1. Introdução
A Nova Lei que institui normas gerais para licitações e contratos administrativos apresenta inovações interessantes em matéria de atuação dos agentes públicos envolvidos em processos de contratação (licitações, contratações diretas, procedimentos auxiliares).
2. O agente de contratação
A primeira inovação, que logo salta aos olhos, consiste em que os agentes públicos que atuam na linha de frente dos processos de contratação passam a ser denominados de “agentes de contratação” pela Nova Lei. Trata-se de uma nova categorização jurídica, que valoriza a especialidade e a vocação na atuação desses agentes.
2.1. Definição
É agente de contratação a “pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento da licitação” (o art. 6º, inc. LX, e o art. 8º, caput, da Nova Lei).
São os agentes públicos que conduzem licitações e tomam decisões no âmbito da disputa, que atuam como órgãos administrativos unipessoais ou que integram comissão de contratação (art. 6º, inc. L, da Nova Lei).¹
2.2. Relevância, especialidade e vocação
A nova categorização traduz a ênfase conferida pela Nova Lei aos agentes de linha de frente dos processos de contratação.
A categorização também invoca um dado de especialidade que deve ser considerado quando se escolhe o agente de contratação; quer dizer, é agente de contratação o servidor ou empregado público com competência para tanto, em sentido técnico-jurídico, mas também na acepção de a escolha recair sobre um servidor ou empregado público com vocação e habilidades individuais para o desempenho das funções relacionadas ao processo de contratação.
Assim, imagine-se o agente público incumbido da negociação de condições mais vantajosas com os licitantes (cf. art. 60, § 2º, da Nova Lei). Esse agente (de contratação) deve apresentar, sempre que possível, características individuais compatíveis com a condução de uma negociação, seja pela via da especialidade (trata-se de agente público que desenvolveu habilidades específicas, por exemplo, em cursos de formação), seja pela via da sua vocação (é inadequado e pode mesmo ser antijurídico que um agente público excessivamente tímido seja escolhido para conduzir negociação).
A Nova Lei alberga esse entendimento quando se refere, no art. 7º, caput e inc. II, ao dever de a autoridade escolher agentes de contratação com promoção da “gestão por competências”, e que “tenham atribuições relacionadas a licitações e contratos ou possuam formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo criada e mantida pelo poder público”.
2.3. O vínculo com os quadros permanentes da Administração
Nesse sentido, somente os servidores efetivos e empregados públicos dos quadros permanentes podem ser agentes de contratação.² Quer dizer, não cabe a atribuição de competências de condução e julgamento dos processos de contratação a terceiros que não sejam servidores efetivos ou empregados públicos. Embora as contratações de bens, obras e prestação de serviços não se constituam, usualmente, em atividade finalística dos diversos órgãos administrativos,³ trata-se de atividade privativa da Administração, em que não se admite terceirização.
Não significa dizer, por outro lado, que os agentes de contratação não devam receber apoio de pessoas regularmente contratadas.
Isso poderá se passar, por exemplo, quando o processo de contratação envolver “bens ou serviços especiais cujo objeto não seja rotineiramente contratado pela Administração”. Nestes casos, caberá a contratação, por prazo determinado, de serviço de empresa ou de profissional especializado para o assessoramento dos agentes de contratação, como prevê o art. 8º, § 4º, da Nova Lei. O contratado integrará a equipe de apoio do agente de contratação (art. 8º, § 1º).
Essa atribuição, contudo, deve preferencialmente ser conferida a servidor efetivo ou empregado público dos quadros permanentes da Administração (art. 7º, inc. I).
2.4. A comissão de contratação
O agente de contratação, via de regra, atuará como órgão unipessoal. Essa é uma aparente distinção em vista da disciplina da legislação anterior, que admitia órgãos decisórios unipessoais somente para condução e julgamento de leilões, pregões e convites.
A distinção é meramente aparente porque o art. 8º, § 2º, da Nova Lei, previu que o agente de contratação poderá ser substituído por “comissão de contratação” quando o processo de contratação envolver “bens ou serviços especiais”. A expressão é utilizada para contrapor os “bens e serviços comuns”, contratados por pregão, em que atua o “pregoeiro”, órgão unipessoal (sobre bens e serviços comuns e especiais, cf. art. 6º, incs. XIII e XIV).
