Informativo Eletrônico - Edição 176 - Outubro / 2021

A RESERVA DE CARGOS PARA PESSOA COM DEFICIÊNCIA (PCD) E REABILITADOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL COMO REQUISITO DE HABILITAÇÃO – ENTRE A LEI 8.666/1993 E A LEI 14.133/2021

Rodrigo Goulart de Freitas Pombo

1. Introdução  

Na vigência da Lei 8.666, a reserva de cargos para pessoa com  deficiência (PCD) ou reabilitados da Previdência Social passou a ser uma  exigência em licitações. A exigência tal como prevista gerou dúvidas sobre a  sua qualificação jurídica e dificuldades na sua aplicação. 

A Lei 14.133 alterou a qualificação jurídica da exigência, solucionando  um problema anterior. O exame dessa disciplina permite identificar a nova  qualificação jurídica e detectar novas questões que podem surgir no futuro.  Esse é o objeto do presente artigo.

2. A reserva de cargos na Lei 8.666 

A Lei 8.666, com as alterações produzidas pela Lei 13.146/2015 (Estatuto  da Pessoa com Deficiência), prevê o seguinte: 

Art. 3º (…)  
§ 2o Em igualdade de condições, como critério de desempate, será assegurada  preferência, sucessivamente, aos bens e serviços:  
V – produzidos ou prestados por empresas que comprovem cumprimento de reserva de  cargos prevista em lei para pessoa com deficiência ou para reabilitado da Previdência  Social e que atendam às regras de acessibilidade previstas na legislação.  
Art. 3º (…)  
§ 5o Nos processos de licitação, poderá ser estabelecida margem de preferência para:  
II – bens e serviços produzidos ou prestados por empresas que comprovem cumprimento  de reserva de cargos prevista em lei para pessoa com deficiência ou para reabilitado da  Previdência Social e que atendam às regras de acessibilidade previstas na legislação.

Portanto, a reserva de cargos foi prevista como critério de desempate (Lei  8.666, art. 3º, §2º, inc. V) ou para o estabelecimento de margem de preferência  (Lei 8.666, art. 3º, §5º). No primeiro caso, uma situação de empate entre  licitantes pode ser resolvida com a vitória de empresa que cumpra a reserva de cargos prevista em Lei. No segundo caso, admite-se que uma norma seja  editada para estabelecer margem de preferência para as empresas que atendam as exigências. 

Porém, na prática, há editais baseados na Lei 8.666 e na Lei 10.520 que  previram o atendimento à reserva de cargos para PCD como requisito de habilitação, não como critério de desempate ou para efeito de estabelecer uma  margem de preferência. Reputa-se que uma exigência nesses termos pode ser objeto de questionamento, por diversos fundamentos jurídicos – inclusive os limites expressos previstos na Lei 8.666. 

3. A reserva de cargos na Lei 14.133/2021 

O menor desconto segue a mesma lógica do menor preço, com a  diferença que os lances são percentuais de desconto em face do preço máximo  fixado pela Administração. Como decorrência, o orçamento não poderá ser  sigiloso e deverá ser divulgado imediatamente (art. 24, parágrafo único da Lei 14.133/2021). Poderá ser adotada em pregão ou concorrência.

1.3. Melhor técnica ou conteúdo artístico 

O art. 63, inc. IV, da Lei 14.133, prevê o seguinte: 

Art. 63. Na fase de habilitação das licitações serão observadas as seguintes disposições: 
I – poderá ser exigida dos licitantes a declaração de que atendem aos requisitos de  habilitação, e o declarante responderá pela veracidade das informações prestadas, na  forma da lei; 
II – será exigida a apresentação dos documentos de habilitação apenas pelo licitante  vencedor, exceto quando a fase de habilitação anteceder a de julgamento; 
III – serão exigidos os documentos relativos à regularidade fiscal, em qualquer caso,  somente em momento posterior ao julgamento das propostas, e apenas do licitante mais  bem classificado; 
IV – será exigida do licitante declaração de que cumpre as exigências de reserva de  cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social,  previstas em lei e em outras normas específicas.

3.1. A reserva de cargos como requisito de habilitação   

Portanto, diferentemente da Lei 8.666, a Lei 14.133 previu  expressamente a reserva de cargos para pessoas com deficiência e para  reabilitado da Previdência Social como um requisito de habilitação. Marçal  Justen Filho qualifica a exigência como um requisito de habilitação social  (Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei 14.133/2021. São Paulo, Thomson Reuters Brasil, 2021, pp. 879-880). 

