Informativo Eletrônico - Edição 171 - Maio / 2021

DIÁLOGO COMPETITIVO: NOVA MODALIDADE LICITATÓRIA DA LEI 14.133/2021

Alexandre Wagner Nester

1. A previsão da nova modalidade licitatória   

O diálogo competitivo consiste em nova modalidade licitatória instituída  pela Lei 14.133/2021 com base na experiência do Direito Comunitário Europeu  (Diretiva 2014/24/EU) que naturalmente tem sido objeto de dúvidas e  questionamentos.

Essa novidade está prevista no rol do art. 28 e vem definida pelo inciso  XLII do art. 6º nos seguintes termos: “modalidade de licitação para contratação  de obras, serviços e compras em que a Administração Pública realiza diálogos  com licitantes previamente selecionados mediante critérios objetivos, com o  intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas  necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o  encerramento dos diálogos”. 

Mais adiante, o art. 32 da Lei 14.133 especifica algumas regras para o  cabimento do diálogo competitivo: condições e linhas gerais do procedimento a  ser adotado (ainda pendente de regulamentação). 

O inciso I do art. 32 restringe o cabimento do diálogo competitivo às  contratações em que estejam presentes as seguintes condições: a) cujo objeto  envolva inovação tecnológica ou técnica; b) impossibilidade de o órgão ou  entidade ter sua necessidade (obra serviço ou compra) satisfeita sem a  adaptação de soluções disponíveis no mercado; e c) impossibilidade de as  especificações técnicas serem definidas com precisão suficiente pela  Administração. A conjugação “e” indica que as condições são cumulativas: se  uma faltar, a nova modalidade não poderá ser aplicada. 

Já o inciso II do art. 32 estabelece que a aplicação do diálogo  competitivo poderá ocorrer nas situações em que a Administração desconheça  as soluções disponíveis para satisfação de determinada necessidades e,  precisamente por isso, precise definir e identificar dos meios e alternativas  capazes de satisfazê-la. Para tanto, deve destacar os seguintes aspectos: a)  solução técnica mais adequada; b) requisitos técnicos aptos a concretizar a  solução já definida; c) estrutura jurídica ou financeira do contrato.  

2. As principais características 

Daí se extraem as principais características que definem a nova  modalidade: aplica-se para a satisfação de necessidades complexas, que exigem solução inovadora (desconhecida pela Administração Pública), a qual  será obtida (definida e especificada) em colaboração com os particulares  interessados (detentores de especialização técnica).

Essa colaboração se faz em uma etapa prévia de reuniões e conversas,  por meio da qual a Administração Pública deverá obter dos agentes privados  especializados as alternativas possíveis para resolver a necessidade  predefinida. 

O pressuposto para a aplicação do diálogo competitivo é a incerteza da  Administração quanto à solução da necessidade já identificada: essa solução  ainda é desconhecida pela Administração (não existe, não está disponível no  mercado, ou não é detida por apenas um agente privado) e, portanto, deverá  ser construída de modo conjunto. 

Da sua aplicação deverá resultar não apenas a definição da solução  técnica mais adequada para essa necessidade, como também a especificação  dos requisitos técnicos e da estrutura jurídica e financeira necessários para a  sua concretização.  

O diálogo competitivo, como modalidade de licitação, passa a conviver  (sem se confundir) com o procedimento de manifestação de interesse (agora  previsto no art. 81 da Lei 14.133), que pode ser instaurado antes de uma  licitação pública a fim de permitir que a Administração Pública aproveite a  contribuição de agentes privados (mediante estudos, investigações,  levantamentos e projetos) para a identificação de soluções inovadoras para  questões de relevância pública. 

E também será aplicado às licitações para a contratação de concessões  de serviços públicos, por força das alterações promovidas pelos arts. 179 e 180  da Lei 14.133 na Lei de Concessões (Lei 8.987) e na Lei de PPPs (Lei 11.079).

3. O procedimento previsto em lei 

O parágrafo primeiro do art. 32 da Lei 14.133 contém as regras básicas  (ainda pendentes de regulamentação) sobre o procedimento a ser adotado  para implementação do diálogo competitivo. Em síntese, estabelece que essa  modalidade será conduzida por comissão tríplice, em sessões gravadas e  registradas em ata, mediante a divulgação de dois editais, um para cada fase  do processo: a fase de diálogo e a fase competitiva.

