Informativo Eletrônico - Edição 206 - Abril / 2024

IMPACTOS DA CORRUPÇÃO NA ARBITRAGEM COMERCIAL INTERNACIONAL

Cesar Pereira

1. Introdução

Sendo evidente que os árbitros nunca irão processar práticas corruptas como um juiz criminal faria (e deixando para outra oportunidade o tópico de um possível dever de reportar), os remédios disponíveis para os árbitros são de natureza contratual. Estes incluem declarar contratos nulos, anuláveis ou inexequíveis; conceder danos; determinar redução de preços; ordenar a devolução de lucros indevidos; mandar restituição ou lidar com enriquecimento sem causa.

É particularmente fascinante neste tema o quão matizados podem ser os enfoques. Uma vez ultrapassada a visão inicial de que qualquer coisa tocada pela corrupção é indigna de proteção por um tribunal arbitral, existem múltiplos aspectos que tornam o papel do árbitro muito mais complexo (e interessante).

2. Distinguindo Contratos e Remédios

O primeiro passo é distinguir entre contratos que preveem corrupção, também conhecidos como acordos de suborno (por exemplo, ocultar subornos como taxas de consultoria ou como preços em um acordo de fornecimento falso), e aqueles obtidos por meio de corrupção. Embora ambas as categorias de contratos sejam maculadas pela corrupção, o resultado e os remédios apropriados diferem dependendo da lei aplicável à disputa.

3. Validade da Convenção de Arbitragem

Em nenhuma das categorias, o acordo de arbitragem dentro de um contrato contaminado por corrupção será automaticamente inválido. Competência-competência e separabilidade protegem a aplicabilidade do acordo de arbitragem. O poder de determinar a validade da cláusula de arbitragem permanece nas mãos dos árbitros, dependendo dos fatos específicos de cada caso.

4. Acordos de Suborno e Ordem Pública Transnacional

Acordos de suborno (a primeira categoria) são geralmente vistos como inválidos e inexequíveis, e a proibição de acordos de suborno equivale a uma política pública transnacional. Já que acordos de suborno são inexequíveis, o princípio prático nestes casos é que “o dinheiro fica onde está”. Isto está alinhado com o conhecido e amplamente aceito princípio do direito romano “in pari turpitudine melior est conditio possidentis” (“em casos de erro igual, a posição da parte que atualmente possui o item em questão é mais forte”). Nenhuma das partes de um acordo de suborno pode buscar execução ou restituição, por exemplo.

5. Controvérsias Contratuais e o Papel das Partes

Quanto à segunda categoria, existem três resultados possíveis: primeiro, o contrato principal, obtido por meio de corrupção, é declarado nulo; segundo, a parte lesada tem a opção entre a nulidade do acordo ou sua continuidade; e terceiro, o contrato principal é considerado vinculativo e eficaz, o que limita os direitos da parte lesada a outros remédios, como danos ou redução de preço.

6. Contratos Relacionados com Corrupção e Estados

Contratos relacionados com corrupção envolvendo Estados geralmente caem na categoria de contratos obtidos por meio de corrupção, como manipulação de licitações ou colusão entre funcionários do Estado e contratados privados ou seus agentes.

Às vezes os Estados podem celebrar acordos de suborno. Um contrato governamental pode ser intencionalmente superfaturado para ocultar subornos subsequentes a funcionários governamentais. Este será um exemplo de um acordo de suborno envolvendo uma entidade estatal – e possivelmente também um exemplo de partes corruptas destacáveis de um contrato válido. Exceto nas situações em que a corrupção contamina um contrato como um todo, um contrato governamental maculado pela corrupção não é necessariamente inválido ou inexequível, já que seu propósito final – fornecimento de bens ou serviços, obras públicas – é válido. Normalmente o destino do contrato estará nas mãos da parte lesada, sujeito a limitações de enriquecimento sem causa ou outros remédios semelhantes para proteger os direitos do contratado à restituição ou compensação.

7. Acordos de leniência e “self-cleaning”

Por último, devemos também estar conscientes de que corrupção e práticas relacionadas, como colusão, suborno, manipulação de licitações, comissões e similares, não estão sujeitas a uma solução tudo ou nada mesmo sob as legislações criminais domésticas ou internacionais aplicáveis, anticorrupção ou antitruste, bem como regras de bancos e agências de desenvolvimento. Há numerosas oportunidades para acordos de não persecução ou de leniência, “self-cleaning” ou outros arranjos pelos quais os governos asseguram que até as partes que estiveram envolvidas em práticas corruptas possam ser consideradas como tendo superado sua má conduta, reorganizado sua estrutura empresarial e corporativa, e restaurado sua responsabilidade presente para permanecerem como fornecedores governamentais viáveis em contratos atuais ou futuros. Para fins contratuais, tais arranjos podem equivaler a uma cura do defeito original do contrato corrupto. Resta ver se se pode estender esse raciocínio para questões de legalidade e jurisdição no ISDS: se houver um acordo de leniência ou arranjo similar relativo às práticas corruptas, até que ponto o Estado anfitrião pode confiar na corrupção para desafiar a legalidade ou jurisdição? Ou, inversamente, tais arranjos equivalem a uma confissão de ilegalidade para precluir qualquer proteção ao investimento?

