1. Introdução
O recém promulgado Decreto 11.129, de 11 de julho de 2022, substituiu o (defasado) Decreto 8.420/2015, que não contou com quaisquer alterações ou atualizações ao longo dos seus sete anos de vigência.
Ao regulamentar a Lei 12.846/2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, o novo diploma normativo trouxe inovações relevantes em relação à disciplina anteriormente vigente.
2. Principais inovações trazidas pelo Decreto 11.129/2022
Os comentários abaixo procuram destacar algumas das inovações introduzidas na regulamentação.
2.1 Abrangência
O art. 1º do Decreto 11.129/2022 passou a discriminar expressamente os atos lesivos sujeitos à incidência da Lei 12.846/2013, prevendo a sua aplicação diante de condutas praticadas (i) por pessoa jurídica brasileira contra a Administração Pública estrangeira, ainda que cometidos no exterior; (ii) no todo ou em parte no território nacional ou que nele possam produzir efeitos; e (iii) no exterior, quando praticados contra a Administração Pública nacional (§ 1º). Previu, ainda, o cabimento da responsabilidade das pessoas jurídicas que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito (nos termos do § 2º).
Ademais, o art. 2º estabeleceu que a apuração de responsabilidades, decorrente do exercício do poder sancionador, poderá se dar não apenas no âmbito de Processos Administrativos de Responsabilização – PARs (como já constava do Decreto 8.420/2015), mas também no bojo de eventuais acordos de leniência.
2.2 Procedimentalização da investigação preliminar
A regulamentação até então existente sobre o procedimento de investigação preliminar era bastante enxuta, limitando-se a tratar da constituição da comissão, do prazo para a conclusão dos trabalhos e das providências a serem adotadas ao final das apurações (art. 4º, §§ 2º, 4º e 5º do Decreto 8.420/2015).
O Decreto 11.129/2022 procurou disciplinar os atos necessários à investigação preliminar e as diligências cabíveis para a elucidação dos fatos.
O art. 3º prevê que a autoridade competente para a apuração de eventuais atos lesivos será “o titular da corregedoria da entidade ou da unidade competente”. O ato normativo anterior aludia apenas à “autoridade competente”, de forma genérica. Além disso, o § 2º do referido dispositivo permite que a investigação preliminar seja conduzida diretamente pela corregedoria, na forma estabelecida em regulamento, ou por comissão composta por dois ou mais servidores – sejam eles efetivos ou não (antes só se admitiam servidores efetivos, salvo em entidades cujos quadros funcionais não eram formados por servidores estatutários).
Estabeleceu-se um rol exemplificativo das possíveis medidas a serem adotadas no bojo do procedimento, ressalvando expressamente o cabimento de “todas as diligências admitidas em lei” (§ 3º). Além (i) da proposição da suspensão cautelar dos efeitos do ato ou processo sob investigação e (ii) da eventual solicitação da atuação de especialistas para auxiliar na análise da matéria, foram acrescidas hipóteses atinentes à solicitação (iii) de informações bancárias e tributárias, (iv) de medidas judiciais necessárias para a investigação e processamento dos atos lesivos, inclusive de busca e apreensão no Brasil ou no exterior e (v) de documentos ou informações a pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, nacionais ou estrangeiras, ou a organizações internacionais.
Considerando a necessidade de efetiva apuração dos fatos e a impossibilidade de se prever todas as providências cabíveis para a sua elucidação, nem sequer seria recomendável prever um rol exaustivo. Em todo caso, as medidas cogitadas pelo Decreto são bastante ilustrativas no que se refere às possíveis diligências a serem adotadas pelas autoridades competentes.
O prazo para conclusão da investigação preliminar foi ampliado de 60 (sessenta) para 180 (cento e oitenta dias), admitida a prorrogação, mediante ato da autoridade competente (nos termos do § 4º do art. 3º).
