Informativo Eletrônico - Edição 213 - Novembro / 2024

A PRESERVAÇÃO DE CONTRATOS ADMINISTRATIVOS VICIADOS E O REGIME DE NULIDADES DA LEI 14.133/2021

Pedro Henrique Savaris

1. A alteração promovida pela Lei 14.133/2021

O art. 147 da Lei 14.133/2021 estabelece que a suspensão ou anulação do contrato administrativo por irregularidades só deve ser considerada se for “medida de interesse público”. A decisão deve levar em conta diversos aspectos, como os impactos econômicos e sociais do atraso na execução do contrato, os riscos para a população, os custos envolvidos em interromper ou retornar a obra, a motivação social e ambiental do contrato e o estágio de execução.

A Lei 8.666/1993 contemplava um modelo rígido em relação às nulidades contratuais. Os vícios identificados em uma contratação conduziam à nulidade, sendo os efeitos retroativos à época do vício.

2. O regime do art. 147 e seus incisos

O art. 147 da Lei 14.133/2021 introduz diretrizes para o agente público decidir sobre a suspensão ou anulação de contratos com irregularidades. Deve-se observar o princípio da proporcionalidade. A decisão decorrerá de uma apuração se a pronúncia do vício e a invalidação do contrato são a solução mais adequada para recompor a ordem jurídica violada.¹

Entre os fatores a serem considerados, o inciso I destaca os impactos econômicos e financeiros decorrentes do atraso na execução, que podem afetar diretamente a população e a economia local, especialmente em obras de grande porte. O inciso II orienta a Administração a avaliar os riscos sociais e à segurança pública, reconhecendo que atrasos podem comprometer projetos de infraestrutura crítica e expor comunidades a riscos elevados, como em áreas de saneamento e saúde.

O inciso III contempla contratos com motivação social e ambiental, destacando que a continuidade de contratos com tais objetivos pode ser fundamental para o bem-estar e a preservação ambiental, mesmo em face de irregularidades. O inciso IV menciona o custo associado à deterioração de partes já executadas, que se torna significativo em obras parcialmente concluídas, onde a interrupção pode levar a perdas irreversíveis e aumentar os custos para retomada futura.

A preservação das instalações e dos serviços já realizados, abordada no inciso V, também é um ponto crítico, pois a manutenção de obras paralisadas pode representar um custo elevado que influencia na decisão de continuidade do contrato. Da mesma forma, o inciso VI salienta os custos inerentes à desmobilização dos recursos e ao retorno posterior às atividades, defendendo que muitas vezes a continuidade é mais econômica.

O inciso VII prevê a avaliação de medidas proativas adotadas pela Administração para sanar irregularidades, reconhecendo que a correção dos vícios pode permitir que o contrato continue gerando benefícios. Já o inciso VIII pondera sobre o estágio de execução do contrato, pois em fases avançadas, o encerramento pode resultar em prejuízos aos recursos já aplicados e comprometer a eficácia do projeto.

Os incisos IX e X adicionam a preocupação com a preservação de empregos e os custos de uma nova licitação, fatores que impactam diretamente tanto o mercado quanto o erário. Finalmente, o inciso XI explora o custo de oportunidade do capital durante a paralisação, que representa a perda de benefícios econômicos para a coletividade ao manter recursos financeiros paralisados.

O parágrafo único prevê que, quando a anulação ou suspensão não for “medida de interesse público”, a Administração ainda assim pode decidir pela continuidade do contrato, exigindo do responsável indenização pelos danos causados.

3. O desfazimento das licitações

O desfazimento do procedimento licitatório antes da contratação definitiva pode, de certa maneira, beneficiar a Administração Pública. Isso ocorrerá quando a anulação evitar que irregularidades ou vícios comprometam o resultado do processo. A anulação minimizará prejuízos e garantirá que os princípios fundamentais do processo licitatório sejam respeitados², ainda que isso adie o início da prestação necessária.

