Sumário:
1. Os critérios de julgamento previstos no art. 33 da Lei 14.133/21; 2. O critério do menor preço (menor dispêndio); 3. O critério do maior desconto (menor dispêndio); 4. O critério de melhor técnica ou conteúdo artístico; 5. O critério de técnica e preço; 6. Regras comuns aos critérios de melhor técnica (ou conteúdo artístico) e técnica e preço; 7. O critério do maior lance; 8. O critério do maior retorno econômico; 9. Reafirmação do princípio do julgamento objetivo.
1. Os critérios de julgamento previstos no art. 33 da Lei 14.133/21
O art. 33 da nova Lei Geral de Licitações (Lei 14.133/21) estabelece em rol exaustivo os seguintes critérios de julgamento:1
I – menor preço;
II – maior desconto;
III – melhor técnica ou conteúdo artístico;
IV – técnica e preço;
V – maior lance, no caso de leilão; ou
VI – maior retorno econômico.
2. O critério do menor preço (menor dispêndio)
O julgamento pelo critério do menor preço (menor dispêndio para a Administração) continua sendo a regra. Na maior parte dos casos, o preço é fator mais relevante para a seleção das propostas.
Significa que, atendidos os parâmetros mínimos de qualidade estabelecidos no edital, será reputada vencedora a proposta que ofertar o menor valor (desde que não seja inexequível), o que resultará na maior vantajosidade para a Administração.
Poderão ser considerados para a definição do menor preço (menor dispêndio) todos os custos indiretos, desde que objetivamente mensuráveis, relacionados com as despesas de manutenção, utilização, reposição, depreciação e impacto ambiental do objeto licitado, entre outros fatores vinculados ao seu ciclo de vida, conforme dispuser o regulamento (art. 34, § 1º).
3. O critério do maior desconto (menor dispêndio)
O critério do maior desconto, que também se traduz em menor dispêndio para a Administração, tem utilidade nos casos em que a Administração detiver informações consistentes acerca do custo da obra ou serviço, a ponto de fixá-lo com relativa precisão no edital.
Nesse caso, será considerada vencedora a proposta que apresentar o maior desconto com relação ao preço global fixado no edital.2 O desconto oferecido pelo vencedor deverá prevalecer durante toda a contratação, inclusive para eventuais aditamentos (art. 34, § 2º).
4. O critério de melhor técnica ou conteúdo artístico
O critério de melhor técnica se aplica nos casos em que o aspecto técnico da proposta se mostra mais relevante do que o preço desembolsado pela Administração. Ou ainda: nas situações em que não basta o preenchimento de um nível mínimo de qualidade (mesmo que elevado), pois a finalidade da contratação exige mais: demanda a maior qualidade possível.
A adoção do critério de melhor técnica, portanto, se relaciona mais com a necessidade a ser satisfeita pela Administração do que com a natureza do objeto, que pode envolver a contratação de projetos e trabalhos de natureza técnica, científica ou artística (art. 35, parágrafo único). Em regra, quanto mais complexo o objeto licitado, mais evidente a necessidade de contratação de um prestador altamente qualificado e, consequentemente, maior a tendência de utilização desse critério de julgamento.
A expressão “ou conteúdo artístico”, que já tinha sido utilizada pela Lei 12.462/11 (Lei do Regime Diferenciado de Contratações – RDC), especifica ainda mais a hipótese de cabimento e a forma de aplicação desse critério de julgamento.
Com isso, além da elevada qualidade técnica do objeto, permite-se que o melhor conteúdo artístico seja ponderado como fator de julgamento da proposta mais vantajosa. A proposta vencedora será avaliada exclusivamente com base nesses fatores. O edital deve definir o prêmio ou a remuneração que será atribuída ao vencedor (art. 35, caput).
5. O critério de técnica e preço
Assim como ocorre com o critério de melhor técnica, o critério de técnica e preço será admitido somente em situações muito especiais, em que a necessidade da Administração somente será atendida com a contratação de um objeto que, dentro dos limites econômico-financeiros existentes, somente possa ser satisfeito mediante a utilização da melhor técnica possível. Ou seja: os casos em que o fator preço não deixa de ser importante, mas qualidade técnica é o fator mais relevante.
No julgamento das propostas, propriamente dito, deverá ser considerada a maior pontuação obtida a partir da ponderação, segundo fatores objetivos previstos no edital, das notas atribuídas aos aspectos de técnica e de preço da proposta (art. 36, caput).
