1. Introdução
Na vigência da Lei 8.666, a reserva de cargos para pessoa com deficiência (PCD) ou reabilitados da Previdência Social passou a ser uma exigência em licitações. A exigência tal como prevista gerou dúvidas sobre a sua qualificação jurídica e dificuldades na sua aplicação.
A Lei 14.133 alterou a qualificação jurídica da exigência, solucionando um problema anterior. O exame dessa disciplina permite identificar a nova qualificação jurídica e detectar novas questões que podem surgir no futuro. Esse é o objeto do presente artigo.
2. A reserva de cargos na Lei 8.666
A Lei 8.666, com as alterações produzidas pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), prevê o seguinte:
Art. 3º (…)
§ 2o Em igualdade de condições, como critério de desempate, será assegurada preferência, sucessivamente, aos bens e serviços:
V – produzidos ou prestados por empresas que comprovem cumprimento de reserva de cargos prevista em lei para pessoa com deficiência ou para reabilitado da Previdência Social e que atendam às regras de acessibilidade previstas na legislação.
Art. 3º (…)
§ 5o Nos processos de licitação, poderá ser estabelecida margem de preferência para:
II – bens e serviços produzidos ou prestados por empresas que comprovem cumprimento de reserva de cargos prevista em lei para pessoa com deficiência ou para reabilitado da Previdência Social e que atendam às regras de acessibilidade previstas na legislação.
Portanto, a reserva de cargos foi prevista como critério de desempate (Lei 8.666, art. 3º, §2º, inc. V) ou para o estabelecimento de margem de preferência (Lei 8.666, art. 3º, §5º). No primeiro caso, uma situação de empate entre licitantes pode ser resolvida com a vitória de empresa que cumpra a reserva de cargos prevista em Lei. No segundo caso, admite-se que uma norma seja editada para estabelecer margem de preferência para as empresas que atendam as exigências.
Porém, na prática, há editais baseados na Lei 8.666 e na Lei 10.520 que previram o atendimento à reserva de cargos para PCD como requisito de habilitação, não como critério de desempate ou para efeito de estabelecer uma margem de preferência. Reputa-se que uma exigência nesses termos pode ser objeto de questionamento, por diversos fundamentos jurídicos – inclusive os limites expressos previstos na Lei 8.666.
3. A reserva de cargos na Lei 14.133/2021
O menor desconto segue a mesma lógica do menor preço, com a diferença que os lances são percentuais de desconto em face do preço máximo fixado pela Administração. Como decorrência, o orçamento não poderá ser sigiloso e deverá ser divulgado imediatamente (art. 24, parágrafo único da Lei 14.133/2021). Poderá ser adotada em pregão ou concorrência.
1.3. Melhor técnica ou conteúdo artístico
O art. 63, inc. IV, da Lei 14.133, prevê o seguinte:
Art. 63. Na fase de habilitação das licitações serão observadas as seguintes disposições:
I – poderá ser exigida dos licitantes a declaração de que atendem aos requisitos de habilitação, e o declarante responderá pela veracidade das informações prestadas, na forma da lei;
II – será exigida a apresentação dos documentos de habilitação apenas pelo licitante vencedor, exceto quando a fase de habilitação anteceder a de julgamento;
III – serão exigidos os documentos relativos à regularidade fiscal, em qualquer caso, somente em momento posterior ao julgamento das propostas, e apenas do licitante mais bem classificado;
IV – será exigida do licitante declaração de que cumpre as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, previstas em lei e em outras normas específicas.
3.1. A reserva de cargos como requisito de habilitação
Portanto, diferentemente da Lei 8.666, a Lei 14.133 previu expressamente a reserva de cargos para pessoas com deficiência e para reabilitado da Previdência Social como um requisito de habilitação. Marçal Justen Filho qualifica a exigência como um requisito de habilitação social (Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei 14.133/2021. São Paulo, Thomson Reuters Brasil, 2021, pp. 879-880).
3.2. A obrigatoriedade ou facultatividade da exigência
No tocante aos requisitos de habilitação de um modo geral (i.e., habilitação jurídica, técnica, fiscal, social, trabalhista e econômico-financeira), prevalece o entendimento de que a Lei estabelece um elenco máximo, e cabe ao edital fixar os requisitos mínimos necessários tendo em vista o objeto licitado. Mas há certos requisitos de habilitação que são absolutos, no sentido de serem exigíveis em todas as situações, independentemente do objeto licitado (p. ex., a habilitação jurídica).
Na aplicação da Lei 14.133, tende a prevalecer o entendimento de que a reserva de cargos para PCD e para reabilitados da Previdência Social é um requisito de habilitação absoluto, que deve ser exigido em todos os casos (não se aplicando, naturalmente, quando a legislação especifica sobre PCD não exigir a reserva de cargo, ou quando houver particularidades da empresa/setor de atuação que afastem a exigência).
Nas situações mais usuais, em princípio, não há margem para a Administração dispensar essa exigência. Isso decorre da redação empregada pela Lei (“Art. 63. Na fase de habilitação das licitações serão observadas as seguintes disposições: IV – será exigida do licitante declaração de que cumpre as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, previstas em lei e em outras normas específicas”).
Portanto, em regra os editais elaborados com base na Lei 14.133 devem exigir a declaração de atendimento dessas condições. E a ausência de declaração de atendimento ou o descumprimento das exigências de reservas de cargos deve implicar a inabilitação da empresa licitante.
3.3. O momento de comprovação da reserva de vagas
Pode haver dúvida sobre o momento de comprovação do atendimento à reserva de cargos (se por ocasião da licitação ou se apenas no momento de celebrar o contrato). Marçal Justen Filho afirma que, por sua natureza, o requisito deve ser atendido pela empresa independentemente da licitação, o que “envolve comprovação quanto à sua organização em momento anterior à instauração da disputa” (Comentários… p. 879).
Em princípio, portanto, a reserva de cargos deve ser respeitada por ocasião da licitação, e inclusive durante a execução do contrato.
Quanto a isso, e apenas para efeito de comparação, note-se que há na Lei 14.133 previsão de que o edital pode exigir percentual mínimo de mão de obra de mulheres vítimas de violência doméstica (art. 25, §9º, inc. I) e de oriundos ou egressos do sistema prisional (art. 25, §9º, inc. II).
Nestes casos, o edital pode ou não prever a exigência (que, portanto, é facultativa). Se houver tal exigência no caso concreto, a comprovação deve ser feita apenas no momento da celebração do contrato. Outra diferença é que essa mão de obra composta por mulheres vítimas de violência doméstica ou por oriundos ou egressos do sistema prisional deve ser utilizada na execução do contrato resultante da licitação – diferente dos empregados PCD e reabilitados da Previdência Social, que devem atuar na empresa mas não necessariamente na execução do contrato celebrado.
3. Conclusão
Portanto, a reserva de cargos para PCD ou reabilitados da Previdência Social como requisito de habilitação é uma novidade da Lei 14.133, o que envolveu alteração da qualificação jurídica atribuída pela Lei 8.666. Em princípio, a exigência é obrigatória em licitações regidas pela Lei 14.133 (ressalvadas as situações excepcionais acima indicadas), e o atendimento deve ser demonstrado por ocasião da licitação, e não como condição para a celebração do contrato.