1. Introdução1
A aprovação final do PL 4.162/2019 no Senado em 24.6.2020, após tramitação iniciada efetivamente apenas quatro meses antes, sugere a intenção de acelerar a solução de problemas tornados ainda mais evidentes com a pandemia da Covid-19. Mas o reconhecimento dessa urgência é anterior. A Câmara de Deputados já aprovara em dezembro de 2019 o projeto de lei encaminhado pelo Poder Executivo em julho do mesmo ano. O ambiente provocado pela pandemia tornou impossível deixar de tomar, de imediato, esse passo necessário para a superação das deficiências do Brasil na área de saneamento². O urgente passa a ser a implementação concreta do novo marco legal.
2. Normas de referência nacionais
Com o objetivo de promover uniformidade e segurança regulatórias e administrativas, a Lei nº 14.026 alterou a Lei nº 9.984 para atribuir à ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico competência para a edição de normas de referência nacionais, segundo os parâmetros e para os fins definidos na própria Lei nº 9.984 e na Lei nº 11.445.
Também modificou a Lei nº 11.445 para estabelecer mecanismos para a definição concreta da titularidade dos serviços e da correspondente competência regulatória (art. 8º da Lei nº 11.445), segundo o interesse seja local (inc. I) ou comum (inc. II). As competências administrativas e regulatórias dos titulares podem ser exercitadas de modo isolado ou regionalizado, segundo uma variedade de formas (art. 8º, § 1º).
A uniformidade regulatória pretende resolver uma dificuldade derivada da titularidade distrital ou municipal dos serviços de saneamento, consistente na fragmentação de sua disciplina. O exercício legítimo da titularidade local poderia conduzir a uma pluralidade de soluções, conforme os interesses de cada Município. Na linha do que já haviam previsto as Medidas Provisórias nº 844 e 868, a Lei nº 14.026 criou mecanismos para incentivar a adoção voluntária de regras uniformes e a regulação regionalizada dos serviços de saneamento,3 sem prejuízo da competência federal para a edição de normas gerais em vários aspectos envolvidos no setor de saneamento.
Como detalhado adiante, a solução adotada se alinha com uma perspectiva de concertação federativa ao incentivar a adesão dos Municípios e Distrito Federal e, nos casos de competência regionalizada, dos Estados à soft law4estabelecida pela ANA. Não se trata de atribuir à União competências que invadam atribuições locais, mas de dar eficácia às competências constitucionais administrativas da União no setor – e, por meio de normas cujo atendimento condiciona a destinação de recursos federais, realizar a uniformidade regulatória indispensável para estimular investimentos que conjugam a abrangência local na prestação com exigências de escala regional ou nacional em sua estruturação técnica ou econômico-financeira.
3. Fundamento constitucional
O art. 21, XX, da Constituição Federal (CF/88) atribui à União competência para “instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos”. O art. 23, IX, prevê ser competência comum da União, Distrito Federal, Estados e Municípios promover programas de melhoria das condições de saneamento básico. Em termos mais genéricos, há competência comum também para cuidar da saúde (art. 23, II), proteger o meio ambiente e combater a poluição (art. 23, VI), e competência concorrente para legislar sobre defesa da saúde (art. 24, XII). E há competência privativa da União para legislar sobre águas (art. 22, IV), apesar de a titularidade da água poder ser federal (art. 20, III) ou estadual (art. 26, I). O serviço de saneamento básico é definido pelo art. 3º da Lei nº 11.445 como abrangendo o abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de recursos sólidos e a drenagem e manejo de águas pluviais urbanas. Embora não se confunda com a disciplina da água, há forte impacto de tal serviços sobre a utilização e a manutenção das águas.5
Os dispositivos constitucionais que conformam as competências da União são amplos e contemplam grande variedade de instrumentos de ação de que a União se pode valer. Em certa medida, a definição dos meios disponíveis para os Estados, Distrito Federal e Municípios também é condicionada pela competência federal para a edição de normas gerais de licitações e contratações. Mesmo no que se refere especificamente a parâmetros substanciais de prestação dos serviços de saneamento, há papel próprio para a atuação da União.
Tais competências justificam que a União destine recursos próprios, não alcançados por transferências obrigatórias, para ações relativas a saneamento. Em grande medida, essa destinação ocorre mediante transferências voluntárias ou financiamento da União ou de entidades federais para outros entes políticos ou o oferecimento de garantias em ações realizadas por estes.6 O destinatário final de tais recursos é frequentemente o próprio prestador dos serviços, em regime de concessão comum ou parceria público-privada (PPP), que obtém financiamentos públicos federais ou recebe garantias baseadas em recursos federais.
4. Objeto das normas de referência da ANA
Conforme o art. 48, III, da Lei nº 11.445, a União, no estabelecimento de sua política de saneamento básico, deverá ter por diretriz a uniformização da regulação do setor e divulgação de melhores práticas, conforme o disposto na Lei nº 9.984, na redação da Lei nº 14.026. O art. 22, I, da Lei nº 11.445 estipula como um dos objetivos da regulação o estabelecimento de padrões e normas para a adequada prestação e a expansão da qualidade dos serviços e para a satisfação dos usuários, observando-se as normas de referência editadas pela ANA. O art. 4º-A, § 7º, da Lei nº 9.984 determina que é dever da ANA zelar pela uniformidade regulatória do setor de saneamento básico e pela segurança jurídica na prestação e na regulação dos serviços, observadas as peculiaridades locais e regionais. O dispositivo garante à ANA uma variedade de instrumentos normativos e concretos para a elaboração de estudos técnicos, edição de guias e manuais e capacitação de recursos humanos.
Nesse contexto, o art. 4º-A, § 7º, da Lei nº 9.984 prevê o objeto das normas de referência, descrito nos treze incisos do dispositivo, e o seu § 3º estabelece os objetivos a serem buscados pela ANA ao instituir tais normas.