As propostas técnicas deverão ser avaliadas em primeiro lugar, na proporção máxima de 70% de valoração em relação às propostas de preço (art. 36, § 2º). O desempenho pretérito do licitante em contratações públicas também deve ser considerado para a pontuação técnica (art. 36, § 3º).
A opção por este critério deve ser pautada em estudo técnico preliminar que demonstre concretamente a relevância da ponderação sobre a qualidade técnica das propostas e será admitida para as seguintes hipóteses de contratação (art. 36, § 1º):
I – serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual, caso em que o critério de julgamento de técnica e preço deverá ser preferencialmente empregado;
II – serviços majoritariamente dependentes de tecnologia sofisticada e de domínio restrito, conforme atestado por autoridades técnicas de reconhecida qualificação;
III – bens e serviços especiais de tecnologia da informação e de comunicação;
IV – obras e serviços especiais de engenharia;
V – objetos que admitam soluções específicas e alternativas e variações de execução, com repercussões significativas e concretamente mensuráveis sobre sua qualidade, produtividade, rendimento e durabilidade, quando essas soluções e variações puderem ser adotadas à livre escolha dos licitantes, conforme critérios objetivamente definidos no edital de licitação.
6. Regras comuns aos critérios de melhor técnica (ou conteúdo artístico) e técnica e preço
O art. 37 da Lei 14.133/21 contém algumas regras comuns para o julgamento com base nos critérios de melhor técnica ou conteúdo artístico e de técnica e preço.
O dispositivo exige que a verificação da capacitação e da experiência do licitante seja averiguada por meio da apresentação de atestados de obras, produtos ou serviços previamente realizados (art. 37, inc. I) e que o julgamento deve considerar a atribuição de notas por desempenho do licitante em contratações anteriores conditas no seu registro cadastral (art. 37, inc. III).
Também determina que a atribuição de notas a quesitos de natureza qualitativa seja feita por uma banca designada para essa finalidade. Essa banca deve atuar em conformidade com as orientações e limites definidos em edital, considerados a demonstração de conhecimento do objeto, a metodologia e o programa de trabalho, a qualificação das equipes técnicas e a relação dos produtos que serão entregues (art. 37, inc. II).
A banca deverá ser composta por mínimo três membros, incluindo (i) servidores efetivos ou empregados públicos pertencentes aos quadros permanentes da Administração Pública e/ou (ii) profissionais contratados por conhecimento técnico, experiência ou renome na avaliação dos quesitos especificados no edital, desde que seus trabalhos sejam supervisionados por agentes públicos (art. 37, § 1º).
Outra regra relevante se extrai do art. 37, § 2º, que exige (ressalvados os casos de inexigibilidade) a contratação por melhor técnica ou técnica e preço para os serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual previstos nas alíneas “a”, “d” e “h” do inciso XVIII do caput do art. 6º, cujo valor estimado da contratação seja superior a R$300 mil reais.3
Por fim, o art. 38 da Lei 14.133 exige que o contrato seja executado com participação direta e pessoal do profissional cuja capacitação técnico profissional tenha sido relevante para a obtenção da pontuação técnica pelo licitante vencedor.
7. O critério do maior lance
A Lei 14.133/21 admite o critério de maior lance para os casos de leilão: modalidade de licitação para alienação de bens imóveis ou de bens móveis inservíveis ou legalmente apreendidos a quem oferecer o maior lance (conforme definida pelo art. 6º, inc. XL).
O objetivo, nesses casos, é obter a receita para a Administração quando a licitação envolver alienação de bens imóveis ou de bens móveis inservíveis ou legalmente apreendidos.
Ficam dispensados, diante da ausência de relevância prática, os requisitos de qualificação técnica e econômico-financeira.
8. O critério do maior retorno econômico
O critério do maior retorno econômico foi introduzido pela Lei 12.462/11 (Lei do Regime Diferenciado de Contratações – RDC) e repetido pela Lei 14.133/21 (nova Lei Geral de Licitações) para as hipóteses em que o objeto licitado será prestado mediante contrato de eficiência.4
Trata-se da espécie de contratação que vincula a remuneração do contratado ao resultado do contrato.5 Essa remuneração é estipulada com base em percentual da economia gerada para a Administração contratante (art. 39, caput).
Ou seja, o contrato pode ser muito benéfico para o contratado, mas envolve risco: a vantagem do particular será proporcional ao ganho propiciado para a Administração.
Nesses casos, os licitantes deverão presentar, para fins de julgamento: (i) uma proposta de trabalho contendo (i.1) as obras, os serviços ou os bens, com os respectivos prazos de realização ou fornecimento e (i.2) a economia que se estima gerar, expressa em unidade de medida associada à obra, ao bem ou ao serviço e em unidade monetária; e (ii) uma proposta de preço, que corresponderá a percentual sobre a economia que se estima gerar durante determinado período, expressa em unidade monetária.
