Informativo Eletrônico - Edição 193 - Março / 2023

NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS AGORA É PARA VALER…

Alexandre Wagner Nester

1. Aplicação obrigatória a partir de 1º de abril de 2023

A Lei 14.133 entrou em vigor na data da sua publicação, em 1º de abril de 2021 (art. 194).

Durante os dois últimos anos, a nova Lei conviveu com a legislação anterior por força do disposto no seu art. 193, inc. II, que determinou a revogação definitiva – em dois anos – da Lei 8.666, da Lei 10.520¹ e dos arts. 1º a 47-A da Lei 12.462.

Neste período, a aplicação da Lei 14.133 foi tímida, senão inexistente, especialmente em razão da falta de regulamentação. A maioria dos processos licitatórios continuou sendo realizada com base nas leis anteriores: Lei 8.666, Lei do Pregão e Lei do RDC.²

Porém, a partir de 1º de abril de 2023, salvo se sobrevier medida provisória dispondo em sentido contrário, a aplicação da nova Lei passa a ser obrigatória para todos os processos licitatórios instaurados pelas Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

2. A regra de transição estabelecida pelo TCU para a Administração Pública Federal

Nos últimos meses, surgiu dúvida entre os gestores públicos acerca da data limite para aplicação das leis revogadas, em especial para os processos licitatórios já iniciados, mas sem edital publicado.

Essa questão foi submetida ao Tribunal de Contas da União na Representação 000.586/2023-4 e resolvida pelo Plenário por meio do Acórdão 507/2023, proferido em 22/03/2023.³

O TCU decidiu que a Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, bem como os demais entes que se utilizem de recursos públicos federais, poderão aplicar a legislação antiga aos processos licitatórios já iniciados desde que: (i) a opção de licitar pela lei anterior seja externada pela autoridade competente até 31/03/2023 e (ii) o respectivo edital seja publicado até 31/12/2023.

3. A necessidade de regulamentação da nova Lei

A Lei 14.133 precisa ser regulamentada para ser aplicada. É verdade que boa parte dos seus dispositivos tem aplicação imediata e automática. Mas existem diversas matérias que exigem regulamentação.

A nova Lei contém regras autoaplicáveis de cunho penal, sobre recursos administrativos, e que estabelecem o dever de planejamento e de governança nas contratações públicas.

Também contempla soluções que, muito embora possam ser futuramente disciplinadas por regulamento, podem ser extraídas da interpretação sistemática do ordenamento jurídico.

Contudo, vários dispositivos dependem de regulamentação específica para fixação de critérios, soluções e providências que são indispensáveis à sua aplicação.

4. A regulamentação no âmbito federal

Uma relação completa dos atos normativos já expedidos pela União, no exercício da competência privativa para editar normas regulamentares gerais, está disponível no Portal de Compras do Governo Federal.⁴

O Portal de Compras disponibiliza inclusive os modelos de editais e demais documentos padronizados para a realização de licitações com base na nova Lei, elaborados em parceria entre a Seges/ME e a Advocacia-Geral da União.⁵

Merecem especial destaque os atos normativos relativos à (1) contratação por dispensa de licitação, (2) criação do Comitê Gestor da Rede Nacional de Contratações Públicas e do Portal Nacional Contratações Públicas, (3) licitação eletrônica por critério de maior preço ou maior desconto e (4) licitação eletrônica por critério de técnica e preço.

4.1. A regulamentação das contratações por dispensa de licitação

O primeiro ato normativo editado na esfera federal para regulamentação Lei 14.133 foi a Instrução Normativa SEGES/ME 67, de 8 de julho de 2021, que dispõe sobre a dispensa de licitação, na forma eletrônica, e institui para tanto o Sistema de Dispensa Eletrônica.

Isso permitiu que diversas contratações fossem realizadas nos últimos meses com base no artigo 75 da nova Lei, que estabelece o rol taxativo das hipóteses de contratação direta por dispensa.

4.2. A criação do Comitê Gestor da Rede Nacional de Contratações Públicas e do Portal Nacional Contratações Públicas

Outro passo importante foi dado em agosto de 2021 com a edição do Decreto 10.764, de 09 de agosto de 2021, que dispõe sobre o Comitê Gestor da Rede Nacional de Contratações Públicas, de que trata o § 1º do art. 174 da Lei 14.133.

Um dos efeitos práticos mais relevantes dessa regulamentação foi a instituição, ainda em agosto de 2021, pelo Comitê Gestor, do Portal Nacional Contratações Públicas (PNCP) previsto no art. 174 da Lei 14.133 (https://pncp.gov.br/).