3.2. A obrigatoriedade ou facultatividade da exigência  

No tocante aos requisitos de habilitação de um modo geral (i.e.,  habilitação jurídica, técnica, fiscal, social, trabalhista e econômico-financeira),  prevalece o entendimento de que a Lei estabelece um elenco máximo, e cabe  ao edital fixar os requisitos mínimos necessários tendo em vista o objeto  licitado. Mas há certos requisitos de habilitação que são absolutos, no sentido  de serem exigíveis em todas as situações, independentemente do objeto  licitado (p. ex., a habilitação jurídica).

Na aplicação da Lei 14.133, tende a prevalecer o entendimento de que a  reserva de cargos para PCD e para reabilitados da Previdência Social é um requisito de habilitação absoluto, que deve ser exigido em todos os casos (não  se aplicando, naturalmente, quando a legislação especifica sobre PCD não  exigir a reserva de cargo, ou quando houver particularidades da empresa/setor  de atuação que afastem a exigência).

Nas situações mais usuais, em princípio, não há margem para a  Administração dispensar essa exigência. Isso decorre da redação empregada  pela Lei (“Art. 63. Na fase de habilitação das licitações serão observadas as seguintes disposições: IV – será exigida do licitante declaração de que cumpre as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para  reabilitado da Previdência Social, previstas em lei e em outras normas  específicas”).

Portanto, em regra os editais elaborados com base na Lei 14.133 devem  exigir a declaração de atendimento dessas condições. E a ausência de declaração de atendimento ou o descumprimento das exigências de reservas  de cargos deve implicar a inabilitação da empresa licitante.

3.3. O momento de comprovação da reserva de vagas 

Pode haver dúvida sobre o momento de comprovação do atendimento à  reserva de cargos (se por ocasião da licitação ou se apenas no momento de celebrar o contrato). Marçal Justen Filho afirma que, por sua natureza, o  requisito deve ser atendido pela empresa independentemente da licitação, o  que “envolve comprovação quanto à sua organização em momento anterior à  instauração da disputa” (Comentários… p. 879).

Em princípio, portanto, a reserva de cargos deve ser respeitada por  ocasião da licitação, e inclusive durante a execução do contrato. 

Quanto a isso, e apenas para efeito de comparação, note-se que há na Lei 14.133 previsão de que o edital pode exigir percentual mínimo de mão de obra de mulheres vítimas de violência doméstica (art. 25, §9º, inc. I) e de oriundos ou egressos do sistema prisional (art. 25, §9º, inc. II). 

Nestes casos, o edital pode ou não prever a exigência (que, portanto, é  facultativa). Se houver tal exigência no caso concreto, a comprovação deve ser  feita apenas no momento da celebração do contrato. Outra diferença é que essa mão de obra composta por mulheres vítimas de violência doméstica ou por oriundos ou egressos do sistema prisional deve ser utilizada na execução  do contrato resultante da licitação – diferente dos empregados PCD e  reabilitados da Previdência Social, que devem atuar na empresa mas não necessariamente na execução do contrato celebrado. 

3. Conclusão  

Portanto, a reserva de cargos para PCD ou reabilitados da Previdência  Social como requisito de habilitação é uma novidade da Lei 14.133, o que  envolveu alteração da qualificação jurídica atribuída pela Lei 8.666. Em princípio, a exigência é obrigatória em licitações regidas pela Lei 14.133  (ressalvadas as situações excepcionais acima indicadas), e o atendimento  deve ser demonstrado por ocasião da licitação, e não como condição para a  celebração do contrato. 

Compartilhe:

LinkedIn
WhatsApp
Rodrigo Goulart de Freitas Pombo
Rodrigo Goulart de Freitas Pombo
Especialista em Direito Processual Civil pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar. Especialista em Direito Econômico Regulatório pela FGVLaw. Mestre em Direito do Estado pela USP. Advogado da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Rodrigo Goulart de Freitas Pombo
Rodrigo Goulart de Freitas Pombo
Especialista em Direito Processual Civil pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar. Especialista em Direito Econômico Regulatório pela FGVLaw. Mestre em Direito do Estado pela USP. Advogado da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.