Observe-se que ainda antes do lançamento do primeiro edital a  Administração Pública deve realizar a fase interna da licitação, por meio da  qual definirá a necessidade a ser satisfeita, indicará a ausência de solução  conhecida e definirá os critérios de pré-seleção a serem preenchidos pelos  particulares interessados em dialogar. 

Tanto a necessidade a ser satisfeita quando os critérios de pré-seleção  devem constar do primeiro edital. Os critérios devem ser objetivos e, uma vez  preenchidos, permitirão a participação de todos os interessados – o que por si só pode representar um problema, pois a depender do número de potenciais  interessados o diálogo pode ficar inviabilizado.

A depender da complexidade, a fase diálogo entre a Administração e os  licitantes pré-selecionados pode ser feita em uma etapa ou em etapas  sucessivas, até que se identifique a solução mais adequada para a  necessidade descrita no primeiro edital. 

O encerramento da fase de diálogo deve ser expressamente declarado  pela Administração, que então identificará de modo fundamentado a solução  mais adequada para aquela necessidade. 

Inicia-se assim a fase competitiva do processo, mediante o lançamento  do segundo edital contendo a especificação tanto da solução que atenda à sua  necessidade antes definida (objeto da contratação), quanto dos critérios  objetivos a serem utilizados para seleção da proposta mais vantajosa (critérios  de julgamento). 

Esse edital deve abrir o prazo (não inferior a 60 dias úteis) para  apresentação das propostas pelos licitantes pré-selecionados, instaurando  formalmente a disputa. 

Nesta fase, admite-se que a Administração solicite esclarecimentos ou  ajustes às propostas apresentadas, desde que não impliquem discriminação  nem distorçam a concorrência.

A proposta vencedora (que assegure a contratação mais vantajosa) será  definida de acordo com critérios divulgados no edital da fase competitiva.

4. Conclusão

De modo geral, o diálogo competitivo traz algo realmente inovador, na  medida em que rompe a estrutura tradicional da contratação pública prevista na  legislação anterior – que pressupõe a conceção prévia, pela própria  Administração Pública, da solução a ser adotada para cada necessidade  identificada – e que de certa forma já havia sido mitigada pelo procedimento de manifestação de interesse. 

A implementação do diálogo competitivo exigirá um nível de flexibilidade  muito maior em comparação com as demais modalidades licitatórias. E  precisamente por isso, encerrará um grau de dificuldade igualmente mais  intenso: não apenas na fase interna do processo (para definir a necessidade a  ser satisfeita, indicar as especialidades que podem atender a essa  necessidade, bem como fixar os requisitos objetivos a serem preenchidos pelos  potenciais interessados), como na própria fase de diálogo (no âmbito da qual  podem surgir, diante do incerto, soluções diversas e até mesmo inadequadas).

Em tese, a contratação por diálogo competitivo deve permitir a  colaboração da Administração Pública e dos particulares especializados, de  modo a construir soluções inovadoras para necessidades complexas e ainda  carentes de solução no mercado. 

Na prática, afora o risco de desvios, a fase de diálogo pode ensejar  disputas infindáveis (entre Administração e particulares, ou mesmo entre  particulares), bem como resultar em soluções incompatíveis com as  necessidades inicialmente cogitadas.

Anda assim, apesar da novidade e das incertezas inerentes, e embora  as hipóteses de cabimento sejam restritas, espera-se em tom otimista que o  diálogo competitivo, quando cabível, possibilite uma efetiva troca expectativas  e de experiências entre Administração contratante e potenciais contratados,  para de alguma forma permitir que se aproveite nas contratações públicas o  que a iniciativa privada tem de mais atual para oferecer. 

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Alexandre Wagner Nester
Mestre em Direito do Estado pela UFPR. Doutor em Direito do Estado pela USP. Sócio da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Alexandre Wagner Nester
Mestre em Direito do Estado pela UFPR. Doutor em Direito do Estado pela USP. Sócio da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.