2.3 Requisitos mínimos do ato de indiciação
O art. 5º do Decreto 8.420/2015 indicava apenas que, por ocasião da instauração do PAR, a autoridade competente designaria a comissão responsável por avaliar os fatos e circunstâncias até então conhecidos, de modo a promover a subsequente intimação do investigado para que, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentasse defesa escrita e especificasse as provas que pretendia produzir.
Uma das principais inovações introduzidas pelo Decreto 11.129/2022 consiste precisamente na estipulação de requisitos mínimos a serem observados pelo ato de indiciação.
O art. 6º disciplinou as características da intimação a ser expedida, indicando que será facultada à pessoa jurídica a possibilidade de apresentação de informações sobre elementos que atenuem o valor da multa (inc. I) e que serão solicitados documentos que permitam a análise dos seus programas de integridade (inc. II). O § 2º, por sua vez, tratou dos requisitos do termo de indiciação (que abarcam a descrição clara e objetiva do ato lesivo imputado e das circunstâncias relevantes, o apontamento das provas que sustentam o processo, bem como o enquadramento legal do ato lesivo imputado)1.
A rigor, tais requisitos são uma decorrência direta das garantias do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LV e LIV). Não se pode admitir a instauração e condução de um processo sancionatório desprovido de clareza quanto aos fatos e provas investigados, as imputações cogitadas e as consequências cabíveis diante de uma eventual responsabilização. Caso contrário, estar-se-á diante de uma investigação abstrata – o que tende a resultar na nulidade do processo em razão da impossibilidade de pleno exercício do direito de defesa pelo particular.
A expressa positivação dos requisitos mínimos do termo de indiciação passa a servir de parâmetro para a atuação das autoridades competentes, exigindo que o ato inaugural do PAR e a intimação dirigida à pessoa jurídica contenham a descrição precisa, específica e objetiva das condutas apuradas e das regras legais aplicáveis. Com isso, são fixadas as premissas do poder sancionatório a ser exercido, as quais não poderão ser súbita e arbitrariamente modificadas em momento posterior, no curso do processo de responsabilização.
Tanto é assim que o Decreto 11.129/2022 previu também a possibilidade de realização de “nova indiciação ou indiciação complementar”, caso as provas juntadas nos autos justifiquem a eventual complementação do termo originalmente lavrado (art. 8º, § 1º, inc. II), o que ensejará a reabertura do prazo para apresentação de defesa e especificação de provas.
2.4 Estipulação das providências cabíveis diante da conclusão dos trabalhos
Concluídos os trabalhos de apuração e análise realizados no bojo do PAR, caberá à comissão elaborar relatório a respeito dos fatos apurados e da eventual responsabilidade administrativa da pessoa jurídica investigada, sugerindo, de forma motivada, os encaminhamentos cabíveis.
Em seu art. 9º, o Decreto 8.420/2015 já previa, dentre as sugestões de encaminhamento, (i) a indicação das sanções a serem aplicadas, a dosimetria da multa ou o arquivamento do processo (§ 3º), (ii) o encaminhamento do relatório final à autoridade competente para julgamento (§ 4º) e (iii) o encaminhamento da questão ao MP e à AGU, caso verificada a ocorrência de eventuais ilícitos a serem apurados em outras instâncias (§5º).
Tais disposições foram mantidas e mais bem detalhadas pelo art. 11 do Decreto 11.129/2022.
Ressalvou-se que o relatório final deverá ser encaminhado à autoridade competente para instrução do processo administrativo de reparação de danos, “quando houver indícios de que o ato lesivo tenha resultado dano ao erário” (inc. II). Significa que, uma vez descartada a exigência de eventual dano, não há que se cogitar da instauração de um novo processo.
O encaminhamento do relatório final à AGU será cabível apenas nas hipóteses em que a comissão apresentar sugestão pelo ajuizamento da ação prevista no art. 19 da Lei 12.846/2013, devendo contar com a recomendação pela aplicação das correspondentes sanções, como retribuição complementar àquelas estipuladas no PAR ou voltadas à prevenção de novos ilícitos (inc. III).
