1. Introdução
Foi colocado em discussão pública pela ANTAQ o projeto de concessão do canal de acesso do Porto de Paranaguá (Audiência Pública nº 07/2023). O prazo para contribuições terminou em 22.11.2023. O próximo passo será a análise das contribuições recebidas. A expectativa é que a licitação se inicie no primeiro semestre de 2024.
Trata-se do primeiro projeto de concessão do canal de acesso de um porto no Brasil. Por isso, o mercado está observando a evolução do projeto. Autoridades do setor já anunciaram que esse modelo poderá ser adotado também em outros portos.
Neste breve artigo, pretende-se fazer alguns comentários sobre a concessão de canal de acesso, verificando o que ela representa e quais as suas potencialidades. Na sequência, serão examinados alguns aspectos da concessão especificamente de Paranaguá
2. A concepção de uma concessão de canal de acesso
Em substituição ao modelo de concessão de portos e privatizações das companhias docas, o atual governo federal pretende realizar concessões de canais de acesso nos portos brasileiros.
Mas no que consiste a concessão de um canal de acesso e quais as suas vantagens?
Os canais de acesso são as vias pelas quais os navios trafegam até atracar num porto ou pelas quais eles passam depois de desatracar. Essas estruturas demandam constantes investimentos – por exemplo, em dragagens, derrocagens e monitoramentos ambientais.
Os investimentos nos canais de acesso são executados mediante licitações realizadas pelo poder público. Ocorre que realizar licitações no Brasil não é uma tarefa fácil. Em muitos casos, questões burocráticas de menor importância acabam afastando esses procedimentos do que eles deveriam ser. Licitações para contratação de dragagem, por exemplo, são extremamente difíceis, dadas as peculiaridades do serviço e o pequeno número de empresas que desempenham essa atividade.
A gestão dos contratos públicos também é complexa. O regime de direito público envolve amarras que dificultam a execução dos investimentos.
O resultado é a execução defeituosa de investimentos nos canais de acesso, o que prejudica as operações portuárias. Afinal, de nada adianta haver um porto ultramoderno e eficiente se os navios simplesmente não conseguem chegar até ele porque o canal de acesso está assoreado.
É justamente neste ponto que se inserem as concessões de canais de acesso.
A ideia é que uma concessionária privada se responsabilize pela gestão dessas estruturas. A grosso modo, faça os investimentos necessários, de forma constante e segundo metas definidas pelo poder público, ao longo de todo o prazo do contrato de concessão. A contrapartida será a possibilidade de cobrar tarifas junto aos usuários do canal.
A base jurídica para a concessão de um canal de acesso é o art. 20, inciso III, do Decreto 8.033. O dispositivo estabelece que um contrato de concessão pode abranger “o desempenho, total ou parcial, das funções de administração do porto, vedada a exploração das instalações portuárias”.
Com fundamento nesse dispositivo, é possível não apenas conceder um porto como um todo, mas também uma parcela das funções que cabem à administração do porto – no que se enquadram a conservação, aprimoramento e exploração do canal de acesso.
3. Pontos de atenção nas concessões de canais de acesso
O simples fato de se utilizar um modelo conhecido (concessão à iniciativa privada) para se resolver problemas crônicos, notadamente de dragagem, leva a crer que as concessões de canal de acesso serão muito promissoras.
É verdade que há alguns pontos que merecem atenção.
Primeiro: as concessões de canais de acesso buscam dinamizar os investimentos apenas nos canais de acesso. Não consistem num projeto mais amplo, de concessão do próprio porto e de privatização das companhias docas. O potencial das concessões de canais de acesso, portanto, é mais restrito.
Segundo: a concessão de um canal de acesso pode inviabilizar a futura concessão do porto como um todo. Isso porque, ao se optar pela concessão de um canal de acesso, pode não haver espaço para que ocorra futuramente a concessão do porto como um todo. Em outras palavras: pode-se tomar um caminho que, apesar de positivo em vários sentidos, acaba inviabilizando outras soluções de potencial eventualmente mais amplo.
Terceiro: deve haver uma preocupação constante com as tarifas que vierem a ser cobradas pelas concessionárias de canais de acesso. No caso de Paranaguá, aponta-se que não haverá aumentos em relação aos valores hoje praticados. Mas cada caso é um caso. É sempre complexo fazer com que as tarifas estejam em um ponto ótimo, ou seja, remunerem adequadamente o concessionário para permitir a execução de investimentos mas não representem uma barreira que comprometa a competitividade do porto como um todo. Será necessário definir também até que ponto as concessionárias terão liberdade de fixação de tarifas e como serão os reajustes.
