1. A previsão da nova modalidade licitatória
O diálogo competitivo consiste em nova modalidade licitatória instituída pela Lei 14.133/2021 com base na experiência do Direito Comunitário Europeu (Diretiva 2014/24/EU) que naturalmente tem sido objeto de dúvidas e questionamentos.
Essa novidade está prevista no rol do art. 28 e vem definida pelo inciso XLII do art. 6º nos seguintes termos: “modalidade de licitação para contratação de obras, serviços e compras em que a Administração Pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados mediante critérios objetivos, com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento dos diálogos”.
Mais adiante, o art. 32 da Lei 14.133 especifica algumas regras para o cabimento do diálogo competitivo: condições e linhas gerais do procedimento a ser adotado (ainda pendente de regulamentação).
O inciso I do art. 32 restringe o cabimento do diálogo competitivo às contratações em que estejam presentes as seguintes condições: a) cujo objeto envolva inovação tecnológica ou técnica; b) impossibilidade de o órgão ou entidade ter sua necessidade (obra serviço ou compra) satisfeita sem a adaptação de soluções disponíveis no mercado; e c) impossibilidade de as especificações técnicas serem definidas com precisão suficiente pela Administração. A conjugação “e” indica que as condições são cumulativas: se uma faltar, a nova modalidade não poderá ser aplicada.
Já o inciso II do art. 32 estabelece que a aplicação do diálogo competitivo poderá ocorrer nas situações em que a Administração desconheça as soluções disponíveis para satisfação de determinada necessidades e, precisamente por isso, precise definir e identificar dos meios e alternativas capazes de satisfazê-la. Para tanto, deve destacar os seguintes aspectos: a) solução técnica mais adequada; b) requisitos técnicos aptos a concretizar a solução já definida; c) estrutura jurídica ou financeira do contrato.
2. As principais características
Daí se extraem as principais características que definem a nova modalidade: aplica-se para a satisfação de necessidades complexas, que exigem solução inovadora (desconhecida pela Administração Pública), a qual será obtida (definida e especificada) em colaboração com os particulares interessados (detentores de especialização técnica).
Essa colaboração se faz em uma etapa prévia de reuniões e conversas, por meio da qual a Administração Pública deverá obter dos agentes privados especializados as alternativas possíveis para resolver a necessidade predefinida.
O pressuposto para a aplicação do diálogo competitivo é a incerteza da Administração quanto à solução da necessidade já identificada: essa solução ainda é desconhecida pela Administração (não existe, não está disponível no mercado, ou não é detida por apenas um agente privado) e, portanto, deverá ser construída de modo conjunto.
Da sua aplicação deverá resultar não apenas a definição da solução técnica mais adequada para essa necessidade, como também a especificação dos requisitos técnicos e da estrutura jurídica e financeira necessários para a sua concretização.
O diálogo competitivo, como modalidade de licitação, passa a conviver (sem se confundir) com o procedimento de manifestação de interesse (agora previsto no art. 81 da Lei 14.133), que pode ser instaurado antes de uma licitação pública a fim de permitir que a Administração Pública aproveite a contribuição de agentes privados (mediante estudos, investigações, levantamentos e projetos) para a identificação de soluções inovadoras para questões de relevância pública.
E também será aplicado às licitações para a contratação de concessões de serviços públicos, por força das alterações promovidas pelos arts. 179 e 180 da Lei 14.133 na Lei de Concessões (Lei 8.987) e na Lei de PPPs (Lei 11.079).
3. O procedimento previsto em lei
O parágrafo primeiro do art. 32 da Lei 14.133 contém as regras básicas (ainda pendentes de regulamentação) sobre o procedimento a ser adotado para implementação do diálogo competitivo. Em síntese, estabelece que essa modalidade será conduzida por comissão tríplice, em sessões gravadas e registradas em ata, mediante a divulgação de dois editais, um para cada fase do processo: a fase de diálogo e a fase competitiva.
Observe-se que ainda antes do lançamento do primeiro edital a Administração Pública deve realizar a fase interna da licitação, por meio da qual definirá a necessidade a ser satisfeita, indicará a ausência de solução conhecida e definirá os critérios de pré-seleção a serem preenchidos pelos particulares interessados em dialogar.
Tanto a necessidade a ser satisfeita quando os critérios de pré-seleção devem constar do primeiro edital. Os critérios devem ser objetivos e, uma vez preenchidos, permitirão a participação de todos os interessados – o que por si só pode representar um problema, pois a depender do número de potenciais interessados o diálogo pode ficar inviabilizado.
A depender da complexidade, a fase diálogo entre a Administração e os licitantes pré-selecionados pode ser feita em uma etapa ou em etapas sucessivas, até que se identifique a solução mais adequada para a necessidade descrita no primeiro edital.
O encerramento da fase de diálogo deve ser expressamente declarado pela Administração, que então identificará de modo fundamentado a solução mais adequada para aquela necessidade.
Inicia-se assim a fase competitiva do processo, mediante o lançamento do segundo edital contendo a especificação tanto da solução que atenda à sua necessidade antes definida (objeto da contratação), quanto dos critérios objetivos a serem utilizados para seleção da proposta mais vantajosa (critérios de julgamento).
Esse edital deve abrir o prazo (não inferior a 60 dias úteis) para apresentação das propostas pelos licitantes pré-selecionados, instaurando formalmente a disputa.
Nesta fase, admite-se que a Administração solicite esclarecimentos ou ajustes às propostas apresentadas, desde que não impliquem discriminação nem distorçam a concorrência.
A proposta vencedora (que assegure a contratação mais vantajosa) será definida de acordo com critérios divulgados no edital da fase competitiva.
4. Conclusão
De modo geral, o diálogo competitivo traz algo realmente inovador, na medida em que rompe a estrutura tradicional da contratação pública prevista na legislação anterior – que pressupõe a conceção prévia, pela própria Administração Pública, da solução a ser adotada para cada necessidade identificada – e que de certa forma já havia sido mitigada pelo procedimento de manifestação de interesse.
A implementação do diálogo competitivo exigirá um nível de flexibilidade muito maior em comparação com as demais modalidades licitatórias. E precisamente por isso, encerrará um grau de dificuldade igualmente mais intenso: não apenas na fase interna do processo (para definir a necessidade a ser satisfeita, indicar as especialidades que podem atender a essa necessidade, bem como fixar os requisitos objetivos a serem preenchidos pelos potenciais interessados), como na própria fase de diálogo (no âmbito da qual podem surgir, diante do incerto, soluções diversas e até mesmo inadequadas).
Em tese, a contratação por diálogo competitivo deve permitir a colaboração da Administração Pública e dos particulares especializados, de modo a construir soluções inovadoras para necessidades complexas e ainda carentes de solução no mercado.
Na prática, afora o risco de desvios, a fase de diálogo pode ensejar disputas infindáveis (entre Administração e particulares, ou mesmo entre particulares), bem como resultar em soluções incompatíveis com as necessidades inicialmente cogitadas.
Anda assim, apesar da novidade e das incertezas inerentes, e embora as hipóteses de cabimento sejam restritas, espera-se em tom otimista que o diálogo competitivo, quando cabível, possibilite uma efetiva troca expectativas e de experiências entre Administração contratante e potenciais contratados, para de alguma forma permitir que se aproveite nas contratações públicas o que a iniciativa privada tem de mais atual para oferecer.