Logo, a Nova Lei manteve as soluções de atribuir competência decisória a um órgão unipessoal nos pregões e de prever órgãos colegiados para decisões em outras licitações. Quanto a este ponto, a verdadeira distinção reside em que a constituição de comissão, nessas outras licitações, deixa de ser a regra; “poderá” haver a substituição do agente de contratação por comissão, nos termos do art. 8º, § 2º, mediante decisão motivada.
3. A valorização da linha de frente
A criação da categoria dos agentes de contratação evidencia a atenção redobrada que a Nova Lei conferiu à atuação dos agentes públicos que figuram nas linhas de frente do processo de contratação e do controle da sua regularidade.
A ênfase tem sua razão de ser. Não se produz contratação administrativa adequada e vantajosa para os interesses públicos sem atuação competente e esclarecida dos agentes públicos que trabalham na linha de frente dos processos de contratação, ou na defesa da sua regularidade jurídica.⁴
Esses agentes – referidos pela legislação anterior como integrantes de Comissões, Pregoeiro (demoninação esta que se mantém na Nova Lei, cf. art. 8º, § 5º), entre outros – tomam decisões relevantíssimas sobre a condução dos processos e o seu julgamento, de modo que soava mesmo incompatível com a dimensão da missão pública a eles atribuída que houvesse mera referência esporádica à sua atuação (como houvera, por exemplo, com a Lei 8.666).
Como última nota, a valorização dos agentes públicos de linha de frente ainda se confirma pelo conteúdo do art. 10 da Nova Lei, que garante a “servidores que tiverem participado dos procedimentos relacionados às licitações e aos contratos” (os agentes de contratação) o direito a defesa técnica, promovida pela advocacia pública, nas esferas administrativa, controladora e judicial, quando o agente tiver praticado ato observando parecer jurídico do órgão público de assessoramento jurídico, proferido no processo de contratação.⁵ Essa previsão é inovadora e confere aos agentes de contratação maior segurança para tomada de decisões a respeito de questões e detalhes propriamente jurídicos, os quais podem não estar ao alcance do agente de contratação especializado e vocacionado para a condução da disputa.
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¹ Houve uma versão do projeto de lei que resultou na Nova Lei que adotava a expressão “agente de licitação”. Felizmente, a expressão foi alterada; conferiu-se enfoque à finalidade última da atuação do agente, que reside em obter a melhor contratação possível, e não em produzir licitações. Sob outro ângulo, a denominação “agente de licitação” não comportava referência a todos os processos de contratação cabíveis (licitação, contratação direta, procedimentos auxiliares).
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² A menção a empregados públicos não deve ser lida como referência a empregados de empresas estatais. A Nova Lei não se aplica às estatais, cujos procedimentos de contratação permanecem regidos pela Lei 13.303 (cf. art. 1º, § 1º, da Nova Lei; art. ** da Lei 13.303; e art. 173, § 1º, inc. III, da Constituição Federal). Mas a menção é cautelosa quando se tem em vista que existem órgãos públicos que não se constituem em empresas mas cujos funcionários se submetem ao regime trabalhista (quanto a este ponto, conferir, por exemplo, a recente decisão do STF prolatada de forma conjunta na ADC 36, na ADI 5367 e na ADPF 367).
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³ Poderão se constituir em atividade finalística quando houver, por exemplo, constituição do consórcio público previsto no art. 181 da Nova Lei.
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⁴ Aliás, quanto à defesa da regularidade dos processos de contratação, a Nova Lei inovou até mesmo para categorizar formalmente uma “primeira linha de defesa”, em que se enquadram os agentes de contratação (cf. art. 168, inc. I, da Nova Lei).
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⁵ O texto do art. 10 foi alterado por emenda do Relator, Senador Antonio Anastasia, para excluir a referência a “empregados públicos”. A justificativa residiu em que a Lei não se aplica a empresas estatais, regidas pela Lei 13.303. Com o devido respeito, a emenda desconsidera a existência de órgãos administrativos, que não empresas estatais, que contam com empregados públicos (cf. nota de rodapé 2, acima).