Quarto: pode ser necessário que os contratos de concessão de canais de acesso tenham mecanismos que garantam a atualidade na prestação dos serviços. Como se sabe, os navios utilizados no transporte de cargas são cada vez maiores e isso demanda investimentos significativos para que os canais de acesso acompanhem essa evolução. Nesse contexto, pode ser necessário que haja revisões periódicas de metas a fim de se atender a essa demanda. Entretanto, a definição dessas metas é complexa. A imposição de metas inatingíveis ou desnecessárias só encareceria os serviços, sem gerar benefícios efetivos ao porto e aos seus usuários. Outro fator relevante será a proteção dos direitos do concessionário. O aumento imprevisto dos investimentos deve ter como contrapartida a ampliação de receitas da concessionária do canal de acesso de modo a ser manter o equilíbrio econômico-financeiro. A solução passa pelo estabelecimento de regras contratuais que permitam uma distribuição inteligente dos incentivos.
Apesar desses pontos de atenção, as concessões de canais de acesso são uma novidade bem-vinda. Trata-se de um contexto em que a iniciativa privada realmente tem a contribuir para uma melhor gestão dos portos no país.
4. A concessão do canal de acesso do Porto de Paranaguá
As minutas dos instrumentos da concessão do canal de acesso do Porto de Paranaguá, submetidas a audiência, contêm as diretrizes gerais do projeto.
A concessão terá o prazo de 25 anos, mas sua vigência poderá ser prorrogada sucessivas vezes até o limite máximo de 70 anos.
O objeto da concessão é a administração e exploração, via instituto da concessão, da infraestrutura do acesso aquaviário ao Porto de Paranaguá, que consiste na área que abrange as aquavias, abrigos, áreas de fundeio, canais, bacias de evolução e berços de atracação, no qual a concessionária deverá garantir o tráfego ou a permanência dos navios-tipo nos termos do contrato. O ativo é definido pela denominada “área de concessão”, que corresponde à área molhada do porto organizado de Paranaguá.
O leilão da concessão terá como critério de julgamento a menor tarifa associada ao maior valor de outorga. Ou seja, quando atingido o valor-teto de desconto na tarifa, que foi estabelecido em 23,81%, o desempate acontecerá com base no maior valor de outorga oferecido pelas proponentes.
O capital expenditure (Capex) do projeto é estimado em R$1,07 bilhão. O operational expenditure (Opex) do projeto é estimado em 2,35 bilhões ao longo do prazo contratual. A receita bruta global, que representa o valor estimado do contrato é de R$ 8,85 bilhões.
A concessionária terá de aprofundar o canal para 15,5 metros até o ano 4 da concessão. Hoje, a profundidade é de 12 metros. A expectativa é que o aprofundamento do canal ampliará a competitividade do Porto de Paranaguá.
Dentre os investimentos obrigatórios previstos para a concessão, estão a ampliação da extensão do canal de acesso em 9,5km, o alargamento do canal em 40 metros, o alargamento da bacia de evolução em 420 metros, e da parte oeste da área de fundeio.
Também será incluída na concessão a implementação do VTS (Vessel Traffic Service). O sistema é uma forma de controle de tráfego de navios, que contribui para a segurança aquaviária.
O projeto se viabiliza por meio da cobrança de tarifas que serão pagas pelas empresas de navegação. Dependendo das propostas apresentadas, os valores poderão ser mais baixos do que aqueles que a autoridade portuária cobra atualmente.
É interessante notar que a concessionária ficará responsável pelo serviço transitório de dragagem de manutenção no Porto de Antonina, a ser executado a partir da data de assunção até o ano de 2028. A transitoriedade dos serviços no Porto de Antonina, que não está contido na área de concessão, relaciona-se com o planejamento portuário local feito pela autoridade portuária de transferir a responsabilidade pela dragagem de manutenção do referido porto para o arrendatário Terminais Portuários da Ponta do Félix-TPPF a partir do ano de 2029, mediante reequilíbrio econômico-financeiro do contrato do referido parceiro privado.
Outro mecanismo previsto nas minutas é o da “Conta Retenção”. A concessionária deverá depositar nessa conta os percentuais de sua receita líquida fixados no contrato. Haverá um contrato específico entre O Banco Depositário e o poder concedente. Os depósitos financeiros relacionados à retenção deverão ser realizados mensalmente, no primeiro dia útil posterior ao fechamento do mês anterior, sendo o valor apurado pela concessionária e atestado pelo Banco Depositário.
O saldo da Conta Retenção será liberado à concessionária a partir da data da comprovação, pela ANTAQ, do cumprimento integral das obrigações contratuais referentes às 1ª e 2ª Fases de implementação do empreendimento. A Conta Retenção é de titularidade da Concessionária e será movimentada exclusivamente pelo Banco Depositário, nos termos do contrato de administração das contas. No caso de constatação pela ANTAQ de risco de extinção antecipada do contrato de concessão, os recursos depositados na Conta Retenção poderão ser utilizados para honrar obrigações pecuniárias da concessionária junto ao Poder Concedente.
5. Conclusão
A concessão de canais de acesso nos portos é uma boa notícia. Trata-se de um modelo que tende a proporcionar resultados muito positivos. É claro que o modelo demandará um acompanhamento constante, de modo a se avaliar os seus resultados e corrigir eventuais problemas. Entretanto, a sistemática criada é consistente e poderá agilizar os investimentos na navegabilidade dos portos organizados.