No entanto, e ao que tudo indica, a inovação mais relevante está prevista no inc. V do referido dispositivo, segundo o qual a comissão processante deverá desde logo apontar “as condições necessárias para a concessão de reabilitação, quando cabível”.
Essa previsão tem o potencial de eliminar eventuais dúvidas quanto aos requisitos a serem efetivamente cumpridos para fins de reabilitação, evitando longas e complexas discussões perante os órgãos competentes e o Poder Judiciário. A objetiva fixação das condições necessárias para que a pessoa jurídica sancionada venha a ser reabilitada permite que ela antecipadamente adote providências voltadas ao preenchimento das exigências estipuladas, de modo a evitar que a sua responsabilização resulte em verdadeira “pena de morte” para a empresa2.
2.5 Parâmetros para cálculo das multas
O § 1º do art. 20 do Decreto 11.129/2022 incluiu dois mecanismos adicionais para a apuração do faturamento bruto da pessoa jurídica no exercício que antecede a instauração do PAR, além da verificação das informações tributárias e dos registros contábeis por ela produzidos ou publicados (incs. I e II, respectivamente).
Nos termos do inc. III, a multa prevista no art. 6º da Lei 12.846/2013 poderá tomar como base de cálculo eventuais estimativas que considerem quaisquer informações sobre a situação econômica ou o estado dos negócios da empresa (tais como patrimônio, capital social, número de empregados, contratos, entre outras). Em se tratando de pessoa jurídica sem fins lucrativos, será possível identificar o montante total de recursos por ela recebido no ano anterior ao da instauração do PAR, desde que excluídos os tributos incidentes sobre vendas (inc. IV).
Vale dizer que, na regulamentação anterior, tais critérios apenas poderiam ser aplicados nas hipóteses em que não fosse possível utilizar o faturamento bruto do ano anterior ao do PAR (i.e., quando fosse inviável realizar tal apuração por meio das informações tributárias e registros contábeis)3. Nessas hipóteses, o valor da multa seria limitado entre R$ 6.000,00 (seis mil reais) e R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais).
O novo diploma normativo não manteve essas ressalvas.
A limitação anteriormente prevista quanto ao valor da multa (entre seis mil e sessenta milhões de reais) se aplica apenas aos casos em que a pessoa jurídica comprovadamente não tenha tido faturamento no último exercício anterior ao que o PAR foi instaurado, devendo-se considerar como base de cálculo o valor atualizado do último faturamento bruto por ela apurado (nos termos do art. 21, parágrafo único, e art. 25 do Decreto 11.129/2022).
Estabeleceu-se, ademais, que o cálculo da multa deve levar em conta “a consolidação dos faturamentos brutos pertencentes de fato ou de direito ao mesmo grupo econômico” que tenham praticado os ilícitos ou concorrido para a sua prática (§ 2º do art. 20).
A importância dessas previsões é evidente, na medida em que elas têm o potencial de ampliar, de forma significativa, a base de cálculo a ser considerada para fins de incidência das multas.
