Informativo Eletrônico - Edição 208 - Junho / 2024

JURISPRUDÊNCIA DO STJ EM MATÉRIA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA APÓS A LEI 14.230

Raphaela Thêmis Leite Jardim

1. Debates quanto à aplicação da Lei 14.230 aos processos em curso

Com a promulgação da Lei 14.230, que alterou amplamente a Lei de Improbidade Administrativa (LIA – Lei 8.429), surgiram diversas dúvidas quanto à aplicação do novo regime aos processos em andamento.

Ainda em 2022, o STF definiu o Tema 1.199, em que se pronunciou pela irretroatividade da Lei 14.230 em relação aos processos já transitados em julgado e quanto aos prazos prescricionais. Contudo, ressalvou a retroatividade da Lei 14.230 em relação aos atos de improbidade culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado.

A decisão proferida no âmbito do Tema 1.199 não sanou todas as questões relacionadas à aplicação do novo regime aos processos em curso. Diante disso, o STJ tem proferido decisões importantes sobre diversos temas relacionados às ações de improbidade.

2. Retroatividade dos requisitos para a indisponibilidade de bens

A Lei 14.230 alterou radicalmente o regramento da LIA no que se refere à indisponibilidade de bens. A redação anterior do art. 7º autorizava a indisponibilidade de bens nos casos em que o ato ímprobo cause lesão ao patrimônio público ou enseje enriquecimento ilícito. Diante dessa previsão, o entendimento da jurisprudência era no sentido de que o dano poderia ser presumido.

O tema agora é tratado no art. 16, que estabelece requisitos para a indisponibilidade dos bens dos réus. A medida somente será cabível “mediante a demonstração no caso concreto de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo” e quando houver “probabilidade da ocorrência dos atos descritos na petição inicial”.

O STJ tem proferido decisões no sentido de que a partir da vigência da Lei 14.230, exige-se a demonstração do requisito da urgência, além da plausibilidade do direito, para a concessão da medida de indisponibilidade de bens (AgInt no AREsp 2.272.508/RN, Rel. Min. Gurgel de Faria, 1ª T., j. 06.02.2024 e AgInt no REsp 2.044.966/SP, Rel. Min Herman Benjamin, 2ª T., j. 21.08.2023). Isto porque o STJ reconheceu que a norma tem caráter processual (art. 14 do CPC).

3. Impossibilidade de bloqueio do valor correspondente à multa civil

A antiga redação do art. 7º da LIA nada dizia sobre a possibilidade de inclusão do valor pleiteado a título de multa civil no montante a ser indisponibilizado. Poucos meses antes da promulgação da Lei 14.230, o STJ firmou o Tema 1.055 segundo o qual “É possível a inclusão do valor de eventual multa civil na medida de indisponibilidade de bens decretada na ação de improbidade administrativa”.

Ocorre que a Lei 14.230 incluiu na LIA disposição expressa no sentido de que os valores a serem eventualmente aplicados a título de multa civil não devem ser incluídos na ordem de bloqueio (art. 16, §10º).

PAULO OSTERNACK AMARAL e DOSHIN WATANABE indicam que diante da inovação legislativa “a ordem de bloqueio recairá apenas sobre o valor requerido a título de ressarcimento” e que a “inovação legislativa exigirá a revisão da tese firmada no Tema 1.055/STJ” (Manual do processo de improbidade administrativa. Londrina: Thoth, 2023, p. 49).

A jurisprudência do STJ tem afastado o Tema 1.055: AgInt no REsp 2.044.966/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., j. 21.08.2023 e decisões monocráticas REsp 2.042.925/PR, Rel. Min. Assusete Magalhães, DJe 27.3.2023; REsp 2.033.801/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 22.12.2022; REsp 1.966.473/DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 30.8.2022; REsp 2.035.351, Ministro Herman Benjamin, DJe de 31/05/2023.

Recentemente, o Min. Afrânio Vilela afetou os recursos especiais de nos 2.074.601/MG, 2.076.137/MG, 2.076.911/MG, 2.078.360/MG e 2.089.767/MG para julgamento pelo rito dos recursos repetitivos. O Tema 1.257 terá como objetivo “Definir a possibilidade ou não de aplicação da nova lei de improbidade administrativa (Lei 14.230/2021) a processos em curso, iniciados na vigência da Lei 8.429/1992, para regular o procedimento da tutela provisória de indisponibilidade de bens, inclusive a previsão de se incluir, nessa medida, o valor de eventual multa civil”.