O objetivo do PNCP é garantir máxima transparência para as contratações públicas, concentrando toda a informação pertinente, a todo cidadão, em tempo real e em qualquer lugar.⁶

4.3. A regulamentação sobre o procedimento da licitação eletrônica por critério de maior preço ou maior desconto

Outro marco fundamental foi a edição, no final de setembro de 2022, pela Secretaria de Gestão do Ministério da Economia, da Instrução Normativa SEGES/ME n° 73/2022, para regulamentação do procedimento da licitação eletrônica pelos critérios de julgamento de maior preço ou maior desconto.

Por meio dessa Instrução Normativa, que entrou em vigor no dia 1º de novembro de 2022, os entes e órgãos da Administração Pública federal podem realizar certames eletrônicos com base no critério de menor dispêndio para contratação de bens, serviços e obras, especialmente na modalidade de pregão eletrônico, que concentra a maior parte das licitações públicas atualmente.⁷

4.4. A regulamentação sobre o procedimento da licitação eletrônica por critério de técnica e preço

Mais recentemente, em 07/02/2023, houve a edição da Instrução Normativa SEGES/MGI nº 2/2023, pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Recursos Públicos, para dispor sobre a licitação pelo critério de julgamento por técnica e preço, na forma eletrônica, no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional.

De acordo com essa regulamentação, os entes indicados poderão instaurar processos licitatórios pelo critério de julgamento baseado na maior pontuação obtida a partir da ponderação, segundo fatores objetivos previstos no edital, das notas atribuídas aos aspectos de técnica e de preço da proposta (técnica e preço), nas modalidades de concorrência e diálogo competitivo.

5. Conclusão

Os atos normativos acima destacados representaram importantes marcos, mas não resolvem integralmente o problema. Ainda faltam dezenas de regulamentos a serem editados pela União (no exercício da competência privativa para editar normas regulamentares gerais) e demais entes federativos (no exercício das suas respectivas competências), a fim de que a nova Lei de Licitações possa ser integralmente aplicada.

A ausência de regulamentação exaustiva dificulta a aplicação do novo regime licitatório, gerando insegurança jurídica. Conforme destacou MARÇAL JUSTEN FILHO em entrevista para o Jornal Estado de São Paulo, boa parte da Administração Pública ignorou a existência da nova Lei, já que a sua aplicação era facultativa, e isso pode gerar um “choque” para esses gestores a partir de agora, já que a nova Lei contempla exigências e controles muito mais minuciosos e rigorosos (confira aqui).

A partir de 1º de abril de 2023, salvo se sobrevier medida provisória dispondo em sentido contrário, não haverá alternativa à aplicação da Lei 14.133. A regulamentação que falta precisa ser editada com urgência. O modus operandi da Administração Pública precisa ser devidamente ajustado para as novas exigências. Os gestores públicos precisam se adaptar rapidamente ao novo regime, sob pena de responderem pela aplicação indevida de regras que ainda não foram totalmente assimiladas na prática da Administração Pública.

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¹O art. 193, inc. I, da nova Lei já havia revogado de imediato os arts. 89 a 108 da Lei 8.666, que dispõem sobre os crimes, as penas, os processos e os procedimentos judiciais em matéria de licitações e contratos públicos.

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²O art. 190 da nova Lei deixou claro que os contratos firmados antes da entrada em vigor da nova Lei continuarão a ser regidos pelas regras da legislação revogada. Já o art. 191 possibilitou à Administração optar por um ou outro regime durante o período de convivência dos dois regimes, vedada a aplicação combinada.

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³Essa decisão e os detalhes do julgamento são objeto do artigo de ISABELLA FONSECA, publicado nesta edição do Informativo Eletrônico.

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⁴Regulamentação: https://www.gov.br/compras/pt-br/nllc/lista-de-atos-normativos-e-estagios-de-regulamentacao-da-lei-14133-de-2021.pdf

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⁵Modelos de documentos: https://www.gov.br/compras/pt-br/nllc/modelos-de-licitacoes-e-contratos

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⁶Sobre o tema, vale a leitura do artigo publicado por FERNÃO JUSTEN DE OLIVEIRA e MARIA JULIA BEZERRA CASTELO BRANCO na edição nº 174 (agosto/2021) deste Informativo Eletrônico (acesse aqui).

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⁷Um resumo preciso das novidades contidas nessa importante regulamentação pode ser conferido no artigo elaborado por MARÇAL JUSTEN NETO, publicado na edição nº 188 (outubro/2022) deste Informativo Eletrônico (acesse aqui).

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Alexandre Wagner Nester
Mestre em Direito do Estado pela UFPR. Doutor em Direito do Estado pela USP. Sócio da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Alexandre Wagner Nester
Mestre em Direito do Estado pela UFPR. Doutor em Direito do Estado pela USP. Sócio da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.