Além disso, e conforme sintetiza a tabela abaixo transcrita, o Decreto 11.129/2022 trouxe modificações relevantes no que diz respeito aos percentuais aplicáveis e algumas de suas hipóteses de incidência:
Decreto 8.420/2015 | Decreto 11.129/2022 |
Art. 17. O cálculo da multa se inicia com a soma dos valores correspondentes aos seguintes percentuais do faturamento bruto da pessoa jurídica do último exercício anterior ao da instauração do PAR, excluídos os tributos: | Art. 22. O cálculo da multa se inicia com a soma dos valores correspondentes aos seguintes percentuais da base de cálculo: |
I – um por cento a dois e meio por cento havendo continuidade dos atos lesivos no tempo; | I – até quatro por cento, havendo concurso dos atos lesivos; |
II – um por cento a dois e meio por cento para tolerância ou ciência de pessoas do corpo diretivo ou gerencial da pessoa jurídica; | II – até três por cento para tolerância ou ciência de pessoas do corpo diretivo ou gerencial da pessoa jurídica; |
III – um por cento a quatro por cento no caso de interrupção no fornecimento de serviço público ou na execução de obra contratada; | III – até quatro por cento no caso de interrupção no fornecimento de serviço público, na execução de obra contratada ou na entrega de bens ou serviços essenciaisà prestação de serviços públicos ou no caso de descumprimento de requisitos regulatórios; |
IV – um por cento para a situação econômica do infrator com base na apresentação de índice de Solvência Geral – SG e de Liquidez Geral – LG superiores a um e de lucro líquido no último exercício anterior ao da ocorrência do ato lesivo; | IV – um por cento para a situação econômica do infrator que apresente índices de solvência geral e de liquidez geral superiores a um e lucro líquido no último exercício anterior ao da instauração do PAR; |
V – cinco por cento no caso de reincidência, assim definida a ocorrência de nova infração, idêntica ou não à anterior, tipificada como ato lesivo pelo art. 5º da Lei nº 12.846, de 2013, em menos de cinco anos, contados da publicação do julgamento da infração anterior; | V – três por cento no caso de reincidência, assim definida a ocorrência de nova infração, idêntica ou não à anterior, tipificada como ato lesivo pelo art. 5° da Lei n° 12.846, de 2013, em menos de cinco anos, contados da publicação |
VI – no caso de os contratos mantidos ou pretendidos com o órgão ou entidade lesado, serão considerados, na data da prática do ato lesivo, os seguintes percentuais: | VI – no caso de contratos, convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres mantidos ou pretendidos com o órgão ou com as entidades lesadas, nos anos da prática do ato lesivo, serão considerados os seguintes percentuais: |
a) um por cento em contratos acima de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais); | a) um por cento, no caso de o somatório dos instrumentos totalizar valor superior a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais); |
b) dois por cento em contratos acima de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais); | b) dois por cento, no caso de o somatório dos instrumentos totalizar valor superior a R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais); |
c) três por cento em contratos acima de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais); | c) três por cento, no caso de o somatório dos instrumentos totalizar valor superior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais); |
d) quatro por cento em contratos acima de R$ 250.000.000,00 (duzentos e cinquenta milhões de reais); e | d) quatro por cento, no caso de o somatório dos instrumentos totalizar valor superior a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais); ou |
e) cinco por cento em contratos acima de R$ 1.000.000.000,00 (um bilhão de reais). | e) cinco por cento, no caso de o somatório dos instrumentos totalizar valor superior a R$ 250.000.000,00 (duzentos e cinquenta milhões de reais). |
Art. 18. Do resultado da soma dos fatores do art. 17 serão subtraídos os valores correspondentes aos seguintes percentuais do faturamento bruto da pessoa jurídica do último exercício anterior ao da instauração do PAR, excluídos os tributos: | Art. 23. Do resultado da soma dos fatores previstos no art. 22 serão subtraídos os valores correspondentes aos seguintes percentuais da base de cálculo: |
I – um por cento no caso de não consumação da infração; | I – até meio por cento no caso de não consumação da infração; |
II – um e meio por cento no caso de comprovação de ressarcimento pela pessoa jurídica dos danos a que tenha dado causa; | II – até um por cento no caso de: a) comprovação da devolução espontânea pela pessoa jurídica da vantagem auferida e do ressarcimento dos danos resultantes do ato lesivo; ou b) inexistência ou falta de comprovação de vantagem auferida e de danos resultantes do ato lesivo; |
III – um por cento a um e meio por centopara o grau de colaboração da pessoa jurídica com a investigação ou a apuração do ato lesivo, independentemente do acordo de leniência; | III – até um e meio por cento para o grau de colaboração da pessoa jurídica com a investigação ou a apuração do ato lesivo, independentemente do acordo de leniência; |
IV – dois por cento no caso de comunicação espontânea pela pessoa jurídica antes da instauração do PAR acerca da ocorrência do ato lesivo; e | IV – até dois por cento no caso de admissão voluntária pela pessoa jurídica da responsabilidade objetiva pelo ato lesivo; e |
V – um por cento a quatro por cento para comprovação de a pessoa jurídica possuir e aplicar um programa de integridade, conforme os parâmetros estabelecidos no Capítulo IV. | V – até cinco por cento no caso de comprovação de a pessoa jurídica possuir e aplicar um programa de integridade, conforme os parâmetros estabelecidos no Capítulo V. |
Nos termos do parágrafo único do art. 22, em caso de celebração de acordo de leniência, o prazo previsto para fins de verificação da reincidência (constante do inc. V do caput) será contado a partir da data de celebração do ajuste até cinco anos após a declaração de seu cumprimento.
