Informativo Eletrônico - Edição 127 - Setembro / 2017

O ESTADO EMPRESÁRIO

Mayara Gasparoto Tonin

Recentemente, foi lançado pela Editora Almedina o livro “O Estado acionista: empresas estatais e empresas privadas com participação estatal”, do sócio Rafael Wallbach Schwind. O livro trata da participação do Estado como acionista de empresas estatais e de empresas privadas. 

As empresas estatais, “entes dotados de características empresariais, ainda que integrem a Administração Pública”¹, englobam as empresas públicas², sociedades de economia mista³, subsidiárias e controladas⁴. 

As empresas privadas com participação estatal⁵, tema central do livro, são definidas pelo autor como “as sociedades comerciais privadas, não integrantes da Administração Pública, em que o Estado, diretamente ou por meio de um ente estatal, participa como sócio e se vale de instrumentos societários destinados a direcionar o comportamento da empresa para a realização de determinados objetivos públicos previstos no ordenamento jurídico, mas sem possuir, de modo permanente, preponderância no exercício do poder de controle”⁶.

O autor parte da premissa de que há uma “técnica acionária” de intervenção do Estado no domínio econômico, materializada pelas parcerias público-privadas de natureza societária, pela detenção de ações pelo Estado em sociedades empresárias. Sua pretensão é compreender essa técnica acionária e estabelecer um arranjo metodológico que seja válido tanto para a participação do Estado em empresas estatais como em empresas privadas. 

O livro é dividido em três partes, iniciando pelos pressupostos para a compreensão das empresas privadas com participação estatal, passando para a análise da técnica acionária do Estado e, por fim, examinando os mecanismos societários de controle nessas empresas.

Na primeira parte, o autor desenvolve profunda análise acerca da adoção da técnica empresarial pelo Estado e das implicações dessa escolha consciente e legítima por determinada forma de atuação. É sobre esse ponto que se debruça este breve ensaio. Vale dizer, sobre o capítulo do livro⁷ dedicado à investigação das razões pelas quais o Estado utiliza as empresas para a intervenção no domínio econômico e, especialmente, ao reconhecimento de um Estado empresário ou, nos termos utilizados pelo autor, de uma “Administração Pública empresarial”.

A discussão é pertinente. Existem 152 empresas estatais federais no Brasil, conforme dados recentes do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão⁸. Dados de 2014 da Faculdade Getúlio Vargas (FGV) demonstram que existem aproximadamente 230 empresas estatais estaduais e distritais e 60 municipais⁹. Portanto, não só é válido, como necessário, examinar os motivos do Estado na utilização da técnica empresarial para a realização de empreendimentos públicos e as consequências desse uso, que, tal como identificado pelo autor, é permeado por uma lógica muito diferente da que permeia a “Administração Pública não empresarial”.

Segundo o autor, a utilização da empresa pelo Estado para a realização de parte de suas atividades reflete uma opção por determinada forma de organização racional de recursos para obtenção de resultados mais eficientes. Baseado na ideia de que a empresa é uma técnica de organização da atividade econômica conforme parâmetros de eficiência, o autor defende que ela corresponde justamente a uma ferramenta com características que a fazem mais apropriada para o desenvolvimento de certas atividades econômicas. Assim, quando o Estado almeja desempenhar uma atividade econômica de forma mais eficiente, o modo de organização mais apropriado é o empresarial.

Nesse sentido, o autor observa que a empresa está diretamente relacionada ao desempenho de atividades de interesse público. O Estado pode utilizar a técnica empresarial de duas formas: como sucedâneo da atuação administrativa direta, no caso das empresas privadas concessionárias de serviço público, ou pela criação das empresas estatais.

Quando o Estado cria uma empresa estatal, assume que o modelo empresarial corresponde à melhor maneira para cumprir determinado objetivo público. A empresa representa uma organização mais flexível e maleável diante das exigências dinâmicas do ambiente econômico. Nas palavras do autor, “é essência da atividade empresarial que ela possua liberdade para atuar de modo suficientemente ágil”¹⁰. E são justamente essas características – liberdade e agilidade – que o Estado pretende incorporar quando constitui uma empresa estatal.

Desse modo, o autor pondera que a libertação das amarras do direito público pela empresa estatal é um propósito legítimo e que não é possível aplicar um regime jurídico uniforme a todas as atividades desempenhadas pela Administração Pública, que deve escolher a forma mais adequada para o exercício de certa atividade. Se Estado tem o dever de intervir na economia para prestar diretamente certas atividades, é imprescindível que tenha à sua disposição os meios necessários para que sua intervenção seja eficiente.

A previsão da Constituição da utilização de empresas estatais e da participação do Estado em empresas privadas para a atuação estatal direta no domínio econômico (art. 37, XIX e XX) demonstra, na visão do autor, o reconhecimento de uma “Administração Pública empresarial”. Tal opção reflete, ainda, uma escolha pelo direito privado (art. 173, §1º, inc. II, da Constituição). 

Além disso, para o autor, esse tipo de atuação demonstra a pretensão estatal de incorporar determinadas características (empresariais e atrativas) à estrutura administrativa, tais como maior flexibilidade na tomada de decisões, sujeição às regras do mercado, submissão à fiscalização dos demais concorrentes e investidores, implementação de técnicas de governança corporativa, ingresso de capital privado em adição ao capital público.

Assim, a identificação de uma “Administração Pública empresarial” ao lado da “Administração Pública não empresarial” evidencia que existe um espaço de atuação administrativa pautado pela racionalidade empresarial, diversa daquela que pautará as outras atuações do Estado. 

