1. Introdução
A Medida Provisória 1.232, de 13.6.2024, estabeleceu, entre outras disposições, um conjunto de regras para a transferência de controle societário de concessionárias de distribuição de energia elétrica (adiante referidas apenas como concessionárias).
A redação do art. 2º da MP substitui o art. 8º-C da Lei 12.783/2013, com o objetivo de assegurar a sustentabilidade das concessionárias e minimizar os impactos tarifários para os consumidores.
Basicamente, a finalidade é propiciar uma solução para superar dificuldades de concessionárias em situação de insolvência. Sem essas flexibilizações, haveria o risco de inviabilização da continuidade da prestação do serviço público concedido. ¹
2. As inovações introduzidas
A transferência do controle societário, a flexibilização das metas regulatórias e o repasse dos custos para os demais consumidores foram reputados como a solução para viabilizar o fornecimento de energia para os consumidores atendidos.
Para tanto, o art. 2º da MP trouxe as seguintes alterações:
(i) Reconhecimento da perda de condições (caput e § 1º): Quando a ANEEL reconhecer a perda das condições econômicas, técnicas ou operacionais da concessionária, pode-se optar por um plano de transferência de controle societário, em vez da extinção da concessão. Esse plano fica condicionado à celebração de um termo aditivo ao contrato de concessão.
(ii) Plano de transferência e termo aditivo (§§ 1º e 2º): O plano de transferência e o termo aditivo devem incluir condições para a recuperação da sustentabilidade econômico-financeira do serviço, buscando o menor impacto tarifário possível para os consumidores.
(iii) Cobertura da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) (§ 3º): O termo aditivo pode prever, por até três ciclos tarifários e a critério da ANEEL, a cobertura da CCC para flexibilizações temporárias segundo parâmetros regulatórios de eficiência, como custos operacionais e perdas não técnicas, além de outras medidas.
(iv) Contrapartidas ao termo aditivo (§ 4º): O novo controlador deve demonstrar a capacidade técnica e econômica para aperfeiçoar o serviço de distribuição, apresentando benefícios à concessão e aos consumidores, e a transferência de controle deve ocorrer por valor simbólico, aprovado pela assembleia geral do controlador anterior.
(v) Transparência e readequação do serviço (§§ 5º e 6º): A ANEEL deliberará sobre os planos de transferência e as condições negociadas com credores, garantindo transparência e benefício ao consumidor. O atual concessionário deve garantir acesso a todas as informações necessárias para a formulação do plano.
(vi) Responsabilidade na negociação (§ 7º): o formulador do plano de transferência será responsável pela negociação com os acionistas e credores, estabelecendo um valor simbólico para a transferência do controle.
(vii) Documentos necessários (§ 8º): O plano de transferência submetido à ANEEL deverá incluir documentos que assegurem a aceitação das condições pactuadas pelos credores mais significativos e pelos atuais acionistas, garantindo a sustentabilidade econômico-financeira da concessionária.
(viii) Renúncia a direitos preexistentes (§ 9º): Tanto o novo controlador quanto o atual devem renunciar a eventuais direitos contra a União relativos à concessão, decorrentes de eventos anteriores à transferência de controle.
(ix) Flexibilizações e intervenção (§§ 10º e 11º): As flexibilizações relativas aos custos operacionais e outros parâmetros ficarão postergados por até 120 dias ou até a transferência do controle (o que ocorrer primeiro). Essas medidas constarão de um ato que declarará eventual intervenção administrativa pela ANEEL.
3. O direito à adequação da disciplina regulatória
A flexibilização do conjunto jurídico-regulatório para o atendimento emergencial de agentes do setor elétrico que se encontrem em situação de insolvência relaciona-se à exigência de analisar as situações em vista das circunstâncias concretas. Essa solução pode ser vinculada à própria regra do art. 20 da LINDB (“Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”).
De acordo com Marçal Justen Filho, “o processo de criação e de aplicação do direito é dinâmico, indissociável das novas configurações das vivências sociais, políticas e econômicas” (Curso de Direito Administrativo. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024, p. 9).
Portanto, não é possível se ater apenas aos aspectos abstratos e teóricos para atender a finalidade desejada. É preciso compatibilizar a ordem jurídica-regulatória com o resultado mais adequado à realidade.
Desse modo, a flexibilização das regras se apresenta não apenas como resposta adequada às necessidades atuais, mas também uma estratégia essencial para a resiliência e sustentabilidade do setor elétrico no longo prazo.
4. Conclusão
A MP 1.232 visa a criar soluções de continuidade da prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica, especificamente nas hipóteses em que a concessionária enfrentar dificuldades econômicas, técnicas e operacionais. A solução envolve a transferência de controle societário com condições que busquem o equilíbrio econômico-financeiro e a continuidade do serviço, além de proteger os consumidores de impactos tarifários significativos.
Além disso, ao estabelecer regras claras para a renegociação de dívidas, a medida busca assegurar que a prestação dos serviços de energia elétrica permaneça estável e eficiente, mesmo em cenário de crises.
Dessa maneira, a opção pela flexibilização de regras em situação emergencial promove a segurança energética, garante o fornecimento de energia e protege os consumidores.
Portanto, a política de salvaguarda não apenas mitiga os impactos imediatos das crises, mas também fortalece a resiliência do setor elétrico diante de desafios futuros.
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¹ Veja notícia sobre o assunto: <https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/06/13/governo-edita-mp-para-salvar-amazonas-energia.ghtml>