Informativo Eletrônico - Edição 171 - Maio / 2021

GOVERNANÇA, GESTÃO E PLANEJAMENTO DE LICITAÇÕES NA LEI 14.133/2021

Marçal Justen Neto

1. Âmbito de aplicação   

A Lei 14.133 foi publicada em 1º de abril de 2021. Aperfeiçoa e  consolida regras das Leis 8.666, 10.520 e 12.462 – que ficam revogadas a  partir de abril de 2023 – e institui o novo regime de licitações e contratos  administrativos. 

A Lei 14.133 estabelece normas gerais de licitações e contratos  administrativos para o âmbito da Administração Pública direta da União,  Estados, Distrito Federal e Municípios. 

Isso significa que a Lei 14.133 não se aplica às estatais. Empresas  públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias seguem regidas  pela disciplina de licitações estabelecida na Lei das Estatais (Lei 13.303). 

A Lei 14.133 se aplica para as licitações que visam à contratação de  compras, prestação de serviços, execução de obras, concessão de uso de  bens, locação, alienação e contratos de TI. 

Permanecem vigentes as leis próprias de licitação para determinados  objetos, como para serviços de publicidade (Lei 12.232), concessão de  serviços públicos (Lei 8.987) e PPPs (Lei 11.079). As regras da Lei 14.133 se  aplicam subsidiariamente às demais normas de licitações (art. 186).

Seguem incidindo nas licitações sujeitas às Lei 14.133 as regras de  preferência às microempresas e empresas de pequeno porte, instituídas pela  Lei Complementar 123. 

No período de dois anos entre 2021 e 2023 conviverão dois regimes  licitatórios. A Lei 14.133 já está em vigor, mas ainda não foi regulamentada. Há  normas relevantes de governança, gestão e planejamento que demandarão  grandes esforços dos agentes públicos a fim de tornar os processos licitatórios  mais eficientes. 

2. Concepção da lei

A Lei 14.133 é uma espécie de “consolidação da legislação licitatória”.  Incorpora muitas das novidades introduzidas pela Lei do RDC, aproveita a  disciplina da Lei do Pregão e atualiza o regime da Lei 8.666 a partir da  positivação de regras oriundas da aplicação pelos operadores e da  interpretação conferida pelo TCU. A Lei mantém a terminologia e a nomenclatura já consagradas no direito brasileiro, o que facilita a sua  compreensão – um exemplo é a expressão “pregoeiro”, expressamente  mantida (art. 8º, § 5º). 

Em linhas gerais, seguem existindo as modalidades de concorrência e  pregão – o convite e a tomada de preços foram extintos. Criou-se uma  modalidade chamada diálogo competitivo, inspirada em figura do Direito  Europeu, que pode ser adotada em contratações complexas e situações  extraordinárias. Mantém-se a previsão de contratação direta, por meio de  dispensa ou inexigibilidade de licitação, com alguns ajustes na disciplina.

A Lei 14.133 tem uma disciplina intensa relativamente a gestão pública e  a planejamento. Nessa linha, segue uma tendência da Lei do RDC, que se  preocupava com as etapas anteriores, com a fase interna e com as atividades  que antecedem o lançamento do edital e a efetivação da contratação.

A Lei prestigia o formalismo moderado. Há regras que admitem a  correção de meros vícios formais e o aproveitamento dos atos defeituosos  quando essa solução produzir as consequências mais adequadas. Ou seja,  pretende-se eliminar a “gincanização” da licitação, com a desconsideração de  questões que sejam irrelevantes para os objetivos do processo licitatório. 

Por fim, há a consagração do modo eletrônico. As licitações e os  processos de contratação deverão utilizar os recursos eletrônicos (ex: Internet,  assinatura eletrônica com certificado digital etc.). Os atos físicos e presenciais  serão excepcionais – mesmo em casos de atos presenciais, há a previsão de conversão para o formato eletrônico, se for o caso. Haverá a instituição de um  Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP, que reunirá informações  sobre todas as licitações regidas pela Lei 14.133. 

3. Objetivos do processo licitatório

A licitação tem natureza instrumental. Em suma, sua finalidade é obter a  contratação mais vantajosa para a Administração Pública. Não há sentido em  promover licitação por si só. Todos os atos devem ter praticados tomando-se  em mente que o objetivo é produzir a contratação mais vantajosa.

O art. 11 da Lei 14.133 explicita os objetivos do processo licitatório: 

  • I – assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de  contratação mais vantajoso para a Administração Pública, inclusive  no que se refere ao ciclo de vida do objeto; 
  • II – assegurar tratamento isonômico entre os licitantes, bem como a  justa competição;
  • III – evitar contratações com sobrepreço ou com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento na execução dos contratos;
  • IV – incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional  sustentável.

Esses objetivos devem orientar a aplicação e a interpretação das regras  de todo o procedimento licitatório, em todas as suas fases. A tarefa  hermenêutica deverá considerar que a finalidade das regras é promover a  contratação mais vantajosa, assegurando a isonomia, em ambiente  competitivo, por valores justos e buscando o incentivo à inovação e ao  desenvolvimento sustentável.  

4. Governança, gestão e planejamento 

A Lei 14.133 disciplina a atividade administrativa que antecede a  realização dos processos licitatórios. Há uma preocupação intensa com a  governança dos órgãos públicos, a gestão, o planejamento e o controle das  atividades relacionadas a contratações públicas.