A análise da questão poderá resultar na revisão do Tema 1.055.

4. Solidariedade para fins de indisponibilidade de bens

Recentemente, o STJ proclamou o julgamento do Tema 1.213, cujo objetivo foi resolver a controvérsia referente à indisponibilidade de bens em caso de responsabilidade solidária. Foi aprovada, por unanimidade, a seguinte tese:

Para fins de indisponibilidade de bens, há solidariedade entre os corréus da Ação de Improbidade Administrativa, de modo que a constrição deve recair sobre os bens de todos eles, sem divisão em quota-parte, limitando-se o somatório da medida ao quantum determinado pelo juiz, sendo defeso que o bloqueio corresponda ao débito total em relação a cada um.

Esse já era o entendimento do STJ antes mesmo da promulgação da Lei 14.230 (AgInt no REsp 1.899.388/MG, Rel. Min. Regina Helena Costa, 1ª T., j. 08.03.2021).

A vedação ao bloqueio total do valor do débito em relação a cada um dos réus agora está disposta na Lei 14.230 que estabelece: “Se houver mais de um réu na ação, a somatória dos valores declarados indisponíveis não poderá superar o montante indicado na petição inicial como dano ao erário ou como enriquecimento ilícito” (art. 16, §5º).

Ou seja, a jurisprudência autoriza a solidariedade para fins de indisponibilidade de bens. Contudo, é vedado que o bloqueio ultrapasse o valor do dano ao erário ou do enriquecimento ilícito. Assim, se um dos réus tiver patrimônio suficiente para garantir o valor do dano, os demais poderão ter seu patrimônio liberado.

5. Impossibilidade de condenação baseada em incisos revogados

A redação original do art. 11 da LIA previa que “Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e legalidade às instituições…”, e continha um rol de incisos não exaustivos das condutas reputadas ímprobas.

A redação conferida pela Lei 14.230 ao art. 11 é distinta. Além de qualificar a ação ou omissão imputável ao acusado como necessariamente dolosa, restringe o rol de condutas ímprobas àquelas previstas nos incisos lá descritos.

Ou seja, em se tratando de violação ao princípio da administração pública, deve estar configurada uma das situações específicas do art. 11 para responsabilização por improbidade administrativa. O rol deixa de ser exemplificativo, tal como era na redação anterior.

O STJ tem entendido que a nova redação do art. 11 da LIA, obsta a condenação genérica com base nos incisos I e II (revogados) para atos praticados na vigência do texto anterior da lei e sem condenação transitada em julgado (EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp 1174735/PE, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, 1ª T., j. 05.03.2024; AgInt no AREsp 2.380.545/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, 1ª T., j. 06.02.2024).

A jurisprudência do STJ ressalva que “Haverá abolição da figura típica quando a conduta anteriormente tipificada sob a redação do art. 11 da LIA se tornar irrelevante para os fins da Lei de Improbidade Administrativa e não quando tenha sido disciplinada por dispositivo legal diverso, ou seja, os novéis incisos do art. 11 da Lei 8.429/1992” (AgInt no AREsp 1.206.630/SP, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, j. 27.02.2024). Ou seja, somente haverá conduta atípica se a conduta não se enquadrar nas hipóteses específicas dos incisos do art. 11.

6. Considerações finais

O STJ tem se dedicado ao julgamento de diversos temas relacionados à aplicação da Lei 14.230 às ações de improbidade administrativa em curso, mas ainda há diversas questões pendentes de resolução no âmbito dos Tribunais Superiores.

A definição desses temas é muito relevante para orientar as decisões dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais, a fim de evitar decisões conflitantes.

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Raphaela Thêmis Leite Jardim
Raphaela Thêmis Leite Jardim
Especialista em Direito Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar. Advogada da Justen, Pereira, Oliveira e Talamini.
Raphaela Thêmis Leite Jardim
Raphaela Thêmis Leite Jardim
Especialista em Direito Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar. Advogada da Justen, Pereira, Oliveira e Talamini.