5. Procedimento participativo
As normas de referência devem instituídas de forma progressiva pela ANA (art. 4º-A, § 2º, da Lei nº 9.984) e seu processo de instituição deverá necessariamente (i) avaliar as melhores práticas regulatórias do setor, além de ouvir as entidades encarregadas da regulação ou fiscalização e as entidades representativas dos Municípios, (ii) contemplar a realização de audiências públicas e (iii) conter também a atuação de grupos ou comissões de trabalho formados por entidades reguladoras ou fiscalizadoras e entidades representativas dos Municípios, para colaborar na elaboração das normas (art. 4º-A, § 4º, incisos I, II e III da Lei nº 9.984).
Esse procedimento participativo destina-se a prevenir conflitos regulatórios por meio do engajamento dos destinatários das normas de referência no processo de sua produção. O envolvimento dos entes reguladores locais favorece a adesão voluntária às soluções adotadas pelas normas de referência.
O procedimento para produção da Norma de Referência nº 1, aprovada pela Resolução ANA nº 79, de 14.7.2021, seguiu tal modelo participativo. A NR ANA nº 1/2021 trata da “regulação dos serviços públicos de saneamento básico, que dispõe sobre o regime, a estrutura e parâmetros da cobrança pela prestação do serviço público de manejo de resíduos sólidos urbanos, bem como os procedimentos e prazos de fixação, reajuste e revisões tarifárias”.7
6. Mecanismos de efetivação
Além de promover a colaboração entre a ANA e os entes reguladores locais na produção das normas de referência, a Lei nº 14.026 (na linha das Medidas Provisórias nº 844 e 868) adotou solução engenhosa para superar os problemas da regulação fragmentária do setor, consistente na utilização do spending power da União como sanção premial para a adesão dos entes reguladores às normas de referência a serem editadas pela ANA.
Ou seja, não pretendeu qualificar a competência atribuída à ANA para estabelecer normas de referência apenas como parte da definição de normas gerais8 federais para o setor, com caráter impositivo, como lhe cabe segundo algumas das competências constitucionais legislativas e administrativas da União.9 Ao contrário, a partir da constatação de que recursos federais objeto de transferência não obrigatória são indispensáveis ou, no mínimo, relevantes para as atividades de saneamento dos respectivos titulares, definiu que tais recursos seriam destinados aos serviços regulados por “entidades reguladoras e fiscalizadoras que adotam as normas de referência nacionais para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico” (art. 4º-B da Lei nº 9.984), conforme estabelece com mais detalhamento o art. 50 da Lei nº 11.445. O dispositivo se refere às diretrizes (art. 48) e objetivos (art. 49) da política federal de saneamento básico, bem como a diversas condições previstas no próprio art. 50. Agora o acesso a tais recursos se vincula também às normas de referência nacionais da ANA.
A competência para a edição de normas de referência não suprime a competência federal, que pode ser exercitada pela ANA, nos limites da Lei nº 9.984, para a edição de normas gerais, de observância obrigatória e não apenas vinculada a sanções premiais.
A utilização do spending power da União para orientar condutas de outros entes políticos é conhecida. Diversos dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101) adotam a solução de vedar transferências voluntárias da União para incentivar o cumprimento dos limites de despesas ou endividamento. Também é prevista no art. 28 da Lei de Parcerias Público-Privadas (Lei nº 11.079) para estimular o respeito ao limite financeiro das parcerias em curso.
7. Inexistência de delegação de função legislativa
Um ponto fundamental do regime adotado pela Lei nº 14.026, na sequência do estabelecido pelas Medidas Provisórias nº 844 e 868, é a natureza não impositiva das normas de referência da ANA. Trata de normas estabelecidas no exercício de competências administrativas próprias da União, cuja aceitação é prevista – entre outros requisitos – como condição para o acesso a recursos federais. Na expressão de André Cyrino, as normas de referência da ANA são instituídas como um soft law federativo, mas se podem converter em hard law (de validade a ser determinada) se as dificuldades dos Estados, Distrito Federal e Municípios e sua dependência financeira em relação à União tornarem irrealista e impraticável a liberdade de não aderir às normas de referência.10 Opinião mais contundente é exposta por Édis Milaré e Lucas Milaré, para quem a atribuição de poderes normativos à ANA “ofende a garantia constitucional da legalidade, autorizando a administração pública a usurpar a competência do Poder Legislativo”; para os autores, “o legislador acaba por utilizar um mecanismo coercitivo, uma vez que a perspectiva da ausência de dinheiro arrefece qualquer intenção de autonomia”. Criticam o “esvaziamento total da influência dos municípios, do Distrito Federal e dos estados”, com a edição de normas regulamentadoras pela ANA “mediante o subterfúgio de classificá-las como normas de referência”.11 Gilberto Bercovici reputa que o sistema da Lei nº 14.026 viola o pacto federativo: “Contrariando totalmente a autonomia política dos municípios, a União exigiu que eles se adequem à sua política de privatizações, privilegiando a concessão dos serviços ao setor privado ou as parcerias público-privadas, desestimulando a prestação direta do serviço público. Dessa forma, todos os municípios que buscarem recursos para o setor de saneamento serão obrigados a concordar com a abertura do setor aos agentes privados. A relação que deveria ser de coordenação torna-se uma relação de subordinação, violando o pacto federativo”.12
A despeito de tão expressivas opiniões contrárias, a atribuição à ANA de competência para a edição de normas de referência federais não ofende de modo genérico a garantia de legalidade. O art. 4º-A da Lei nº 9.984 não corresponde a uma atribuição aberta e ilimitada de exercício de funções normativas, mas contém uma delimitação de contornos materiais (§ 1º) e das finalidades e objetivos (§ 3º) do exercício de tais funções normativas. Não parece razoável ou necessário, em face da CF/88, que as normas referidas conceitualmente nos treze incisos do § 1º do art. 4º-A devessem ser editadas por meio de lei formal.
