Informativo Eletrônico - Edição 217 - Março / 2025

ISENÇÃO DE CUSTAS NA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

João Antonio Luz Bolognesi

1. Introdução

Com a edição da Lei 14.230/2021, a Lei de Improbidade Administrativa (LIA – Lei 8.429/1992) passou por reformas estruturais significativas. Entre elas, destaca-se a inclusão do art. 23-B, que estabelece: “nas ações e nos acordos regidos por esta Lei, não haverá adiantamento de custas, de preparo, de emolumentos, de honorários periciais e de quaisquer outras despesas”. 

À primeira vista, a literalidade da norma sugere a isenção do adiantamento de custas e demais despesas processuais para todas as partes, inclusive o réu. Contudo, a interpretação que vem sendo conferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem restringido o alcance do dispositivo, limitando seus efeitos apenas ao autor da ação, aplicando o art. 18 da Lei da Ação Civil Pública (LACP – Lei 7.347/1985).

Esse entendimento contrasta com a posição da doutrina contemporânea, que entende que a isenção prevista no art. 23-B se estende também ao demandado. Neste artigo serão expostas as razões doutrinárias que sustentam essa segunda interpretação, que parece ser mais correta. 

2. A Jurisprudência do STJ Sobre o Alcance do Art. 23-B da LIA

Desde a promulgação da Lei 14.230/2021, o Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente se posicionado no sentido de que a isenção do adiantamento de custas e despesas processuais prevista no art. 23-B da LIA não se aplica ao réu, restringindo o alcance da norma ao polo ativo da demanda. 

A Corte tem fundamentado esse entendimento a partir de uma referência ao art. 18 da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985), o qual concederia a isenção, na interpretação tradicional, exclusivamente à parte autora.

O acórdão proferido no AgInt no AREsp 2.596.292/SP, relatado pelo Ministro Sérgio Kukina, afirmou expressamente que: 

“Nos termos da firme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o art. 23-B da LIA (incluído pela Lei n. 14.230/2021), que remete o pagamento de custas e despesas para o final do processo, não se aplica em favor do réu” (STJ, AgInt no AREsp 2596292/SP, 1ª Turma, Relator Ministro Sérgio Kukina, Julg. 11/11/2024).

Essa linha de raciocínio foi reafirmada no AgInt nos EDcl no AgInt nos EAREsp 1.996.724/SP, relatado pelo Ministro Afrânio Vilela (DJe 10/10/2024) e novamente adotada em casos similares. 

A tendência jurisprudencial ganhou corpo nas duas Turmas de Direito Público. Julgados recentes, como o AgInt no AREsp 2.567.294/PR (Rel. Min. Francisco Falcão, 2ª Turma, DJe de 21/08/2024), o AgInt no AREsp 2.746.481/RJ (Rel. Min. Francisco Falcão, 2ª Turma, DJe de 18/03/2025) e o AgInt no AREsp 2.617.321/SP (Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 2ª Turma, DJe de 10/12/2024), seguiram o mesmo raciocínio.

O fundamento comum é a invocada continuidade da aplicação do regime do art. 18 da LACP à improbidade administrativa, mesmo após a reforma de 2021. Esse entendimento, entretanto, vai de encontro com a doutrina formada ao redor das inovações trazidas pela Lei 14.230/2021 – que aponta para uma autonomia normativa da LIA em relação à LACP.

3. A Base Literal e Sistemática da Isenção para o Réu

O art. 23-B da LIA não distingue autor e réu. Assim, a isenção do adiantamento de custas e demais despesas processuais é um benefício extensível a qualquer das partes.

Essa é a leitura feita pelos professores Paulo Osternack Amaral e Doshin Watanabe¹, que afirmam: 

“Trata-se de dispositivo similar ao art. 18 da LACP, que já era aplicado pela jurisprudência às ações por ato de improbidade – ainda que apenas para beneficar o autor da ação.Entendemos que a regra da LIA trouxe relevante inovação legislativa e também deve ser aplicada em favor do demandado, constituindo benefício processual que deve valer para todas as partes, por questão de isonomia e paridade de armas”.²

Os autores destacam que a própria estrutura do art. 23-B reforça essa interpretação. O §1º prevê que as custas serão pagas ao final, “em caso de procedência da ação”, o que só faz sentido se o réu estiver incluído na isenção inicial:

“Caso contrário, seria inútil a previsão do §1º no sentido de que as custas e despesas deverão ser pagas ao final, caso o demandado seja vencido”.²

Os autores ainda analisam o impacto prático da regra, defendendo que o demandado não pode ser compelido a adiantar despesas como de preparo de recursos ou emolumentos cartorários, inclusive aqueles exigidos para o cancelamento de averbações de indisponibilidade de bens em registros imobiliários.²

Trata-se, portanto, de inovação legislativa real e deliberada, e não mera repetição da LACP.

4. Riscos Práticos e a Necessidade de Uniformização

A adoção da interpretação restritiva do art. 23-B pode gerar cenários de insegurança processual. Um réu que deixe de recolher preparo recursal confiando na literalidade do dispositivo e em decisões de instâncias ordinárias³ poderá ser demandado a recolher em dobro, ou ter seu recurso declarado deserto no STJ, diante da orientação jurisprudencial que exige o pagamento prévio. 

Diante de decisões divergentes nas instâncias ordinárias e da consolidação de entendimentos restritivos nas turmas do STJ, seria interessante a promoção da uniformização da jurisprudência. A ausência de diretriz clara compromete a previsibilidade processual e expõe as partes a riscos. A constituição de um tema repetitivo, por exemplo, permitiria que os jurisdicionados adotassem a conduta processual segura e orientada.

5. Conclusão

A leitura que limita os efeitos do art. 23-B ao autor da ação de improbidade pode não ser a mais adequada quando se consideram a literalidade do dispositivo e a sistemática da nova LIA. 

A isenção do art. 23-B aplicada também ao réu prestigia o devido processo legal, a ampla defesa e a isonomia entre as partes. É sólida a crítica doutrinária que se faz à interpretação, fundada no art. 18 da LACP, que aplica a isenção apenas ao autor. 

Espera-se que esse entendimento prevaleça futuramente, seja por revisão e uniformização jurisprudencial, seja por reafirmação legislativa.

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¹ Para uma análise aprofundada acerca do processo de improbidade administrativa sob a vigência da Lei 14.230/2021, confira: PAULO OSTERNACK AMARAL; DOSHIN WATANABE. Manual do processo de improbidade administrativa. Londrina, PR: Thoth, 2023. (1ª reimpressão). Disponível em: https://editorathoth.com.br/produto/manual-do-processo-de-improbidade-administrativa/748.

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² AMARAL, Paulo Osternack; WATANABE, Doshin. Manual do processo de improbidade administrativa. Londrina, PR: Thoth, 2023. 1. reimpressão. P. 129-132.

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³ Como exemplo: TJSP, 4ª CDPúb, AgInt 1001395-77.2018.8.26.0390, Rel. Jayme de Oliveira, j. 12/12/2022, DJe 13/12/2022, TJSP; 2ª CDPúb, AgInt 2115685-55.2022.8.26.0000, Rel. Maria Fernanda de Toledo Rodovalho, j. 22/06/2022, DJe 22/06/2022.

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João Antonio Luz Bolognesi
João Antonio Luz Bolognesi
Graduado em Direito pela PUC-PR. Advogado da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
João Antonio Luz Bolognesi
João Antonio Luz Bolognesi
Graduado em Direito pela PUC-PR. Advogado da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
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