pelo poder público.

Não se trata de regra geral, mas apenas quando isso se mostrar pertinente e adequado (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas, 2ª edição. São Paulo: RT, 2023, p. 430). A alteração legislativa consagrou solução jurisprudencial adotada pelo TCU ainda no âmbito de aplicação do RDC adiante comentado.

4. Posição anterior do TCU: licenciamento ambiental pela Administração antes da licitação 

Existe acórdão de 2016 em que o Plenário do TCU invocou os princípios da economicidade e da eficiência para negar eficácia a Instrução de Serviço/DG/DNIT nº 9/2014 que não exigiu a licença prévia ambiental como pré-requisito para realização de licitações do DNIT mesmo em regime da contratação integrada (RDCi):

“61. Conforme o apontamento do Relatório de Fiscalização 588/2014 – peça 17, iniciar certame licitatório de obra de engenharia desprovido de licença prévia ambiental representa risco de contratação de empreendimento inviável do ponto de vista ambiental, caso extremo no qual o contrato deve ser rescindido e todos os custos incorridos pelo particular ressarcidos pelo ente contratante com inevitável prejuízo ao Erário (peça 17, p.29). (TCU, Acórdão nº 2725/2016-Plenário, rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, j. 26/10/2016).

5. Posição atual do TCU: licenciamento ambiental pelo contratado após a licitação 

Em momento posterior à vigência da Lei 14.133, recente acórdão do TCU-Plenário estabiliza o tema do licenciamento ambiental do contratado após a licitação.

Por um lado, o Acórdão nº 1.912/2023 reconhece que o licenciamento ambiental pelo contratado para a obra já era viável no âmbito da contratação integrada regulada pelo RDC. Isso é coerente com a disciplina que antecipa a atividade do contratado para a fase inicial da concepção do projeto e, em paralelo, mantém o licenciamento ambiental (nomeadamente a licença prévia) naquela mesma oportunidade:

“No ano de 2022, o DNIT lançou, como empreendimento-piloto, o Edital RDC 90/2022 (BR135/MG), por meio da contratação integrada, objetivando, de forma inovadora, além das tradicionais elaborações de projetos e execução de obras, a execução de todas as ações do processo de licenciamento ambiental. Agora, na decisão acertada de 2023, o TCU julgou pela possibilidade, no regime de contratação integrada da Lei nº 12.462/2011 (RDC), de transferência do licenciamento ambiental ao contratado. (TCU, Acórdão nº 1.912/2023-Plenário, rel. Min. Benjamin Zymler, j. 03/07/2023).”

Por outro lado, o acórdão estende expressamente para o regime da Lei 14.133 a interpretação atribuível para o RDC. Não fosse assim, a admissão do licenciamento ambiental como responsabilidade do contratado pelo art. 25, § 5º, inc. I, da Lei 14.133 poderia resultar sem aplicabilidade prática. Não haveria sentido em exigir o licenciamento ambiental antes de iniciar a licitação e, ao mesmo tempo, permitir que o contratado (portanto depois de encerrada a licitação) se encarregasse do mesmo licenciamento. O julgamento do TCU suprimiu essa contradição:

“O TCU julgou pela possibilidade, no regime de contratação integrada da Lei nº 12.462/2011 (RDC), de transferência do licenciamento ambiental ao contratado, ‘não apenas pela superveniente edição da Lei 14.133/2021’, que admite a atribuição do licenciamento ambiental ao particular (art. 25, § 5º, inc. I), ‘mas também para compatibilizar o emprego da contratação integrada com o licenciamento ambiental’. Nesse sentido, recomendou aos órgãos (DNIT e Ibama) que adotem, ‘no âmbito de suas esferas de atribuições, as medidas cabíveis para adequar a regulamentação interna dos processos de licenciamento ambiental e dos processos de contratação pública, respectivamente, de forma a contemplar o disposto no art. 25, § 5º, inc. I, da Lei 14.133/2021, segundo o qual os editais de licitação de obras públicas podem prever a responsabilidade do contratado para a obtenção do licenciamento ambiental do empreendimento’. (TCU, Acórdão nº 1.912/2023-Plenário, rel. Min. Benjamin Zymler, j. 03/07/2023).

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Fernão Justen de Oliveira
Fernão Justen de Oliveira
Mestre em Direito Privado pela UFPR. Doutor em Direito do Estado pela UFPR. Sócio da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Fernão Justen de Oliveira
Fernão Justen de Oliveira
Mestre em Direito Privado pela UFPR. Doutor em Direito do Estado pela UFPR. Sócio da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.