Informativo Eletrônico - Edição 190 - Dezembro / 2022

PRECISAMOS DE UM CHAT-GPT-GOV? A RELEVÂNCIA DA TECNOLOGIA PARA O EFETIVO ACESSO À INFORMAÇÃO PÚBLICA

André Guskow Cardoso

1. Introdução

O chatGPT pode ser uma ferramenta valiosa para o acesso à  informação governamental, pois permite que as pessoas obtenham respostas a  perguntas e busquem informações sobre serviços e políticas governamentais  de maneira rápida e fácil. Isso é particularmente útil em situações em que as  pessoas não têm acesso imediato a uma agência governamental ou não  sabem exatamente onde procurar por informações. Além disso, o chatGPT  pode ser acessado a qualquer hora e em qualquer lugar, o que o torna uma  ferramenta de acesso à informação governamental muito conveniente. Em  resumo, o chatGPT pode ser uma ferramenta útil para aqueles que buscam  informações e respostas sobre serviços e políticas governamentais. 

O texto acima foi elaborado pela ferramenta chamada ChatGPT a partir  de questionamento para que explicasse o seu próprio funcionamento e  relevância para acesso a informações públicas2.

2. Chat-GPT e a popularização da inteligência artificial 

A ferramenta ChatGPT foi recentemente disponibilizada para acesso  público pela organização OpenAI. Trata-se de chatbot, ou um chat robô, que  não apenas responde perguntas formuladas em linguagem natural com base  em respostas previamente registradas em um banco de dados, mas busca  informações e as combina para formular suas respostas3. São conhecidos  exemplos de composições de textos com base no estilo de determinado autor,  a possibilidade de revisão e composição de código computacional e a  elaboração de textos e ensaios a respeito dos mais diversos assuntos. 

A capacidade de processamento e combinação de informações para apresentação em resposta a um questionamento formulado é surpreendente e tem levado a discussões a respeito das diversas possibilidades e da  capacidade atual dos sistemas de inteligência artificial. 

3. Os dez anos de vigência da Lei de Acesso à informação 

O ano de 2022 marca uma década de vigência da Lei de Acesso à  informação – LAI (Lei 12.527/2011). A LAI estabeleceu marco relevante para o  acesso às informações públicas produzidas pelas entidades estatais.  Concretizando previsões contidas na Constituição, estabeleceu como dever do  Estado “garantir o direito de acesso à informação, que será franqueada,  mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em  linguagem de fácil compreensão” (art. 5º).

As previsões contidas na LAI são amplas e estabelecem que, em regra,  as informações produzidas e detidas por entidades estatais devem ser  tornadas públicas e acessíveis a qualquer interessado.

A transparência na atuação governamental e disponibilidade de  informações públicas são essenciais para um governo democrático e para a  fiscalização da atuação estatal pela coletividade e pelos órgãos de controle. A despeito de dez anos de sua vigência, questões relacionadas à pretensão de  se estabelecer sigilo em dados relacionados à atuação estatal ainda estão  presentes. Tome-se como exemplo o caso do chamado “orçamento secreto”,  recentemente julgado pelo Supremo Tribunal Federal – STF (ADPFs 850, 854  e 1014). 

4. Sociedade atual, midiocracia e infodemia 

Na sociedade atual, em que predominam características de uma  sociedade da informação, com ampla digitalização da vida quotidiana, é  essencial que haja abertura de dados governamentais produzidos e  armazenados digitalmente. Como refere Byung-Chul Han, as sociedades atuais  se caracterizam por conjugarem uma sociedade da informação, uma grande  influência da mídia digital (midiocracia) e um volume muito grande de  informações (infodemia)4

O panorama existente permite o surgimento de alguns fenômenos como a guerra de informações, a desinformação, a formação de tribos e redes, com  polarização de grupos da sociedade, estabelecimento de teorias da  conspiração e produção de “fake news”. Tudo isso conduz à crise da verdade e a uma desconfiança fundamental da coletividade e da organização estatal.

Verifica-se, como já alertava Habermas em contexto anterior, uma  mudança estrutural da esfera pública, com ampla fragmentação derivada do  uso de mídias digitais5.

5. Democracia, governo digital e dados abertos

Nesse contexto, a Lei 14.129/2021 estabeleceu os parâmetros e  princípios a serem observados pelo governo federal para a constituição do  governo digital

Do mesmo modo, o conceito de dados abertos é essencial para que se  assegure o efetivo acesso e possibilidade de processamento e utilização das  informações produzidas pelas atividades estatais6. A noção de dados abertos,  segundo a Open Knowledge Foundation compreende as características de  abertura, disponibilidade e facilidade de uso. O Decreto 8.777/2016 definiu a  política de dados abertos para o Executivo Federal, estabelecendo vários  parâmetros para que se assegure o acesso a dados abertos e processáveis.

A transparência da atuação estatal é um valor essencial e imprescindível  para os regimes democráticos. Não há democracia sem efetivo acesso à  informação pública pela coletividade. Para tanto, é imprescindível a efetiva  concretização de um governo digital, com a ampla utilização de dados abertos. 

6. O caráter essencial das novas tecnologias para assegurar a  democracia na era digital 

Tendo em vista esse panorama, a utilização de novas tecnologias para  assegurar a democracia e o efetivo acesso à informação pública é essencial. 

6.1. Novos espaços públicos na era digital

É imprescindível construir e manter novos espaços públicos que sejam  compatíveis com a era digital. A fragmentação dos espaços públicos produzida  pelas mídias digitais deve ser revertida ou ao menos mitigada pela construção  de novos espaços públicos digitais

Isso se faz pelo uso da tecnologia, em conjugação com valores inerentes  ao sistema democrático, como a transparência e acesso efetivo às informações  estatais. 

