Informativo Eletrônico - Edição 192 - Fevereiro / 2023

APLICAÇÃO DOS CONCEITOS DE ERRO GROSSEIRO E CULPA GRAVE NO EXERCÍCIO DO PODER SANCIONATÓRIO DO TCU

Isabella Félix da Fonseca

1. As discussões no TCU em torno do tema

A jurisprudência do TCU não é unânime acerca da definição dos termos erro grosseiro e culpa grave, previstos no art. 28 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).

Contudo, existe um movimento jurisprudencial majoritário orientado a abandonar o referencial do homem médio como parâmetro de aferição de culpabilidade na aplicação de sanções pela Corte.

As discussões em torno do tema são atuais e relevantes. Na sessão de 24.1.2023, a 1ª Câmara do TCU proferiu acórdão reafirmando precedentes anteriores que reconhecem que “[p]ara fins do exercício do poder sancionatório do TCU, considera-se erro grosseiro (…) aquele que poderia ser percebido por pessoa com diligência abaixo do normal ou que poderia ser evitado por pessoa com nível de atenção aquém do ordinário, decorrente de grave inobservância do dever de cuidado” (Acórdão 63/2023, 1ª Câmara, rel. Min. Benjamin Zymler).¹

No entanto, ainda há precedentes isolados da 2ª Câmara que configuram erro grosseiro como a conduta do responsável que foge ao referencial do administrador médio.²

2. A previsão do art. 28 e do regulamento da LINDB

A Lei 13.655/2018, que inseriu o art. 28 à LINDB (Decreto-Lei 4.657/1942) previu que: “[o] agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”.

Posteriormente, o Decreto 9.830/2019 regulamentou os dispositivos inseridos na LINDB estabelecendo, no que diz respeito ao art. 28, que “[c]onsidera-se erro grosseiro aquele manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia” (art. 12, §1°).

A despeito de equiparar o erro grosseiro à culpa grave, a regulamentação nestes termos – por si só – não fornece parâmetros suficientes para a aplicação do conceito nos processos de responsabilização conduzidos pelo TCU.

3. A definição de parâmetros para configuração de erro grosseiro: acórdão paradigma 2.391/2018-PL

Em vista disso, desde a edição da Lei 13.655, a jurisprudência do TCU vem se dedicando à interpretação do art. 28. Destaca-se o acórdão paradigma proferido pelo Plenário do TCU, em processo de relatoria do Min. Benjamin Zymler (Acórdão 2.391/2018).

O acórdão estabelece uma gradação de erro a ser definida pelo nível de diligência da pessoa que seria capaz de perceber o erro, a partir da aplicação por analogia do art. 138 do Código Civil, segundo o qual “[s]ão anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio”.

Nos termos do acórdão, há três gradações de erro: o erro grosseiro, o erro (sem qualificação) e o erro leve.

O erro leve “é o que somente seria percebido e, portanto, evitado por pessoa de diligência extraordinária, isto é, com grau de atenção acima do normal, consideradas as circunstâncias do negócio”.

Já o erro grosseiro, “é o que poderia ser percebido por pessoa com diligência abaixo do normal, ou seja, que seria evitado por pessoa com nível de atenção aquém do ordinário, consideradas as circunstâncias do negócio. Dito de outra forma, o erro grosseiro é o que decorreu de uma grave inobservância de um dever de cuidado, isto é, que foi praticado com culpa grave”.

E o erro “sem qualificação”, segundo a classificação fixada pelo acórdão, seria aquele praticado pelo administrador médio ou homem médio, assim entendidos como aqueles que empregam um nível de diligência normal no desempenho de suas funções.
O quadro a seguir sintetiza o entendimento fixado pelo voto condutor do acórdão:

4. A evolução da jurisprudência após o acórdão 2.391/2018-PL

Esse acórdão marcou o início da mudança de entendimento quanto ao alcance do conceito de erro grosseiro, até então estritamente associado à conduta que se desviaria daquela que era esperada para o “homem médio”.³

A adoção do referencial do homem médio ocorria em um cenário em que o ordenamento jurídico não atribua nenhuma “qualificadora” à culpa stricto sensu, tal como pode ser considerada a “culpa grave” nos termos previstos pelo art. 12, §1°, do Decreto 9.830/2019.

Sob essa perspectiva, seria possível afirmar que a violação ao dever de diligência do homem médio caracterizaria culpa comum e não culpa grave. Com a superveniência da previsão do termo “culpa grave”, tornou-se necessária a revisão dos parâmetros destinados à apuração da culpabilidade dos agentes, ao menos para os fins de aplicação de sanção.⁴

Nesse sentido é a conclusão extraída do voto condutor do recente acórdão proferido pela 1ª Câmara (63/2023):

“(…) associar culpa grave à conduta desviante da que seria esperada pelo homem médio significa tornar aquela absolutamente idêntica à culpa comum ou ordinária, visto que este sempre foi o parâmetro para se aferir tal modalidade de culpa. Além de inadequada, essa posição parece negar eficácia às mudanças promovidas pela Lei 13.655/2018, que buscou instituir um novo paradigma de avaliação da culpabilidade dos agentes públicos, tornando mais restritos os critérios de responsabilização”.

No entanto, e tal como exposto acima, há entendimento em sentido contrário. Para a divergência, a interpretação correta acerca do art. 28 permite a equiparação do erro grosseiro à culpa grave, mas entende ser necessária a manutenção do homem médio como referencial para a configuração do erro grosseiro (Acórdão 2012/2020, 2ª Câmara, rel. Min. Antonio Anastasia).

Ainda existe imprecisão sobre quais condutas estariam abrangidas por cada um dos níveis de diligência dos agentes que cometem erros na gestão dos recursos públicos (em todas as suas gradações).

A despeito disso, não há como negar o caráter positivo e inovador da jurisprudência inaugurada pelo Acórdão 2.391/2018 do Plenário do TCU, uma vez que, a partir desse entendimento, permitiu-se a adoção de parâmetros mais objetivos para a aferição da gravidade e da culpabilidade dos agentes sujeitos ao poder sancionatório da Corte.

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¹Existem outros precedentes mais recentes nesse mesmo sentido: Acórdão 2.391/2018, Plenário, rel. Min. Benjamin Zymler; Acórdão 2.370/2022, Plenário, rel. Ministro Bruno Dantas; Acórdão 2.326/2022, Plenário, rel. Min. Vital do Rêgo; Acórdão 7.539/2022, 1ª Câmara, rel. Min. Augusto Sherman; e Acórdão 3.768/2022, 2ª Câmara, rel. Min. Augusto Nardes.

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²TCU, Acórdão 325/2023, 2ª Câmara, rel. Min. Vital do Rêgo; TCU, Acórdão 2012/2022, 2ª Câmara, rel. Ministro Antonio Anastasia.

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³TCU, Acórdão 1.628/2018, Plenário, rel. Min. Benjamin Zymler

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⁴Obs.: a gradação da culpabilidade tem sido aplicada apenas no exercício do poder sancionatório do TCU, não havendo aplicação para a competência relacionada ao julgamento de contas e à apuração de eventual ressarcimento por danos praticados ao erário.

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Isabella Félix da Fonseca
Isabella Félix da Fonseca
LL.M em Controle e Combate à Corrupção pelo IDP. Advogada da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
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LL.M em Controle e Combate à Corrupção pelo IDP. Advogada da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.