O tema foi levado ao STF por meio da ADI 6.492, cujo pedido de cautelar foi denegado em decisão de que se destaca o trecho seguinte:
“Da mesma forma, demanda maiores esclarecimentos a alegação de inconstitucionalidade do dispositivo que confere à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico o condão de criar normas de caráter regulamentador, como a regulamentação tarifária e a padronização dos instrumentos negociais, que seriam de competência dos municípios. Como visto, o artigo 20, inciso XX, da Constituição, ao conceder competência à União para instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, expressamente menciona o saneamento básico.
“Some-se que, em recente precedente, este Supremo reconheceu a competência regulatória de natureza técnico-administrativa de agência reguladora estadual de saneamento básico – sem prejuízo da competência comum aos entes para atuar na área. No caso, o Plenário considerou legítima a atribuição da AGERGS de prevenir e arbitrar, conforme a lei e os contratos, os conflitos de interesses entre concessionários e usuários ou entre aqueles e o Poder concedente (ADI 2095, Relatora CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 11/10/2019, DJe 26-11-2019).
“A concentração de função regulatória da ANA figurava igualmente de iniciativas anteriores de alteração do marco regulatório do setor, a exemplo das Medidas Provisórias 844/2018 e 868/2018, que não foram convertidas em lei. A medida, a princípio, pretende solucionar os riscos gerados pela sobreposição de entidades reguladoras. Ainda que, em certos casos, a coexistência seja benéfica e consentânea com a complexidade inerente a alguns sistemas, pode ser ineficiente, ao causar inconsistências, onerar excessivamente o usuário ou comprometer a clareza das diretrizes. Há, ainda, o risco de colapso das regras regulatórias em razão da dependência regulatória, em que a busca por legitimidade de cada agência por seu mandato é moldada pela conduta das outras, na contramão de uma cooperação regulatória (AHDIEH, Robert B. Dialectical regulation. Connecticut Law Review vol. 38. 2005. p. 865).
Certamente, a questão demanda um aprofundamento incompatível com a presente análise perfunctória”.13
8. Normas gerais (caráter obrigatório)
Também no âmbito da ADI 6.492, o MPF emitiu parecer opinando pela constitucionalidade da atribuição de competência à ANA para a edição de normas de referência:
“Há que se considerar que a edição da Lei 14.026/2020 atrela-se a exercício da competência legislativa da União para instituir diretrizes para o saneamento básico (art. 21, XX, da CF) e para editar normas gerais de contratos administrativos (art. 22, XXVII, da CF), muito em linha com a conformação legislativa já adotada na redação originária da Lei 11.445/2007 e, agora, reforçada pelo novel diploma.
Do mesmo modo, a instituição de referências de regulação, voltadas à incorporação de melhores práticas de gestão regulatória, alinha-se a tais previsões da Carta da República. A criação de normas de referência com aplicação nacional, por intermédio da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, é essencial para disciplinar os aspectos que exorbitam a esfera local e que, a um só tempo, sejam passíveis de uniformização. É, ademais, modo de mitigar desigualdades sociais e regionais, objetivo fundamental da República (art. 3º, III, da CF). Tal vetor é mormente importante em contexto de baixa capacidade institucional e regulatória, que é o cenário brasileiro. Desse modo, em consideração ao caráter voluntário da adoção das normas meramente referenciais, preservada a competência normativa dos municípios – que não fica sujeita a termo ou condição – não se vislumbra atentado à autonomia federativa de autoadministração e autogoverno desses entes”.
Não há esvaziamento ou submissão da competência executiva ou regulatória dos entes municipais: as normas federais serão referenciais, meros instrumentos de incentivo à padronização regulatória, são voltadas a emprestar maior comparabilidade aos indicadores de desempenho técnico, econômico-financeiro e ambiental, de modo a harmonizar os arranjos de gestão regulatória naquilo que transcende à competência local”.14
Essa opinião ilustra que a competência normativa atribuída à ANA tem uma dupla origem.
Na generalidade dos casos, a competência da ANA destina-se a disciplinar a utilização de recursos federais, estabelecendo os parâmetros para implementação da política pública da União nesse setor. Este é o campo das normas de referência de adoção voluntária, vinculadas à competência administrativa federal e ao spending power da União, previstas pelo art. 4º-A, §§ 1º e 3º, da Lei nº 9.984. O regime se aplica inclusive a previsões como as dos incs. VI e VII do § 3º,15 que outorgam à ANA a competência para o estabelecimento de parâmetros e critérios objetivos a serem adotados pelos titulares dos serviços.
Porém, determinadas atribuições da ANA refletem a competência regulamentar derivada da competência legislativa federal para a edição de normas gerais. Sob esse ângulo, trata-se da produção de normas de caráter obrigatório e vinculante, que vão além das normas de referência de adoção voluntária.
É o caso do art. 22 da Lei nº 11.445, alterado pela Lei nº 14.026 Ao tratar da regulação local, prevê que cabe ao regulador local “estabelecer padrões e normas para a adequada prestação e a expansão da qualidade dos serviços e para a satisfação dos usuários, com observação das normas de referência editadas pela ANA” (inc. I). O art. 23 também subordina a entidade reguladora local às normas da ANA: “A entidade reguladora, observadas as diretrizes determinadas pela ANA, editará normas relativas às dimensões técnica, econômica e social de prestação dos serviços públicos de saneamento básico, que abrangerão, pelo menos, os seguintes aspectos”. Nesse sentido, as normas de referência da ANA acerca de tais matérias específicas têm caráter obrigatório com a natureza de normas gerais regulamentares federais.