As regras a esse respeito foram inspiradas em disciplina do Ministério do  Planejamento (consubstanciada na Instrução Normativa Conjunta 1/2016  MPOG/CGU) e em recomendações proferidas pelo Tribunal de Contas da  União para a Administração Pública Federal (Acórdão 2.622/2015-Plenário).

A Lei 14.133 atribui à autoridade superior do órgão ou entidade a  competência pela governança das contratações e adoção de medidas  necessárias para alcançar os objetivos do processo licitatório (art. 11,  parágrafo único).

4.1. Governança e gestão 

O artigo 7º impõe à autoridade máxima de cada órgão o dever de  estabelecer gestão por competências e designar servidores aptos para atuar  nos processos licitatórios. Ou seja, atribui-se explicitamente às autoridades  superiores a responsabilidade pelos bons resultados das contratações  públicas.

As licitações serão conduzidas preferencialmente por servidores efetivos  e que tenham qualificação na área. O art. 7º, inc. II faz referência a cursos  promovidos por escola de governo. A disciplina da Lei 14.133 visa a resolver  uma deficiência identificada no país. Um estudo divulgado recentemente pela  OCDE (“Fighting Bid Rigging in Brazil: A Review of Federal Public  Procurement”. Disponível em: https://www.oecd.org/competition/fighting-bidrigging-in-brazil-a-review-of-federal-public-) detectou que há uma taxa alta de  rotatividade elevada dos ocupantes das funções relacionadas a licitações  (73%). A avaliação considera que os agentes públicos desempenham um papel  fundamental para o sucesso das licitações e recomendou a instituição de uma  carreira própria e programas de capacitação permanentes. 

Os servidores designados serão responsáveis pelo planejamento e  execução das medidas necessárias para cada processo licitatório. O parágrafo primeiro do art. 7º estabelece a segregação de funções: o mesmo agente  público não pode exercer simultaneamente funções suscetíveis a riscos. Ou  seja, não é recomendável que o agente responsável pela fase preparatória seja  o mesmo que conduz a licitação nem fiscaliza o contrato.

Os Municípios com até 20 mil habitantes terão prazo até abril de 2027  para implementar as medidas previstas no art. 7º (art. 176). 

É proibida a designação de servidores que mantenham vínculos com  licitantes ou contratados habituais da Administração (III – não sejam cônjuge ou  companheiro de licitantes ou contratados habituais da Administração nem  tenham com eles vínculo de parentesco, colateral ou por afinidade, até o  terceiro grau, ou de natureza técnica, comercial, econômica, financeira,  trabalhista e civil.). 

Há ainda outras regras de gestão que devem ser instituídas por meio de  regulamentos pelos órgãos competentes (artigo 19): 

  • I – instituir instrumentos que permitam, preferencialmente, a  centralização dos procedimentos de aquisição e contratação de  bens e serviços;
  • II – criar catálogo eletrônico de padronização de compras, serviços  e obras, admitida a adoção do catálogo do Poder Executivo federal  por todos os entes federativos;
  • III – instituir sistema informatizado de acompanhamento de obras,  inclusive com recursos de imagem e vídeo; 
  • IV – instituir, com auxílio dos órgãos de assessoramento jurídico e  de controle interno, modelos de minutas de editais, de termos de  referência, de contratos padronizados e de outros documentos,  admitida a adoção das minutas do Poder Executivo federal por  todos os entes federativos;
  • V – promover a adoção gradativa de tecnologias e processos  integrados que permitam a criação, a utilização e a atualização de  modelos digitais de obras e serviços de engenharia.

Também há um dever mais intenso de controle interno dos atos por meio  da atuação dos agentes de licitação, assessores jurídicos e autoridades  superiores (art. 169). 

4.2. Planejamento 

A Administração deverá elaborar um “plano de contratações anual –  PCA”, que deverá ser divulgado via Internet (art. 12, inc. VII). Esse plano se destina a orientar as contratações a serem realizadas, de modo a assegurar a  previsibilidade de recursos e orientar o mercado. 

Trata-se de uma espécie de “plano plurianual” (CF, art. 165, inc. I)  específico para as contratações públicas. A previsão do PCA deverá ser compatível com as previsões de planos estratégicos e leis orçamentárias,  inclusive em face do disposto no “Art. 150. Nenhuma contratação será feita  sem a caracterização adequada de seu objeto e sem a indicação dos créditos  orçamentários para pagamento das parcelas contratuais vincendas no  exercício em que for realizada a contratação, sob pena de nulidade do ato e de  responsabilização de quem lhe tiver dado causa.”

5. Conclusão 

A aplicação da Lei 14.133 impõe uma mudança de concepção da  atividade licitatória. Não é mais cabível considerar cada licitação de modo  isolado e autônomo. 

É necessário investir na capacitação de pessoal, na especialização dos  agentes e na adequação das estruturas. A Lei 14.133 fornece diretrizes para  que os órgãos formulem planos conforme suas necessidades e circunstâncias.  A partir disso, os órgãos devem instituir procedimentos que assegurem a  qualidade das decisões tomadas nos processos licitatórios.

Mas é preciso levar essas medidas a sério. De nada adianta o mero  cumprimento burocrático de etapas se não houver um compromisso efetivo dos  agentes com a eficiência em todos os atos praticados no processo licitatório.

Compartilhe:

LinkedIn
WhatsApp
Marçal Justen Neto
Marçal Justen Neto
LL.M pela LSE – London School of Economics. Sócio da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Marçal Justen Neto
Marçal Justen Neto
LL.M pela LSE – London School of Economics. Sócio da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.