Por outro lado, do ponto de vista do licitante, especialmente daquele declarado vencedor, a anulação baseada em irregularidades ou questões formais pode representar uma violação de seus direitos, revelando um possível desequilíbrio entre o poder discricionário da Administração e os interesses dos particulares. Esse cenário pode, assim, evidenciar um desequilíbrio na relação entre o poder discricionário da Administração e o direito dos licitantes, principalmente quando esses vícios não comprometem gravemente o objeto contratado.³

O art. 71 da Lei 14.133/2021 busca equilibrar esses interesses ao permitir uma análise mais flexível das circunstâncias de cada caso. A norma visa a assegurar que o desfazimento de uma licitação ocorra somente quando estritamente necessário, pesando os impactos sobre os direitos dos licitantes e os interesses da Administração.

Esse avanço normativo encontra-se em linha com o art. 21 da LINDB, que exige que a Administração Pública adote decisões fundamentadas para decretar a invalidação de contratos, ponderando alternativas e avaliando os efeitos concretos de suas escolhas, especialmente nos casos em que decisões discricionárias possam gerar insegurança jurídica. O art. 20 da LINDB reforça essa diretriz ao determinar que, na interpretação e aplicação das normas administrativas, devem ser consideradas as consequências práticas da decisão.⁴

Ambos os dispositivos refletem um movimento em direção a uma Administração Pública que age com maior transparência e responsabilidade, promovendo a segurança jurídica e a confiança no processo licitatório e nas contratações públicas. 

A nova legislação indica um avanço ao promover a proporcionalidade entre os interesses coletivos e os direitos dos particulares envolvidos, orientando a Administração na escolha entre desfazer ou manter a contratação, sempre com foco na eficiência e efetividade das contratações públicas.

4. Considerações finais

Ao estabelecer critérios mais flexíveis e equilibrados para a suspensão ou anulação de contratos, a Lei 14.133/2021 representa um avanço significativo em relação ao modelo rígido anteriormente instituído pela Lei 8.666/1993. A nova legislação reflete uma postura mais adaptativa e realista. Busca a preservação dos interesses públicos sem comprometer a segurança jurídica e o direito dos particulares. 

A exigência da análise dos impactos sociais, econômicos e ambientais antes da tomada de decisão sobre contratos com vícios evidencia um movimento em direção à proporcionalidade e eficiência administrativa. O direito prestigia soluções que mitiguem os danos e promovam a continuidade dos serviços essenciais sempre que possível, evitando paralisações desnecessárias e prejuízos ao erário e à população.

Portanto, o novo regime jurídico licitatório busca um equilíbrio entre o cumprimento dos princípios de legalidade e a preservação dos interesses envolvidos, adaptando-se aos desafios contemporâneos da Administração Pública e assegurando maior estabilidade e confiança nos processos licitatórios.

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¹JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas. 2ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 1.588.

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²Acerca da ponderação e o respeito aos princípios, vale ressaltar a afirmação de Marçal Justen Filho que “O princípio jurídico, considerado de modo abstrato, não fornece a solução para a controvérsia do caso concreto. Os princípios exteriorizam valores essenciais e devem necessariamente influenciar a decisão. É indispensável avaliar a realidade e ponderar os diversos princípios, dando-lhes concretude e conteúdo específico. A indeterminação dos princípios constitucionais cria o risco de decisão defeituosa, em que o aplicador invoca um princípio para justificar uma escolha fundada em subjetivismo e arbitrariedade.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024, p. 66.).

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³ Nesse sentido ver JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024, p. 40.

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⁴ A jurisprudência do TCU corrobora esse entendimento: Acórdão 2761/2022 – Plenário, Acórdão 2351/2023 – Plenário e Acórdão 2099/2022 – Plenário.

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Pedro Henrique Savaris
Pedro Henrique Savaris
Acadêmico de Direito da PUC/PR. Estagiário da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Pedro Henrique Savaris
Pedro Henrique Savaris
Acadêmico de Direito da PUC/PR. Estagiário da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.