O edital deverá prever parâmetros objetivos de mensuração da economia gerada com a execução do contrato, que servirá de base de cálculo para a remuneração devida ao contratado (art. 39, § 2º).
Para efeito de julgamento da proposta, o retorno econômico será o resultado da economia que se estima gerar com a execução da proposta de trabalho, deduzida a proposta de preço (art. 39, § 3º).
Caso não seja alcançada a meta prevista no contrato, fixada com base no contrato de eficiência, a diferença (entre a economia contratada e a efetivamente obtida) será descontada da remuneração do particular (art. 39, § 4º, inc. I).
E caso a diferença (entre a economia contratada e a efetivamente obtida) for superior ao limite máximo estabelecido no contrato, o particular não receberá nenhum valor e ainda ficará sujeito à aplicação de “outras sanções” (art. 39, § 4º, inc. II) – que não são expressamente referidas na Lei 14.133/21.
9. Reafirmação do princípio do julgamento objetivo
Como não poderia deixar de ser, a nova Lei Geral de Licitações reafirma o princípio do julgamento objetivo e afasta a discricionariedade da Administração Pública no momento do julgamento das propostas.
Discricionariedade existe antes, na fase preparatória da licitação, dentro de determinados limites, quando a Administração escolhe o objeto a ser licitado, o critério de julgamento e os parâmetros com base nos quais as propostas serão cotejadas para se identificar a mais vantajosa. Depois de lançado o edital, e especialmente da fase de julgamento das propostas, a atuação é vinculada.
A Lei 14.133/21 afirma a necessidade previsão expressa do critério de julgamento no edital. Também veda a fixação de critérios de julgamento não previstos expressamente no texto da Lei.
A lista do art. 33, portanto, é exaustiva. A inobservância desses critérios acarreta a nulidade absoluta (insanável) do edital, que deve ser pronunciada inclusive de ofício pela Administração.
Em suma, não se admite subjetividade na análise das propostas. O edital deve assegurar imparcialidade e previsibilidade ao julgamento. Os critérios devem ser definidos de antemão e de forma explícita e devem ser seguidos fielmente pela Administração.
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1 O art. 6º, inc. XXXVIII, da Lei 14.133/21, por sua vez, dispõe que as licitações realizadas na modalidade de concorrência poderão adotar os seguintes critérios de julgamento:
a) menor preço;
b) melhor técnica ou conteúdo artístico;
c) técnica e preço;
d) maior retorno econômico;
e) maior desconto.
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2 O “maior desconto” assemelha-se à licitação do tipo “preço-base”, que vinha prevista no art. 37, parágrafo único, inc. IV, do Decreto-Lei nº 2.300. Contudo, no critério de maior desconto da nova Lei (assim como já se passava no RDC) não há limite mínimo, nem tampouco uma faixa dentro da qual as ofertas podem variar – essa característica representava um problema na licitação por preço-base, pois permitia com facilidade o empate entre os participantes, frustrando o caráter competitivo do certame.
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3 Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se: (…)
XVIII – serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual: aqueles realizados em trabalhos relativos a:
a) estudos técnicos, planejamentos, projetos básicos e projetos executivos;
b) pareceres, perícias e avaliações em geral;
c) assessorias e consultorias técnicas e auditorias financeiras e tributárias;
d) fiscalização, supervisão e gerenciamento de obras e serviços;
e) patrocínio ou defesa de causas judiciais e administrativas;
f) treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;
g) restauração de obras de arte e de bens de valor histórico;
h) controles de qualidade e tecnológico, análises, testes e ensaios de campo e laboratoriais, instrumentação e monitoramento de parâmetros específicos de obras e do meio ambiente e demais serviços de engenharia que se enquadrem na definição deste inciso;
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4 A primeira licitação realizada no Brasil com base no critério de maior retorno econômico previsto na Lei 13.144 foi promovido pelo Instituto Curitiba da Saúde e é objeto de comentário do artigo escrito por João Antonio Luz Bolognesi, publicado nesta edição nº 196 deste Informativo Eletrônico.
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5 Conforme definido pelo inc. LIII do art. 6º: é o contrato cujo objeto é a prestação de serviços, que pode incluir a realização de obras e o fornecimento de bens, com o objetivo de proporcionar economia ao contratante, na forma de redução de despesas correntes, remunerado o contratado com base em percentual da economia gerada.