9. Legitimidade da utilização do spending power como sanção premial
Por outro lado, superada a objeção quanto à suposta delegação de competência legislativa à ANA, a utilização do spending power da União para obter o alinhamento voluntário da conduta de outros entes políticos a diretrizes federais é amplamente reconhecida como cabível. Trata-se de mecanismo de efetivação utilizado em diversos contextos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF, Lei Complementar nº 101/2001) sem que sua invalidade tenha sido declarada. No âmbito da LRF, as condutas em questão são condição para a realização de transferências voluntárias, definidas pelo art. 25 da LRF como “a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde”. As regras estabelecidas pela Lei nº 14.026 não têm a mesma clareza16 quanto à natureza dos recursos federais a que os demais poderiam ter o acesso vedado: alude-se genericamente à “obtenção de recursos públicos federais” ou expressões equivalentes na Lei nº 14.026 (art. 13, §§ 3º e 4º, sobre concessão ou privatização e regulação por outro ente federativo como condições para obtenção de prioridade nos recursos para o plano municipal de saneamento), na Lei nº 9.984 (art. 4º-B, caput, relação de entidades reguladoras e fiscalizadoras que adotam as normas de referência nacionais para “acesso aos recursos públicos federais ou a contratação de financiamentos com recursos da União”) e na Lei nº 11.445 (art. 50, condições iniciais e permanentes para acesso a recursos públicos federais e financiamentos). Cabe reconhecer que a Lei nº 14.026 não pode frustrar a destinação constitucional obrigatória de recursos, pelo que as restrições nela previstas, inclusive mediante alteração da Lei nº 9.984 ou da Lei nº 11.445, não podem afetar transferências constitucionais obrigatórias. No que se refere a eventuais transferências previstas em lei infraconstitucional, caberá adotar os critérios de solução de conflitos aparentes de normas – notadamente o critério da especialidade – para resolver tais conflitos. Diante da situação concreta, é possível que prevaleça o dever da União de efetivar a transferência prevista em norma anterior ou se dê aplicação à vedação na hipótese de não haver adesão às normas de referência. A questão será saber se a norma da Lei nº 14.026 é uma norma do mesmo grau de especialidade da norma anterior ou se é norma geral posterior que não derroga a especial anterior. Por decorrência, embora as vedações da Lei nº 14.026 somente se apliquem a transferências voluntárias da União,17 o conceito de transferência voluntária do art. 25 da LRF não se aplica às hipóteses da Lei nº 14.026, cujas vedações podem atingir transferências não constitucionalmente obrigatórias que decorram de determinação legal, dependendo da interação normativa em cada caso concreto.
O instrumento adotado pela Lei nº 14.026 é concebido como sanção premial ou positiva, por meio da qual o destinatário da norma é estimulado a realizar conduta que lhe proporcionará uma vantagem.18 No caso concreto, a vantagem consiste no acesso a recursos federais que o destinatário (ente político local) não teria o direito de obter exceto mediante um ato voluntário da União.
Embora o condicionamento de transferências voluntárias da União a determinados comportamentos dos demais entes políticos possa parecer inovador no setor de saneamento, é mecanismo amplamente conhecido nas finanças públicas. Em texto de 2001, tive a oportunidade de comentar regra semelhante da LRF nos termos seguintes:
“A LRF relaciona requisitos para que seja cabível a transferência voluntária (art. 25, § 1º). São requisitos diretamente relacionados com o princípio da legalidade (existência de dotação orçamentária), com vedações constitucionais (proibição de destinação para despesas com pessoal) – art. 167, X, da CF) e com o exercício de um poder de controle por parte do ente que promove a transferência (inciso IV, alíneas “a” a “c”).
“Esses últimos requisitos (inciso IV) não são diretamente relacionados com as transferências voluntárias, que nem mesmo se caracterizam como operações de crédito. Porém, correspondem a oportunidades de controle adicional sobre o cumprimento de disposições atinentes à limitação de despesas e endividamento e à destinação constitucional dos recursos. Sob certo ângulo, têm uma função de sanção premial: representam estímulo ao cumprimento dessas disposições por parte dos entes que pretendem obter transferências voluntárias. É questionável que se possam estipular requisitos com essa finalidade. Porém, podem ser reputados legítimos na medida em que não inovam em relação aos deveres jurídicos do ente beneficiário e valem-se do dito poder de controle para realizar tarefa de competência comum dos entes políticos (art. 23, I, da CF).
“O art. 23, § 3º, proíbe transferências voluntárias em favor de entes políticos que descumprirem as normas sobre limites de despesas com pessoal, em certos casos. O art. 31, § 2º, proíbe o recebimento de transferências voluntárias que descumprir as regras acerca da recondução da dívida aos limites fixados pelo Senado Federal. O § 3º do art. 33 estende essa sanção também ao ente político que deixar de promover o cancelamento de operação de crédito indevidamente contratada com instituição financeira.
“Nos termos do art. 25, § 3º, essas sanções não atingem as transferências voluntárias relativas a ações de educação, saúde e assistência social. Embora essa exceção possa impedir a efetividade prática da sanção em muitos casos, trata-se de materialização de princípios e objetivos fundamentais da República consagrados nos arts. 1º, III, e 3º, I e III, da CF. Baseia-se na constatação de que os beneficiados por tais programas de assistência não podem ser penalizados por defeitos na administração do ente beneficiário da transferência.