Cabe esclarecer, por fim, que os percentuais máximos de desconto apenas poderão ser aplicados quando (i) ocorrer a devolução integral dos valores necessários ao ressarcimento; (ii) a pessoa jurídica admitir o ato lesivo antes mesmo da instauração do PAR; e (iii) o plano de integridade for anterior à prática do ato lesivo (conforme prevê o parágrafo único do art. 23).
2.6. Acordos de leniência
O Decreto 11.129/2022 trouxe também inovações relevantes em relação aos acordos de leniência, incorporando algumas das práticas que já vinham sendo observadas pela CGU.
A redação do art. 32 conceituou o acordo de leniência como o “ato administrativo negocial decorrente do exercício do poder sancionador do Estado, que visa à responsabilização de pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos contra a administração pública nacional ou estrangeira”, que deverá ter por objetivos o incremento da capacidade investigativa da Administração, a potencialização da capacidade de recuperação de ativos e o fomento da cultura de integridade no setor privado (incs. I a III do par. único).
Atendendo a demandas relativas à necessidade de se conferir maior segurança jurídica a tais ajustes, o art. 35 previu que um ato conjunto do Ministro de Estado da CGU e do Advogado-Geral da União irá disciplinar a participação dos membros da AGU nos processos de negociação e cumprimento dos acordos, dispondo também sobre a sua celebração por tais autoridades. A CGU poderá também aceitar delegação para negociar, celebrar e monitorar o cumprimento de acordos de leniência relativos a atos lesivos contra outros Poderes e entes federativos (art. 36).
Ao tratar das condições que devem ser observadas pela pessoa jurídica interessada em celebrar acordo de leniência, o art. 37 reiterou algumas das disposições do Decreto anterior (atinentes à manifestação de interesse, à cessação no envolvimento do ato lesivo, à cooperação e ao fornecimento de informações e documentos), incluindo novos requisitos.
A exigência relativa à admissão de participação na infração administrativa (inc. III do art. 30 do Decreto 8.420/2015) foi substituída pela necessidade de reconhecimento da responsabilidade objetiva quanto aos atos lesivos praticados (nos termos do inc. III do art. 37 do Decreto 11.129/2022). Trata-se de obrigação que já vinha sendo prevista nos acordos celebrados com a CGU.
Os demais incisos do art. 37 procuraram definir e diferenciar os conceitos de dano (efeito prejuízo ao erário público) e acréscimo patrimonial indevido (lucros obtidos pelo particular) – que, em todo caso, devem ser computados uma única vez para quantificação do valor previsto no acordo de leniência, sendo classificados como “ressarcimento de danos” para fins contábeis e orçamentários4.
Condicionou-se a celebração do acordo à obrigatoriedade de reparação da parcela incontroversa do dano causado e ao perdimento, em favor do ente lesado ou da União, dos valores correspondentes ao acréscimo patrimonial indevido ou ao enriquecimento ilícito direta ou indiretamente obtido (incs. VI e VII). No entanto, o § 1º aponta que tais requisitos devem ser avaliados à luz da boa-fé da pessoa jurídica proponente em reportar e comprovar as ilicitudes investigadas.