8. Complexidade da corrupção, ampla defesa e contraditório

Esta consciência do ambiente complexo da corrupção sublinha a necessidade de os árbitros ouvirem as partes e permitirem que elas forneçam todos os esclarecimentos apropriados antes de adotar conclusões absolutas ou categóricas sobre o impacto da corrupção no assunto dos procedimentos arbitrais. A mudança de soluções em preto e branco aumenta o ônus sobre os árbitros para exercer o julgamento. Devemos aplicar não apenas nossa expertise jurídica, mas também uma sensibilidade apurada. Esta tarefa exige não apenas conhecimento, mas sabedoria, para equilibrar a letra estrita da lei com as sutilezas do comportamento humano. Aqui, mais do que nunca, os árbitros são observados cuidadosamente pelos olhos vigilantes de nossos pares.

A vasta literatura sobre este tema é uma boa indicação de que há muitos outros aspectos e exemplos a serem considerados. Grandes escândalos de corrupção desde o início dos anos 2010, como a Operação Lava-Jato envolvendo a Petrobras controlada pelo Estado brasileiro, contribuíram com muitos deles, com ramificações se espalhando por vários países. Se pode haver um lado positivo para eles, certamente será o aumento da sofisticação e da consciência prática na abordagem adotada por tribunais, árbitros e agências lidando com práticas corruptas.

9. Corrupção no tribunal arbitral

Um aspecto completamente diferente é a corrupção envolvendo o tribunal arbitral. Felizmente, a questão surge na prática com muito menos frequência do que a corrupção na relação contratual ou empresarial subjacente.

É impossível falar sobre árbitros corruptos sem lembrar do julgamento mitológico de Páris de Troia, que foi subornado com Helena de Esparta para conceder a Afrodite a maçã de ouro como a mais bela das três deusas. Será que os árbitros modernos conseguiram escapar das armadilhas que outrora capturaram Páris, ou estão condenados a retraçar ciclicamente seus passos? A arbitragem evoluiu com as ferramentas para escapar deste eterno retorno?

10. Manifestações

A corrupção de árbitros vem em muitas formas, desde vieses sutis e conflitos de interesse até atos flagrantes de suborno e colusão. Relações não divulgadas entre árbitros e partes, escritórios de advocacia ou entidades podem comprometer sua imparcialidade e levar a trocas de favores ou outros benefícios. A forma mais infame de corrupção de árbitros é o suborno e a influência indevida. Partes e advogados podem tentar influenciar árbitros através de incentivos financeiros, presentes ou outras vantagens, comprometendo a capacidade do árbitro de proferir uma decisão imparcial.

11. Regime jurídico

Atos de corrupção são mencionados expressamente no Artigo 52(1)(c) da Convenção do ICSID como um fundamento para anulação de uma decisão, mas esta disposição ainda não foi utilizada. Embora nenhuma disposição semelhante exista na Convenção de Nova Iorque, a corrupção afeta a capacidade de alguém apresentar seu caso perante um árbitro honesto e imparcial e é reconhecida como contrária à política pública. Uma decisão arbitral contaminada pela corrupção é inexequível nos termos do Artigo V(1)(b) (parte “de outra forma incapaz de apresentar seu caso”) ou Artigo V(2)(b) (política pública) da Convenção de Nova Iorque. Embora a Lei Modelo da UNCITRAL seja omissa sobre a questão, legislação nacional como a FAA nos Estados Unidos ou a Lei de Arbitragem Brasileira expressamente preveem a vacatura de decisões obtidas por corrupção ou quando há corrupção em um ou mais árbitros.

12. Relevância das circunstâncias de fato

As circunstâncias do caso são fatores chave. Se a prática corrupta foi concluída ou apenas tentada pode levar a diferentes resultados quanto à validade da decisão arbitral, já que no último caso pode não haver um prejuízo efetivo ou perigo aos direitos substanciais e de devido processo das partes. Poderiam haver situações em que uma decisão poderia permanecer válida apesar da prova de corrupção dentro do tribunal arbitral? Provavelmente apenas em casos extremamente excepcionais, se houver.