“A inclusão dessa regra frustra, de certo modo, a aplicação do requisito do § 1º, inciso IV, “c”, do art. 25, no que se refere às transferências voluntárias com essas finalidades específicas. É que o descumprimento dos limites e demais determinações da LRF não pode conduzir ao impedimento de tais transferências. Não é cabível, por tanto, que um ente político recuse-se a promover a transferência voluntária nessas áreas sob o fundamento de que o ente beneficiário teria descumprido o item “c” do § 1º, inciso IV do art. 25. O requisito somente é inteiramente aplicável às transferências que tenham por finalidade o financiamento de despesas em outras áreas”.19
A validade do condicionamento de transferências voluntárias especificamente em relação ao art. 11 da LRF (prévio exercício eficiente da competência tributária do ente beneficiário) foi levada ao STF por meio da ADI 2.238, que, neste ponto específico, teve sua cautelar indeferida ainda em 2001 e foi julgada improcedente no mérito em 24 de junho de 2020, juntamente com as demais ADI relativas à LRF (ADI 2.241, 2.256, 2.261, 2.324 e 2.365, considerando que a ADI 6.357 já havia sido extinta).20
Cabe destacar que nenhuma outra das diversas regras da LRF que tratam do condicionamento de transferências voluntárias a condutas fiscalmente responsáveis foi sequer impugnada perante o STF nas várias ADI propostas. O único dispositivo impugnado foi o parágrafo único do art. 11, relacionado com o exercício de competência tributária. O voto do relator, Ministro Alexandre de Moraes, prevaleceu como a orientação unânime do STF nesse particular. Afastou a inconstitucionalidade em face do art. 160 da CF/88, invocado na ADI. Porém, extraem-se do voto considerações adicionais que são úteis para a aferição da compatibilidade entre o sistema instituído pela Lei nº 14.026 e a CF/88:
“Embora a impropriedade do argumento seja evidente, cumpre fazer algumas considerações adicionais ao fundamento geral já apresentado de respeito ao princípio federativo, tendo em vista que, como o art. 160 da Constituição Federal representa uma das garantias institucionais da autonomia dos entes federativos, há quem sustente, a meu ver erroneamente, que a vedação prevista nessa norma da LRF atentaria contra o pacto federativo estabelecido na CF, principalmente se considerada a sua perspectiva cooperativa.
“Alega-se que a avaliação a respeito da instituição ou não de tributos seria uma competência estabelecida privativamente em favor de cada pessoa política da federação. E, não obstante a realização de transferências dessa espécie esteja sob avaliação discricionária da União, o imperativo de solidariedade implícito na federação brasileira reclamaria um papel mais incisivo do ente central na redução das desigualdades regionais, a ser exercido mediante a promoção de auxílio a Municípios em situação de incapacidade financeira.
“Essa tese também não merece acolhida, pois o que o dispositivo legal pretende evitar é que o desequilíbrio fiscal causado pelo excesso de isenções tributárias estaduais/distritais e municipais precise ser compensado pela União, ou em outras palavras, pretende-se evitar que a irresponsabilidade fiscal do ente federativo, por incompetência ou populismo, seja sustentada e compensada pela União, em detrimento dos demais entes federativos. Pretende se, pois, evitar que alguns entes federativos façam “cortesia com chapéu alheio”, causando transtorno ao equilíbrio econômico financeiro nacional.
“O motivo para isso está ancorado não apenas em argumentos jurídicos, como também em evidências históricas levantadas pela economia política. As teorias do Federalismo Fiscal buscam explicar, a partir da análise de diferentes arquiteturas institucionais, como os gastos públicos podem ganhar em eficiência.
“Parte desse trabalho pressupõe a identificação de efeitos adversos (externalidades) gerados em determinados modelos de financiamento e a elaboração de propostas de superação. Uma das perplexidades captadas pela Ciência Econômica é pertinente à baixa eficiência dos gastos públicos bancados por transferências intergovernamentais, em relação àqueles sustentados por recursos próprios. Esse fenômeno (efeito flypaper) é muito comum na realidade municipal brasileira e causa distorções graves na experiência federativa nacional.
“As transferências voluntárias da União, componente importante da receita municipal, desempenham papel significativo no propósito de superação de desigualdades regionais, objetivo fundamental da República.
“É válido consignar, aliás, que esse modelo de financiamento complementar, que é uma das bases do federalismo cooperativo brasileiro, ganharia bastante em qualidade, previsibilidade e efetividade, caso fosse regido por regras gerais estabelecidas em lei complementar, diminuindo-se o excessivo subjetivismo da União.
“A intensa dependência, todavia, de muitos Estados e, principalmente, de Municípios, em relação aos recursos advindos de transferências voluntárias, não é um dado positivo do modelo de cooperação aqui praticado, e sim uma evidência das distorções que ele é capaz de gerar.
“O que se espera, num ambiente federativo saudável, é que os diversos níveis de descentralização sejam autossuficientes, isto é, capazes de cumprir suas atribuições a contento, tanto do ponto de vista financeiro, quanto na vertente operacional.
“Assim, se houver insuficiência de recursos, devem os entes federativos, para além de um controle mais rigoroso de suas despesas, diligenciar em busca de uma maior arrecadação dentro do seu próprio orçamento.
“Afinal, isso responde a uma premissa básica de subsidiariedade, ínsita a qualquer organização federativa, segundo a qual a tributação deve recair, preferencialmente, sobre as disponibilidades econômicas daqueles que são mais beneficiados pelas ações estatais.
“Se a ação estatal é local, faz todo sentido que ela seja financiada por receita tributária gerada por impostos locais. Apenas nas hipóteses em que, mesmo com a efetiva arrecadação dos impostos locais, as dificuldades de custeio persistam, é que a federação deve lançar mão de outros instrumentos fiscais, que envolvam recursos exigidos de contribuintes de outras regiões.
“Isso demonstra que a mensagem normativa do parágrafo único do art. 11 da LRF, de instigação ao exercício pleno das competências impositivas dos entes locais, não conflita com a Constituição, traduzindo, na verdade, um raciocínio de subsidiariedade totalmente consentâneo com o princípio federativo, pois não é saudável para a Federação que determinadas entidades federativas não exerçam suas competências constitucionais tributárias, aguardando compensações não obrigatórias da União. Tal prática sobrecarrega o conjunto de Estados e Municípios, e erroneamente privilegia o populismo político local”.21
A fundamentação do voto destaca os dois aspectos relevantes da questão sob o ângulo da Lei nº 14.026. De um lado, há a avaliação discricionária da União na realização de transferências voluntárias. De outro, há a pauta constitucional de redução das desigualdades regionais – à qual se agregam, no campo específico de saneamento, diversas outras diretrizes de promoção da saúde e do aprimoramento das condições adequadas de vida. Permeiam os dois ângulos do tema a premissa de exercício responsável e eficiente das atribuições financeiras próprias de cada ente político e a superação da dependência em relação a transferências voluntárias federais.
