1. Introdução
O presente texto propõe-se a examinar a possibilidade de, com base em compromisso de compra e venda de imóvel, determinados sujeitos reivindicarem a propriedade e exigirem a outorga da escritura por meio extrajudicial.
Com se verá adiante, tal novidade foi introduzida em nosso ordenamento por meio da Lei 14.382/22 que, dentre outros temas, concebeu a figura da adjudicação compulsória extrajudicial no art. 216-B na Lei de Registros Públicos – LRP (Lei 6.015/73).
2. Adjudicação compulsória: contornos essenciais
O compromisso de compra e venda de bem imóvel tem natureza de contrato preliminar, por meio do qual o promitente vendedor compromete-se a transferir ao promitente comprador a propriedade do bem imóvel, mediante o pagamento do preço.
O pagamento do preço faz surgir para o adquirente o direito de obter a escritura definitiva da compra e venda, nos termos do instrumento particular. A recusa do vendedor em outorgar a escritura autoriza que se requeira a adjudicação compulsória do imóvel.
Há uma série de regras que se destinam a disciplinar a adjudicação compulsória de imóveis no Brasil. Pede-se licença para sumariar apenas as principais, que serão suficientes para fixar as premissas necessárias à compreensão da estrutura legislativa que o instituto possui em nosso ordenamento.
O Decreto-Lei 58/37, que trata do loteamento e da venda de terrenos para pagamento em prestações, contém duas regras relevantes sobre o tema. O art. 16 consigna que a recusa do compromitente em outorgar a escritura definitiva faz surgir para o compromissário o direito de exigir tal conduta por meio da ação de adjudicação compulsória. O art. 22, por sua vez, determina que o pagamento do preço por força de compromisso de compra e venda e cessão de direitos de imóveis não loteados, sem cláusula de arrependimento, conferem o direito à adjudicação compulsória, nos termos do aludido art. 16.
O art. 25 da Lei 6.766/79, que disciplina o parcelamento do solo urbano, também reconhece o direito à adjudicação compulsória com base em compromisso de compra e venda, cessões e promessas de cessão de imóvel.
Ainda, os arts. 1.417 e 1.418 do Código Civil também conferem ao promitente comprador o direito de exigir do vendedor (ou de terceiros, a quem os direitos forem cedidos) a outorga da escritura definitiva, nos termos do contrato preliminar. Se houver recusa, o sujeito poderá pleitear a adjudicação compulsória judicialmente.
Contudo, há casos em que o adquirente opõe resistência em receber a escritura definitiva e registrar a propriedade do imóvel em seu nome. Trata-se do que se convencionou chamar de hipótese de adjudicação compulsória inversa.
Assim, tanto o vendedor quanto o adquirente possuem direito à adjudicação compulsória.
O STJ firmou entendimento no sentido de que “O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis” (Súmula 239 do STJ). Com isso, afastou-se a ideia restritiva de que somente os compromissos de compra e venda registrados é que autorizariam a adjudicação compulsória do imóvel.
Portanto, para que o sujeito tenha direito de exigir a outorga da escritura definitiva, será necessária a presença dos seguintes requisitos: (i) compromisso de compra e venda sem cláusula de arrependimento e (ii) pagamento do preço.
3. Adjudicação compulsória pela via judicial
Tradicionalmente, somente era admitida a adjudicação compulsória pela via judicial.
Ao tempo do CPC de 1973, tal providência era postulada com base no art. 466-B:
“Se aquele que se comprometeu a concluir o contato não cumpriu a obrigação, a outra parte, sendo isso possível e não excluído pelo título, poderá obter uma sentença que produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado”.
O CPC de 2015 não repetiu textualmente tal disposição. Hoje, no entanto, exerce-se a pretensão à emissão de declaração de vontade por meio da demanda prevista no art. 501, cuja “sentença que julgar procedente o pedido, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não emitida”.
De mais a mais, o próprio regramento de direito material (exposto no tópico antecedente) indicava a necessidade de propositura de ação judicial para exigir a outorga da escritura definita.
4. Adjudicação compulsória extrajudicial
Esse panorama foi alterado com o advento da Lei 14.382/2022, que inseriu o art. 216-B na LRP. O novo regramento, que está em vigor desde 28.6.2022, criou a figura da adjudicação compulsória extrajudicial.
4.1. Definição
O art. 216-B da LRP autoriza que um sujeito exija de sua contraparte a outorga da escritura definitiva de um bem imóvel, extrajudicialmente, desde que preenchidos determinados requisitos.
O caput do art. 216-B deixou claro que a via extrajudicial é uma faculdade da parte interessada, ao consignar que “Sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão poderá ser efetivada extrajudicialmente no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel”. Ou seja, caso deseje, a parte poderá ingressar com a ação judicial de adjudicação compulsória. Há, agora, dois caminhos para se atingir o mesmo resultado.
4.2. Legitimidade
O art. 216-B da LRP reconheceu a legitimidade do promitente comprador (adquirente), de qualquer de seus eventuais cessionários, do promitente cessionário de seus sucessores e do promitente vendedor.
Com isso, reafirma-se a ideia de que tanto o vendedor quanto o adquirente podem causar embaraços à transferência definitiva da propriedade. Logo, ambos têm legitimidade para exigir extrajudicialmente da contraparte a outorga da escritura definitiva do imóvel.
4.3. Requisitos
O pedido de adjudicação compulsória extrajudicial, a ser submetido ao cartório de registro de imóveis da situação do imóvel, deverá ser instruído com os seguintes documentos:
a) Instrumento de promessa de compra e venda. Caso tenha havido cessão ou sucessão, serão também necessários tais documentos comprobatórios.
b) Prova do inadimplemento. Neste caso, o inadimplemento será caracterizado pela não celebração da escritura para a transmissão da propriedade, no prazo de quinze dias, contados da entrega da notificação extrajudicial. Exige-se que a notificação seja promovida pelo oficial do registro de imóveis da situação do imóvel, que poderá delegar a diligência ao oficial do registro de títulos e documentos.
c) Certidão dos distribuidores judiciais da comarca da situação do imóvel, comprobatória da inexistência de litígio envolvendo o instrumento de promessa de compra e venda do imóvel objeto da adjudicação extrajudicial.
d) Comprovante de pagamento do ITBI.
e) Procuração outorgada a advogado, contendo poderes especiais para o ato.
Preenchidos tais requisitos e pagas as respectivas custas cartoriais, o oficial do registro de imóveis procederá ao registro do domínio em nome do adquirente, servindo de título a respectiva promessa de compra e venda ou de cessão ou o instrumento que comprove a sucessão.
5. Conclusão
Ao admitir a adjudicação compulsória extrajudicial, o novo art. 216-B da Lei de Registros Públicos seguiu a tendência de permitir que certos litígios, antes dependentes da intervenção jurisdicional obrigatória, agora possam ser resolvidos de forma mais simples e eficaz em ambiente extrajudicial.