13. Combate à corrupção

Combater a corrupção de árbitros envolve tanto medidas preventivas quanto ações repressivas. Instituições de arbitragem e sistemas jurídicos nacionais devem implementar padrões éticos robustos, requisitos de divulgação e sanções para árbitros que se envolvam em práticas corruptas. Transparência e responsabilidade são, portanto, cruciais para manter a credibilidade do processo de arbitragem. Órgãos que são projetados para supervisionar a conduta profissional e levam seu papel a sério, como o Chartered Institute of Arbitrators – Ciarb, podem ajudar a este respeito. Esta é uma diferença chave do Julgamento de Páris, um procedimento ad-hoc no qual uma divindade orquestrou o evento, faltando qualquer autoridade supervisora ou padrões éticos para governá-lo.

14. Uso malicioso de acusações de corrupção

E quanto ao uso indevido e abusivo da legislação criminal como arma para interferir nos procedimentos de arbitragem ou na execução da decisão arbitral? Quão sério isso pode ser como uma ameaça? Alegações frívolas de corrupção podem ser usadas como táticas dilatórias dentro da arbitragem. Árbitros dependem de sua reputação, que é algo fácil de manchar ou mesmo destruir. Acusações de má conduta por árbitros facilmente viram manchetes e noticiários. O uso indevido da lei criminal pode se manifestar como a perseguição indevida de árbitros.

Essa situação ficou evidente durante uma extensa investigação de corrupção no Peru, que se concentrou em empresas de construção estrangeiras. Nesses casos, há frequentemente uma perseguição fervorosa dos envolvidos, assemelhando-se a uma caça às bruxas. Dentro desse contexto, alguns árbitros enfrentaram acusações de “suborno indireto” simplesmente porque seus honorários excederam as taxas padrão estabelecidas pelo Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio de Lima. O cenário é destacado no trabalho de Carlos Ríos Pizarro, “Misturando Justos e Pecadores”, publicado no Kluwer Arbitration Blog em 2019. Indiciamentos, acusações e perseguição podem ser simplesmente uma tática para intimidar árbitros que são corajosos o suficiente para enfrentar a pressão política, econômica ou mesmo física que pode vir em casos de grande porte. Em um ambiente que com razão abomina a corrupção e se gaba de “tolerância zero” com irregularidades, a comunidade de arbitragem e as organizações do setor terão a fortaleza para apoiar aqueles abusivamente acusados? Nem sempre, ou não rápido o suficiente para evitar danos irreparáveis.

15. Jurisprudência internacional

A questão da corrupção do árbitro foi colocada em destaque em um pedido de revisão de uma decisão arbitral no Caso ICC n. 16257/EC/ND/MCP/AZO/SP entre Commisimpex (uma empresa congolesa com supostas ligações com o Irã ou seus representantes) e a República do Congo (Decisão, Commerciale Commisimpex v República do Congo – Caso de Arbitragem ICC No 16257-EC-ND-MCP – Decisão Final – Inglês e Francês – 21 de Janeiro de 2013 <https://www.transnational-dispute-management.com/legal-and-regulatory-detail.asp?key=31182>, “Decisão sobre a Admissibilidade e o Mérito do Pedido de Revisão do Reclamante” https://jusmundi.com/en/document/decision/en-commission-import-export-s-a-v-republic-of-the-congo-reconstitution-of-the-tribunal-pending-monday-13th-december-2021). O pedido de revisão da República do Congo de uma decisão de 2013 a favor da Commisimpex baseava-se em alegações de que o presidente do tribunal arbitral havia sido subornado e tinha laços não revelados com o Irã através da representação de seu escritório de advocacia em outros casos envolvendo entidades iranianas. O tribunal arbitral nomeado para revisar os procedimentos constatou em outubro de 2023 que essas alegações não eram apoiadas por evidências e foram consideradas como meras “fofocas”. Como resultado deste infeliz curso de eventos, o presidente injustamente acusado iniciou processos criminais por difamação após as acusações terem sido amplamente disseminadas pela imprensa e outros canais.

16. Conclusão

O que é mais premente na prática internacional, a corrupção do árbitro ou o abuso da persecução criminal e das ameaças de dano à reputação? Um pode prevalecer sobre o outro? A comunidade internacional de arbitragem deve permanecer vigilante. Para manter e realçar sua reputação como um método justo, imparcial e confiável para resolver disputas internacionais, é essencial enfrentar os temas da corrupção como matéria a ser decidida e como um possível vício no âmbito da arbitragem, sem ignorar as suas complexidades. Cabe lembrar a lição da corrupção de Páris, que levou a uma guerra devastadora de uma década, resultando na queda de sua cidade e na obliteração de sua cultura, mergulhando-a no esquecimento. A lenda é também um alerta.

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Cesar Pereira
Cesar Pereira
Doutor em Direito Administrativo pela PUC. Sócio da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
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Doutor em Direito Administrativo pela PUC. Sócio da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.