A Lei nº 14.026 traduz uma opção da União, no exercício de suas próprias competências constitucionais, no sentido de destinar recursos de outorga voluntária aos entes políticos cuja atuação se compatibilize com as diretrizes estabelecidas na Lei nº 14.026 sobre como realizar as finalidades constitucionais relativas ao setor de saneamento básico. Não implica frustração dos deveres da União quanto à redução das desigualdades regionais ou violação do federalismo cooperativo, mas a racionalização da destinação de recursos federais a partir de premissas sistematizadas na Lei nº 14.026 e retratadas nas normas de referência da ANA. Nada disso impede o exercício individual ou cooperativo, por parte de Estados, Distrito Federal ou Municípios, de suas competências com o emprego de seus próprios meios.
Portanto, a experiência na aplicação prática da LRF em relação ao condicionamento de transferências voluntárias, a confirmação da validade do parágrafo único do art. 11 da LRF e o obiter dictum constante do item III.2 do acórdão do STF na ADI 2.238 favorecem o reconhecimento da validade das previsões da Lei nº 14.026 que subordinam o acesso a recursos federais (transferências voluntárias) a adesão às normas de referência da ANA e outras diretrizes da legislação federal.
Mais recentemente, no bojo da já mencionada ADI 6.492, o MPF adotou o mesmo entendimento firmado no julgamento da ADI 2.238. Ao tratar da Lei nº 14.026, o MPF opinou pela constitucionalidade do uso do spending power da União para incentivar a adoção das normas de referência editadas pela ANA:
“Trata-se de regulação por incentivos ou por indução (‘soft regulation/ sunshine regulation’): em lugar de impor-se sanção de índole punitiva, são conferidos incentivos, inclusive financeiros, a consubstanciar modalidade de sanção premial, em linha com as melhores práticas regulatórias internacionais, tal e qual a literatura especializada preconiza: (…). (…)
Quanto ao condicionamento ao acesso a recursos federais, há que se verificar que não houve limitação aos recursos públicos cujo repasse seja constitucionalmente obrigatório. Não há vedação a recursos próprios de municípios. O âmbito de aplicação da norma circunscreve-se aos recursos federais, em relação aos quais os municípios não têm direito próprio. O condicionamento da destinação de recursos federais via transferências voluntárias já pode ocorrer ao atendimento de certas metas, objetivos, obrigações pelos entes recebedores. Desse modo, o condicionamento sequer demanda lei disciplinadora das condições para a percepção das dotações. Nada obstante, em apreço à segurança jurídica, não há vedação a que haja disciplina em lei formal. Respeitado o núcleo essencial da separação de Poderes (arts. 2º e 60, § 4º, da CF/1988), o Poder Legislativo pode delimitar a autonomia entre os Poderes, a fim de que se concretizem os direitos fundamentais e de que se atinjam os objetivos fundamentais da Constituição Federal. Tanto é assim que a Lei Complementar 101/200 estabelece critérios à realização de transferências voluntárias, além daqueles exigidos pela Lei de Diretrizes Orçamentárias. Nada obsta a que leis ordinárias também o façam, motivadamente e com vistas a atender a interesses públicos”.22
10. Procedimentos da ANA para efetivação das normas de referência
Compete à ANA verificar periodicamente a adoção das normas de referência pelos demais entes políticos (art. 4º-B, § 2º), a qual também será examinada obrigatoriamente “no momento da contratação dos financiamentos com recursos da União ou com recursos geridos ou operados por órgãos ou entidades da administração pública federal”. Cabe à ANA inclusive avaliar o impacto regulatório e o cumprimento das normas de referência pelos órgãos e entidades responsáveis pela regulação e fiscalização dos serviços (art. 4º-A, § 6º).
A Lei nº 14.026 não é clara acerca de como deve ser aferida a adoção – por exemplo, se pode ser apenas parcial (limitada a determinadas normas, setores ou operações) ou deve ser generalizada. Para evitar dúvidas quanto aos critérios para este exame, compete à ANA editar ato normativo com requisitos e procedimentos “de modo a preservar as expectativas e os direitos decorrentes das normas a serem substituídas e a propiciar a adequada preparação das entidades reguladoras” (art. 4º-B, § 1º). Impõe-se à ANA que observe o devido processo legal regulatório, com a necessária oitiva do setor e a realização de consultas e audiências públicas (art. 4º A, § 4º), realize estudos técnicos (art. 4º-A, § 10) e esteja disponível para, de modo voluntário e mediante concordância dos interessados, realizar atividades de prevenção ou solução administrativa de “conflitos que envolvam titulares, agências reguladoras ou prestadores de serviços públicos de saneamento básico”.
11. Incentivo ao cumprimento espontâneo pelo regulador local
Conforme exposto em tópico anterior, o mecanismo adotado pela Lei nº 14.026 cria incentivos positivos para que a sociedade e os entes regulados exercitem eles próprios o controle social dos entes reguladores, por meio dos instrumentos de participação social23 ou mesmo do exercício formal de direitos subjetivos públicos, exigindo dos reguladores estaduais, regionais ou municipais a adoção das normas de referência nacionais como forma de assegurar o acesso a recursos federais.
A clareza no regime adotado pela Lei nº 14.026 permite que a sociedade civil se valha inclusive de instrumentos como a ação popular ou a ação civil pública, conforme o caso e observadas as regras de reconhecimento de legitimação processual, para exigir que os entes políticos locais e os respectivos reguladores ajam de modo responsável na adesão ou não às normas de referência. Embora seja possível e legítimo que os entes locais decidam não aderir ao regime derivado das normas de referência – essa é até mesmo a premissa que confirma a validade do regime estabelecido pela Lei nº 14.026 –, estão sujeitos à necessária accountability, cabendo-lhes prestar contas por opção que impede legalmente a obtenção de recursos federais objeto de transferência voluntária.