Porém, o autor ressalta que o fato de uma empresa integrar a estrutura estatal impõe a ela alguns condicionamentos, como a submissão aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37 da Constituição). Na verdade, a escolha pelo modelo empresarial representa um limite ao modo de incidência desses princípios.

Ainda que a simples adoção de uma técnica (empresarial) não seja garantia de eficiência, o autor entende que atuação empresarial do Estado é o instrumento mais adequado para consecução de certas atividades. E, como não é necessário que a empresa integre a Administração Pública para reunir capitais públicos e privados em sociedade, para o autor, uma empresa privada pode ser um importante veículo de ação governamental. 

A partir disso, o autor continua o desenvolvimento da obra para alcançar os objetivos pretendidos em relação às empresas privadas com participação estatal, pautados na análise da técnica acionária dos mecanismos societários de controle nessas empresas.

A ideia de se destacar o capítulo da obra que trata da utilização pelo Estado da técnica empresarial – o “Estado empresário” – se dá em razão da importância de se conhecer e reconhecer o viés empresarial da Administração Pública. Como demonstrado pelo autor, o Estado tem respaldo constitucional e pode, legitimamente, atuar por meio da lógica empresarial para atender determinadas finalidades públicas. 

Portanto, não é possível (tentar) compreender as empresas estatais apenas pelas lentes do direito público: a perspectiva do direito empresarial é imprescindível. As empresas estatais “são ao mesmo tempo empresas (com características de Direito Privado) e estatais (com peculiaridades de Direito Público)”¹¹. Devem ser tratadas e examinadas a partir dessa dualidade público-privada, inerente à sua constituição. Caso contrário, as escolhas legítimas do ordenamento jurídico poderão ser subvertidas e, de certa forma, a realização eficiente das atividades econômicas desempenhadas pelo Estado poderá ser prejudicada.

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¹ SCHWIND, Rafael Wallbach. O Estado acionista: empresas estatais e empresas privadas com participação estatal. São Paulo: Almedina, 2017, p. 55.

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² Empresa pública é a “entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com criação autorizada por lei e com patrimônio próprio, cujo capital social é integralmente detido pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios” (art. 3o da Lei 13.303/2016).

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³  Sociedade de economia mista é a “entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com criação autorizada por lei, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios ou a entidade da administração indireta” (art. 4o da Lei 13.303/2016).

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⁴ Empresa estatal controlada é “uma pessoa jurídica de direito privado, constituída sob forma societária, que se encontra sob o controle da Administração Pública” (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 12ª ed. São Paulo: RT, 2017, p. 157). Por sua vez, não existe definição legal para o termo “subsidiária”. De acordo com Marçal Justen Filho, “no âmbito da legislação societária somente existe referência à subsidiária integral, disciplinada pelo art. 251 da Lei das S.A. e que consiste numa sociedade anônima cuja integralidade das ações é de titularidade de uma sociedade brasileira. Reputa-se que a expressão sociedade subsidiária indica, como regra, ‘empresa controlada’” (Curso de direito administrativo, p. 158).

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⁵  Outros termos já foram usados por outros doutrinadores, tais como “empresas público-privadas” (Fernando Cariola Travassos e Alexandre Santos de Aragão), “empresas semiestatais” (Carlos Ari Sundfeld, Rodrigo Pagani de Souza e Henrique Mota Pinto), “empresas participadas” ou “empresas de capital público-privado”. Porém, para o autor, nenhuma dessas expressões é capaz de traduzir a ideia desenvolvida na obra (SCHWIND, Rafael Wallbach. O Estado acionista: empresas estatais e empresas privadas com participação estatal. São Paulo: Almedina, 2017, p. 34-38).

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⁶ SCHWIND, Rafael Wallbach. O Estado acionista: empresas estatais e empresas privadas com participação estatal. São Paulo: Almedina, 2017, p. 150.

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⁷ SCHWIND, Rafael Wallbach. O Estado acionista: empresas estatais e empresas privadas com participação estatal. São Paulo: Almedina, 2017, p. 47-88.

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⁸ Segundo informações da Secretaria das Empresas Estatais do Ministério do Planejamento disponíveis em: http://www.planejamento.gov.br/assuntos/empresas-estatais/empresas-estatais-federais (acesso em 6.7.2017).

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⁹ Conforme pesquisa do Observatório das Estatais da FGV divulgada em palestra do Prof. Márcio Holland no seminário sobre a Nova Lei das Estatais promovido pelo Tribunal de Contas da União em 29.5.2017. A apresentação do professor e os dados do estudo estão disponíveis em http://fgvprojetos.fgv.br/sites/fgvprojetos.fgv.br/files/arquivos/marcio_holland.pdf (acesso em 6.7.2017).

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¹⁰ SCHWIND, Rafael Wallbach. O Estado acionista: empresas estatais e empresas privadas com participação estatal. São Paulo: Almedina, 2017, p. 58.

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¹¹ TONIN, Mayara Gasparoto. Função social das empresas estatais. In: JUSTEN FILHO, Marçal (Org.). Estatuto jurídico das empresas estatais: Lei 13.303/2016. São Paulo: RT, p. 275.

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Mayara Gasparoto Tonin
Mayara Gasparoto Tonin
Mestre em Direito Comercial pela USP. Advogada da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Mayara Gasparoto Tonin
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Mestre em Direito Comercial pela USP. Advogada da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
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