Outra das relevantes alterações trazidas pelo novo diploma normativo diz respeito à previsão expressa no sentido de que “a análise da proposta de acordo de leniência será instruída em processo administrativo específico, que conterá o registro dos atos praticados na negociação” (§ 5º do art. 38).
O dispositivo em questão garante maior clareza e transparência ao processo de negociação e celebração de tais acordos, beneficiando não só os particulares interessados, como também a própria Administração.
Com vistas a prestigiar o princípio da eficiência e evitar a indevida movimentação da máquina pública, o art. 39 instituiu um juízo de admissibilidade prévio, voltado à verificação da existência de elementos mínimos que justifiquem o início das negociações envolvendo a proposta de acordo apresentada. Uma vez admitida a proposta e firmado o memorando de entendimentos, o prazo prescricional ficará interrompido e será suspenso pelo período das negociações, observado o limite máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias (art. 39 e §3º).
Ainda no tocante à interrupção do prazo prescricional, o Decreto reafirma a previsão constante do § 9º do art. 16 da Lei 12.846/2013, incluindo a ressalva de que tal prazo permanecerá suspenso até o cumprimento dos compromissos firmados no acordo ou até a sua rescisão (art. 49).
De mais a mais, passou-se a admitir expressamente a possibilidade de compartilhamento de informações e documentos com outras autoridades, desde que “mediante compromisso de sua não utilização para sancionar a própria pessoa jurídica em relação aos mesmos fatos objeto do acordo de leniência, ou com a concordância da própria pessoa jurídica” (art. 48).
2.7 Atualizações envolvendo os programas de integridade (compliance)
Embora tenha mantido o conceito normativo até então existente, no sentido de que o programa de integridade consiste “no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria, inventivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta”, o art. 56 do Decreto 11.129/2022 passou a disciplinar os seus objetivos de forma mais clara.
Indicou-se que tais programas têm por finalidade “prevenir, detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira”, bem como “fomentar e manter uma cultura de integridade no ambiente organizacional” (incs. I e II do referido dispositivo).
Foram estabelecidos ainda novos parâmetros a serem considerados para fins de avaliação e aplicação dos programas de compliance que devem ser tomados em conta por ocasião da aplicação das sanções, nos termos do art. 7º, VIII, da Lei 12.846/2013.
Além do comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, a ser aferido pelo apoio de seus dirigentes e conselheiros ao programa existente, deverá ser verificada a “destinação de recursos adequados” às práticas de integridade (inc. I). As exigências atinentes à análise de riscos também foram complementadas para contemplar providências voltadas à gestão e avaliação periódica de tais riscos, bem como à realização de adaptações necessárias ao programa de integridade e à alocação eficiente de recursos (inc. II).
Ao que se infere, a menção a à alocação de “recursos” deve ser interpretada em sentido amplo. Caberá à pessoa jurídica demonstrar que emprega os esforços cabíveis (em termos financeiros, tecnológicos, de pessoal etc.) no desenvolvimento e manutenção de estruturas de compliance – exigência esta que não constava do Decreto anterior.
No que diz respeito ao estabelecimento de determinadas cautelas, baseadas nos seus correspondentes riscos, previu-se a necessidade de se levar em conta a contratação e supervisão de pessoas expostas politicamente e seus familiares, bem como as pessoas jurídicas de que participem os seus colaboradores (inc. XIII, alínea “b). As diligências apropriadas também deverão ser consideradas no que se refere à realização e supervisão de patrocínios e doações (conforme a alínea “c” deste mesmo inciso).
Os demais parâmetros fixados (envolvendo a avaliação de padrões de conduta e políticas e procedimentos de integridade, a realização de treinamentos, a adequação dos registros contábeis e controles internos, as condutas voltadas à prevenção de fraudes e ilícitos no bojo de interações com o setor público, a independência das estruturas de compliance etc.) já haviam sido previstos anteriormente, tendo sido reafirmados pelo Decreto 11.129/2022.