12. Outros instrumentos para a uniformidade regulatória
Além do mecanismo de impedimento de acesso a recursos federais, as alterações da Lei nº 11.445 estabelecem outras formas de promoção da efetividade das normas de referência da ANA.
O art. 25-A da Lei nº 11.445 reitera a competência da ANA para a instituição de normas de referência. O art. 22, I, prevê que um dos objetivos da regulação é “estabelecer padrões e normas para a adequada prestação e a expansão da qualidade dos serviços e para a satisfação dos usuários”, observando-se as “normas de referência editadas pela ANA”. O art. 23, § 1º-B, prevê que a agência reguladora, depois de selecionada, “não poderá ser alterada até o encerramento contratual, salvo se deixar de adotar as normas de referência da ANA”. Uma das condições para que o titular do serviço possa aderir a uma agência reguladora em outro estado da Federação é justamente que “não exista no Estado do titular agência reguladora constituída que tenha aderido às normas de referência da ANA” (art. 23, § 1º-A, I).
13. Conclusão
O objetivo da Lei nº 14.026 é incentivar a adoção efetiva da regulação uniforme, prevenindo conflitos regulatórios a partir da compreensão da multiplicidade de centros de poder existentes no setor de saneamento, como os titulares dos serviços, em atuação isolada ou conjunta, e as correspondentes agências reguladoras estaduais, regionais ou municipais.
Os instrumentos adotados não dependem apenas da iniciativa das agências reguladoras em observar as normas de referência, mas atribuem aos titulares do serviço, aos entes regulados e à sociedade os meios para exigir essa observância. Com isso, incentivam o cumprimento espontâneo das normas de referência pelos entes reguladores e criam condições para se evitar ou corrigir a frustração da diretriz legal de coerência regulatória.
14. Referências
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STF, ADI 2238, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, j. 24.06.2020, DJe 15.09.2020.
STF ARE 1052019/SP, Rel. Min. EDSON FACHIN, j. 31.08.2017, DJe 04.09.2017.
TCU, Acórdão 31/2017, TC 046.061/2012-6 (Consulta), Rel. Min. AUGUSTO SHERMAN CAVALCANTI, Plenário, Data da sessão: 18/01/2017.
VASCONCELOS, Andréa Costa de; LIMA, Priscilla da Costa. Limites de atuação da entidade reguladora de saneamento básico. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 15, n. 60, p. 9-25, out./dez. 2017.
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1Agradeço a Victor Luis Portela Rocha e Matheus Guimarães Pitto, da Justen, Pereira, Oliveira e Talamini (São Paulo), a colaboração com a pesquisa para a elaboração deste texto. O artigo integra a obra coletiva O Novo Direito do Saneamento Básico – Estudos sobre o novo marco legal do saneamento básico no Brasil (de acordo com a Lei 14.026/2020 e respectiva regulamentação). Org. GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Fórum: Belo Horizonte. 2021 (no prelo). Versão anterior do texto havia sido publicada em CUNHA FILHO, Alexandre Jorge Carneiro da; ARRUDA, Carmen Silvia Lima de; RODRIGUES LIMA, Guilherme Corona e BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho (Org.). Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico no Brasil. Estudos Sobre a Nova Lei Nº 14.026/2020. Volume 2. São Paulo: Quartier Latin, 2021, sob o título “Normas de Referência da ANA e Conflitos Regulatórios”.
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2 Sobre o histórico de tais deficiências e a evolução normativa do setor, cf. MILARÉ, Édis. MILARÉ, Lucas Tamer. O marco regulatório do saneamento ambiental. Disponível em https://www.migalhas.com.br/arquivos/2020/9/F7D8BB20738D5D_PNSBMIGALHAS.pdf. Acesso em 29 set 2020.
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3 Sobre a relevância da uniformidade regulatória e a validade da atribuição de competências à ANA, ainda sob o regime da MP nº 844, cf. MOREIRA, Egon Bockmann; CAGGIANO, Heloisa Conrado; GOMES, Gabriel Jamur. O novo marco legal do saneamento básico (Os pontos mais importantes da Medida Provisória nº 844/2018). Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 16, n. 63, p. 89-116, jul./set. 2018. Em sentido contrário, VASCONCELOS, Andréa Costa de; LIMA, Priscilla da Costa. Limites de atuação da entidade reguladora de saneamento básico. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 15, n. 60, p. 9-25, out./dez. 2017. O tema da necessidade de coerência regulatória já havia sido examinado em DINIZ, Cláudio Smirne. Saneamento básico e regulação. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, ano 17, n. 27, jul./ set. 2009.
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4 CYRINO, André. A nova Agência Nacional de Águas e as normas de referência: soft law federativo? Disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-nova-agencia-nacional-de-aguas-e-as-normas-de-referencia-soft-law-federativo-23092020. Acesso em 29 set 2020.
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5 Sobre a vinculação entre os serviços de saneamento e a titularidade dos recursos hídricos, cf. MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Aspectos regulatórios em um novo modelo para o setor de saneamento básico no brasil. Boletim de Direito Administrativo, v. 9, p. 697-708, 2002.
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6 É polêmica a caracterização de atividades de saneamento como gastos com saúde para os fins constitucionais: ARE 1052019/SP, Rel. Min. EDSON FACHIN, j. 31.08.2017, DJe 04.09.2017. No âmbito do TCU, já se decidiu que “as despesas relativas a saneamento básico que podem ser consideradas para fins de cumprimento do valor mínimo a ser destinado à área saúde, previsto no art. 198, § 2º, I, da CF/1988, foram definidas em rol exaustivo no art. 3º da LC 141/2012”. TCU, Acórdão 31/2017, TC 046.061/2012-6 (Consulta), Rel. Min. AUGUSTO SHERMAN CAVALCANTI, Plenário, Data da sessão: 18/01/2017.