6.2. Governo digital, dados abertos e GovTech

Impõe-se a construção de um governo digital, em que sejam  assegurados a prestação de serviços e fornecimento de utilidades à  coletividade pela via digital. 

A ideia de governo digital envolve a digitalização de atividades e processos realizados pelas entidades estatais. Conjugando-se a digitalização com a noção de dados abertos, tem-se o potencial de estabelecer o governo como plataforma – que é precisamente um dos princípios e diretrizes do governo digital estabelecido pela Lei 14.129/2021 (art. 3º, inc. XXIII).

Ao se assegurar o acesso de qualquer um a dados governamentais em formato aberto – evidentemente, respeitando-se e protegendo dados pessoais,  na forma da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018) – fomenta-se a  atividade privada que se vale desses dados para produzir utilidades adicionais  para a coletividade. 

Esse é precisamente o campo do que se denomina GovTech. Produz-se  o incentivo às atividades privadas que servem de apoio, auxílio e  complementação de atividades do próprio Estado, exploradas e colocadas à disposição do público em geral pela iniciativa privada. 

6.3. A automatização de determinadas funções estatais

Também é necessário automatizar funções e utilidades prestadas pelo  Estado. Todas as funções que não demandem um juízo de ponderação ou de  julgamento de valor devem ser objeto de automatização7, para ampliar o  acesso da coletividade a essas utilidades. 

É possível utilizar smart contracts para essa automatização e para  estruturar operações e estabelecer obrigações e relações jurídicas8.  Evidentemente, os smart contracts não se prestam à utilização em toda e  qualquer situação. Como qualquer instrumento ou ferramenta tecnológica, sua  utilidade está relacionada à pertinência de sua utilização para determinadas  funções. E essa pertinência se verifica considerando as características  essenciais dos smart contracts (como a descentralização, automatização de  determinadas funções e arranjos obrigacionais, transparência e imutabilidade) e as utilidades e funções que essas características podem atender9.

6.4. Ferramentas de inteligência artificial

Além disso, não há como se ter um governo digital baseado em dados  sem a utilização adequada de ferramentas de inteligência artificial, como  machine learning, deep learning e outras ferramentas para processamento de  big data

O uso de tais ferramentas permite às organizações estatais utilizarem de  modo efetivo informações relacionadas à sua própria atuação, conjugando com  informações públicas e informações específicas a respeito de necessidades da  coletividade. 

É precisamente nesse contexto que se propõe uma espécie de  ChatGPT-Gov. Valendo-se de tais ferramentas, o governo poderia dar plena  efetividade às exigências da LAI e da Lei 14.129/2021, para que informações. 7 A automatização aqui proposta não afasta a necessidade de supervisão e controle relevantes a respeito do funcionamento das entidades estatais ou relacionadas à prestação de utilidades à coletividade fossem prestadas de modo imediato e  automático. 

Por exemplo, quem estivesse em busca de informações a respeito de  quanto foram os custos relacionados à fiscalização de determinado setor, como  o elétrico, bastaria digitar, em linguagem natural, esse questionamento para  obter a informação de modo imediato e organizado. Atualmente, tais  informações até podem estar acessíveis ao cidadão, mas dependem de uma  busca minuciosa e muitas vezes complexa, o que acaba tornando a informação  opaca e, por vezes, inacessível na prática. 

7. Considerações finais 

 A conjugação de tecnologias já disponíveis permitiria a adoção de uma  ferramenta similar ao Chat GPT para o governo. Conjugando o acesso a dados  abertos, inteligência artificial e smart contracts seria viável estabelecer um chat  bot que permitisse tanto o acesso a informações públicas, como a utilidades  prestadas pelas entidades estatais. O efetivo acesso à informação pública seria  concretizado, atendendo às exigências da Lei de Acesso à Informação (Lei  12.527/2011) e da Lei do Governo Digital (Lei 14.129/2021). 

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1 Membro da Comissão de Direito Digital e Proteção de Dados da OAB/PR.

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2 https://chat.openai.com/chat. A resposta foi dada ao se solicitar à ferramenta  “Escreva pequeno ensaio de 5-10 linhas sobre a relevância do chatGPT para o acesso  à informação governamental”.

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3 Para mais informações acesse aqui (acesso em 19.12.2022).

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4 HAN, Byung-Chul. Infocracia: digitalização e a crise da democracia. Petrópolis: Ed.  Vozes, 2022.

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5 HABERMAS, J. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Ed. Tempo Brasileiro, 2003.

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6 Nos termos do art. 4º da Lei 14.129, dados abertos são “dados acessíveis ao público,  representados em meio digital, estruturados em formato aberto, processáveis por  máquina, referenciados na internet e disponibilizados sob licença aberta que permita  sua livre utilização, consumo ou tratamento por qualquer pessoa, física ou jurídica“.

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7 A automatização aqui proposta não afasta a necessidade de supervisão e controle  humanos. 

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8 Sobre smart contracts, confira-se TALAMINI, Eduardo; CARDOSO, André Guskow.  Smart contracts, autotutela e tutela jurisdicional. In. Execução civil. Coord. Min. Marco  Aurélio Belizze, Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, Teresa Arruda Alvim e Trícia Navarro Xavier Cabral. Indaiatuba, SP, Ed. Foco, 2022, p. 163-213. Acesse aqui.

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9 O TCU promoveu amplo exame de várias hipóteses de utilização da tecnologia  blockchain e dos smart contracts ao julgar relatório de auditoria (Acórdão 1.613/2020 – Plenário).

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André Guskow Cardoso
André Guskow Cardoso
Mestre em Direito do Estado pela USP. Sócio da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
André Guskow Cardoso
André Guskow Cardoso
Mestre em Direito do Estado pela USP. Sócio da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.