Dentre as inovações relevantes, há que se considerar que o § 1º do art. 56 estabeleceu que tais parâmetros deverão ser avaliados de acordo com a estrutura de governança corporativa existente e a estruturação do grupo econômico integrado pela pessoa jurídica (inc. III). Tal previsão acaba por ampliar a margem de análise da autoridade competente, possibilitando a verificação de informações que vão além da empresa sancionada.
Ainda que o espírito das referidas disposições já constasse da regulamentação anterior, as modificações implementadas pelo novo ato normativo podem demandar atualizações nos programas de compliance das empresas.
5. Considerações finais
Os comentários acima apresentados não pretendem exaurir o enfrentamento do tema. Além das modificações indicadas, diversas outras, igualmente relevantes, foram introduzidas na regulamentação das disposições da Lei Anticorrupção.
De todo modo, e sem prejuízo das críticas cabíveis (inclusive quanto aos limites e à complexidade da disciplina normativa por ele estabelecida), o Decreto 11.129/2022 representa um importante passo na consolidação de práticas que já vinham sendo adotadas pela CGU, apresentando significativos avanços no que se refere à procedimentalização das atividades dos entes competentes e ao estabelecimento de regras que buscam conferir maior transparência e segurança jurídica às investigações e consequências delas decorrentes.
_____________________________
1 Ressalve-se que os requisitos em questão já haviam sido previstos no bojo da Instrução Normativa CGU n.º 13/2019, que disciplina os procedimentos para apuração de responsabilidades nos órgãos e entidades do Poder Executivo Federal.
_____________________________
2 A propósito da necessidade de se garantir a continuidade das atividades empresariais da pessoa jurídica e das potenciais vantagens da reabilitação, confira-se o artigo de Cesar A. Guimarães Pereira e Rafael Wallbach Schwind, publicado em edição anterior deste Informativo: Autossaneamento (self-cleaning) e reabilitação de empresas no direito brasileiro anticorrupção. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini. Curitiba, n. 102, agosto de 2015. https://www.justen.com.br/autossaneamento-self-cleaning-e-reabilitacao-do-licitante-no-direito brasileiro/.
_____________________________
3 Nos termos do art. 22 do Decreto 8.420/2015: “Caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica no ano anterior ao da instauração ao PAR, os percentuais dos fatores indicados nos art. 17 e art. 18 incidirão: I – sobre o valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, excluídos os tributos, no ano em que ocorreu o ato lesivo, no caso de a pessoa jurídica não ter tido faturamento no ano anterior ao da instauração ao PAR; II – sobre o montante total de recursos recebidos pela pessoa jurídica sem fins lucrativos no ano em que ocorreu o ato lesivo; ou III – nas demais hipóteses, sobre o faturamento anual estimável da pessoa jurídica, levando em consideração quaisquer informações sobre a sua situação econômica ou o estado de seus negócios, tais como patrimônio, capital social, número de empregados, contratos, dentre outras”.
_____________________________
4 Conforme preveem os §§ 2º e 3º do art. 37: “§ 2° A parcela incontroversa do dano de que trata o inciso VI do caput corresponde aos valores dos danos admitidos pela pessoa jurídica ou àqueles decorrentes de decisão definitiva no âmbito do devido processo administrativo ou judicial. § 3° Nas hipóteses em que de determinado ato ilícito decorra, simultaneamente, dano ao ente lesado e acréscimo patrimonial indevido à pessoa jurídica responsável pela prática do ato, e haja identidade entre ambos, os valores a eles correspondentes serão: I – computados uma única vez para fins de quantificação do valor a ser adimplido a partir do acordo de leniência; e II – classificados como ressarcimento de danos para fins contábeis, orçamentários e de sua destinação para o ente lesado”.