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7 Sobre o procedimento de aprovação da NR ANA nº 1/2021, cf. https://www.gov.br/ana/ptbr/assuntos/noticias-e-eventos/noticias/ana-aprova-norma-de-referencia-para-contribuir-para-o-fim dos-lixoes.
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8 Paulo de Bessa Antunes assimila as normas de referência nacionais às normas gerais editadas com base no art. 24 da CF/88 ao menos no que se refere ao seu campo material de abrangência (ANTUNES, Paulo de Bessa. Breves considerações sobre o novo marco regulatório do saneamento básico – Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020. Publicado em Gen Jurídico.com.br. Acesso em 29 set. 2020. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2020/07/23/marco-regulatorio-saneamento-basico/). Parece-me, ao contrário, que a intenção da Lei nº 14.026 foi precisamente afastar-se do regime da competência concorrente e estabelecer normas federais com um detalhamento maior do que o de normas gerais, porém de aplicação meramente facultativa e de adesão voluntária. Sobre a necessidade de se definirem limites materiais para as normas de referência que não esvaziem as atribuições regulatórias dos titulares do serviço de saneamento, cf. GRAZIANO, Luiz Felipe Pinto Lima. O PL 3.261/2019 e a questão das normas de referência da ANA para a regulação dos serviços de saneamento básico. In: Agência Infra. Acesso em 29 set. 2020. Disponível em: https://www.agenciainfra.com/blog/infradebate-o-pl-3-261-2019-e-a-questao-das-normas-de-referencia-da-ana-para-a-regulacao-dos-servicos-de-saneamento-basico/#.
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9 Os arts. 22 e 23 da Lei nº 11.445, alterados pela Lei nº 14.026, estabelecem hipóteses em que as normas de referência da ANA são de observância obrigatória, com caráter de normas gerais.
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10 CYRINO, André. cit.
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11 MILARÉ, Édis. MILARÉ, Lucas Tamer. O marco regulatório do saneamento ambiental. Disponível em https://www.migalhas.com.br/arquivos/2020/9/F7D8BB20738D5D_PNSBMIGALHAS.pdf. Acesso em 29 set 2020
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12 BERCOVICI, Gilberto. As inconstitucionalidades da nova lei do saneamento. Disponível em https://www.conjur.com.br/2020-set-27/estado-economia-inconstitucionalidades-lei-saneamento. Acesso em 29 set 2020.
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13 Os arts. 3º, 5º, 7º, 11, 13, 14 e 18 da Lei nº 14.026 foram impugnados na ADI 6.492 com base nos arts. 3º, III e IV, 21, XX, 23, IX, 29, caput, 30, I e V, 37, caput e XXI, 165, § 7º, 170, VII, e 241 da CF/88. A cautelar foi denegada em decisão monocrática do Relator, Ministro Luiz Fux, em 3 ago 2020. Tramita também perante o STF a ADI 6536.
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14 Parecer emitido pelo MPF na ADI 6.492.
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15 VI – estabelecer parâmetros e periodicidade mínimos para medição do cumprimento das metas de cobertura dos serviços e do atendimento aos indicadores de qualidade e aos padrões de potabilidade, observadas as peculiaridades contratuais e regionais;
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16 Outro ponto em que o regime da LRF é mais claro é o afastamento das restrições no caso de calamidade pública: Nota Técnica do Ministério da Economia (SEI nº 21231/2020/ME) sobre “Contabilização de Recursos Destinados ao Enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional Decorrente do Coronavírus (COVID-19)”. Disponível em <https://siconfi.tesouro.gov.br/siconfi/pages/public/arquivo/conteudo/Nota_Tecnica_SEI_n_21231_20 20_ME_Atualizada.pdf>. Acesso em 29 set 2020.
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17 Nesse sentido, André Cyrino, cit
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18 Tal mecanismo remonta às lições de Norberto Bobbio acerca da função promocional do Direito: BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de Teoria do Direito. Barueri : Manole. 2007. Sobre o tema, cf. JUSTEN FILHO, Marçal. Introdução ao Estudo do Direito. Brasília : edição do autor. 2020. p. 335.
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19 PEREIRA, Cesar A. Guimarães. O endividamento público na lei de responsabilidade fiscal. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Aspectos relevantes da lei de responsabilidade fiscal. São Paulo: Dialética, 2001.
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20 STF, ADI 2238, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, j. 24.06.2020, DJe 15.09.2020.
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21 Item III.2 do voto do Ministro Alexandre de Moraes na ADI 2.238. O tema é examinado também por BROLIANI, Jozélia Nogueira. Responsabilidade na gestão fiscal: reflexões pontuais da Lei Complementar nº 101/2000 no contexto dos Estados-membros. Revista de Direito Administrativo e Constitucional – A&C, ano 23, n. 16. 2004. FREITAS, Juarez. Responsabilidade Fiscal: Exame de Conjunto e Alguns Aspectos Relevantes da Lei Complementar 101/2000. São Paulo, Interesse Público – IP, ano 3, n. 9, p. 34-46, jan./mar. 2001. Interesse Público ‐ IP Belo Horizonte, ano 3, n. 9, jan. /mar. 2001. CARVALHO, José Augusto Moreira de. A lei de responsabilidade fiscal sob a ótica dos princípios federativo e da separação de poderes. In Revista Tributária e de Finanças Públicas, vol. 74/2007, p. 64 – 102, Maio – Jun/2007. ABREU, Rogério Roberto Gonçalves de. A inconstitucionalidade do art. 11 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000). In Revista Tributária e de Finanças Públicas, vol. 46/2002, p. 271 – 277, Set – Out / 2002.
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22 Fls. 65/67 do parecer emitido pelo MPF na ADI 6.492.
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23 A Nota técnica nº 7 da ANA apresenta a proposta de agenda regulatória para o saneamento básico e a submete a consulta pública: https://participacao-social.ana.gov.br/Consulta/82. Acesso em 29 set 2020.