O objeto e abrangência da análise de impacto regulatório (AIR)
1. A necessidade de regulamentação da Lei 14.478/2022
Como demonstrado no texto anterior desta série, será imprescindível a regulamentação da Lei 14.478. A grande maioria de suas previsões remete à necessidade de regulamentação, seja por ato do Executivo como por parte da entidade reguladora. A própria definição da entidade que será responsável pela regulação da atividade de prestação de serviços de ativos virtuais dependerá de regulamentação por decreto do Executivo (art. 6º)
2. A imprescindibilidade da análise de impacto regulatório (AIR)
A regulamentação da Lei 14.478 exigirá a realização de análise de impacto regulatório (AIR), tanto previamente à edição do decreto regulamentador, como previamente à edição das normas regulatórias da atividade pela entidade que for indicada como reguladora pelo Decreto do Executivo. Trata-se de exigência imposta pelo art. 5º da Lei 13.874/2019, pelo art. 6º da Lei 13.848/2019 e pelo Decreto 10.411/2020. A AIR deverá ser ampla e exauriente e atender aos requisitos estabelecidos pelo Decreto 10.411.
A única hipótese em que se poderia considerar dispensada a AIR seria no caso de o Decreto regulamentador se limitar a definir a entidade que será responsável pela regulação da atividade (tal como previsto no art. 6º, da Lei 14.478), sem ingressar no mérito da regulação ou na concretização das diretrizes dadas pela Lei 14.478. Se avançar nesses temas, o Decreto deverá também se precedido de análise de impacto regulatório.
3. O objeto da AIR
Uma vez reconhecida a necessidade de realização de análise de impacto regulatório, cabe definir o que deverá ser objeto desta análise. Em outras palavras, quais aspectos jurídicos, econômicos e de mercado deverão ser examinados pela entidade reguladora competente para a elaboração da AIR.
Esse é precisamente o objeto do presente texto.
A AIR está regulamentada em detalhes pelo Decreto 10.411/2020, que estabelece no art. 3º que “A edição, a alteração ou a revogação de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados, por órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional será precedida de AIR”.
3.1. A noção de análise de impacto regulatório
Cabe esclarecer a noção de análise de impacto regulatório para que seja possível definir a sua abrangência em casos específicos.
A análise de impacto regulatório consiste em ferramenta, em técnica para a adoção de decisões no âmbito do Estado regulador. Nessa condição, a AIR fornece mecanismos de avaliação de determinada situação concreta, com vistas à ponderação dos direitos e interesses em jogo, dos custos envolvidos, das opções de mecanismos e soluções a ser adotados para a regulação de determinada situação e das possíveis consequências de cada forma de regulação possível¹.
Conforme MARÇAL JUSTEN FILHO, a análise de impacto regulatório “se configura como requisito prévio necessário à implantação de qualquer inovação relevante na regulação setorial. Essa solução é adotada na generalidade dos países democráticos. Consiste na avaliação dos custos, dos benefícios e dos efeitos das inovações pretendidas”². Portanto, trata-se de ferramenta analítica que propicia a avaliação sistematizada e objetiva da situação a ser regulada e das opções regulatórias que podem ser adotadas pelo Estado. Ao mesmo tempo, permite a participação daqueles que serão atingidos pela norma regulatória a ser editada.
Trata-se de noção igualmente adotada pelo Banco Central, que aponta que
“A AIR é uma ferramenta para melhoria da qualidade regulatória que traz maior robustez técnica para subsidiar a tomada de decisão. Trata-se de um processo sistemático de análise baseado em evidências que busca avaliar, a partir da definição de um problema regulatório, os possíveis impactos das alternativas de ação disponíveis para alcance dos objetivos pretendidos. A AIR é, portanto, uma análise realizada antes da edição da norma”³.
3.2. O conceito de análise de impacto regulatório (AIR) do Decreto 10.411
O Decreto 10.411/2020 define a análise de impacto regulatório como sendo o “procedimento, a partir da definição de problema regulatório, de avaliação prévia à edição dos atos normativos de que trata este Decreto, que conterá informações e dados sobre os seus prováveis efeitos, para verificar a razoabilidade do impacto e subsidiar a tomada de decisão” (art. 2º, inc. III).
Há três aspectos essenciais que devem ser considerados. Primeiro, trata-se de um procedimento. Ou seja, um encadeamento de atos e providências com o objetivo de se atingir uma determinada finalidade ao final. No caso da análise de impacto regulatório, os diversos atos e avaliações a serem promovidos se destinam a fornecer um relatório (relatório de AIR), no qual as questões e aspectos relevantes sejam efetivamente consideradas pela autoridade regulatória.
Segundo, ressalta-se que se trata de avaliação prévia à edição do ato regulatório.
Terceiro, o procedimento da AIR deverá contemplar (a) a definição de problema regulatório a ser enfrentado pela norma regulatória, (b) a identificação das informações e dados sobre os prováveis efeitos da norma regulatória que se pretende editar e (c) a avaliação e verificação da razoabilidade do impacto estimado da norma.
O relatório de AIR é definido pelo decreto como o “ato de encerramento da AIR, que conterá os elementos que subsidiaram a escolha da alternativa mais adequada ao enfrentamento do problema regulatório identificado e, se for o caso, a minuta do ato normativo a ser editado” (art. 2º, inc. V).
4. Aspectos a serem considerados na AIR para a regulação da atividade dos prestadores de serviços de ativos virtuais
A AIR relacionada à edição de normas para a regulação da atividade dos prestadores de serviços de ativos virtuais, de modo a regulamentar e concretizar as determinações da Lei 14.478, deverá necessariamente considerar alguns aspectos de tais atividades.
4.1. A definição do problema a ser resolvido pela regulação
A primeira questão a ser definida consiste no problema a ser enfrentado pelas normas regulatórias que se pretende editar. Trata-se de definição relevante. O problema regulatório consiste no ponto de partida para a atividade regulatória. É a partir da identificação do problema regulatório que serão definidas as providências e determinações que serão estabelecidas pela norma a ser editada.
A correta identificação do problema regulatório é essencial para a avaliação das providências que serão adotadas.
No caso da regulação da prestação dos serviços de ativos virtuais, tal como estabelecido pela Lei 14.478, o problema regulatório geral a ser considerado é como regular a prestação de serviços de ativos virtuais. Parte-se da premissa de que há necessidade de que a prestação de serviços de ativos virtuais seja regulada no Brasil, considerando o comando legal da Lei 14.478.
Então, o problema regulatório considerado de modo geral consiste em como regular a prestação de tais serviços, de modo a garantir a observância das diretrizes estabelecidas pelo art. 4º, da Lei 14.478, além das previsões contidas na Constituição Federal e nas demais leis aplicáveis.
Mas de nada vale essa definição geral e abstrata. É necessário desdobrar de forma analítica esse problema em partes mais específicas.
Dentre os problemas regulatórios a serem considerados estão: (a) o órgão a ser indicado para a regulação da referida atividade (art. 6º, da Lei 14.478), (b) a forma e conteúdo da autorização a ser exigida dos prestadores de serviços de ativos virtuais (art. 2º), (c) a definição dos ativos virtuais que estarão sujeitos à regulação (art. 3º, parágrafo único), (d) a definição dos parâmetros (modo e forma) para cumprimento das diretrizes do art. 4º, (e) quais serão os outros serviços relacionados à prestação de serviços de ativos virtuais (art. 5º, parágrafo único), (f) definição das hipóteses de cancelamento de autorização e procedimento a ser observado (art. 7º, parágrafo único), (g) a definição da regulamentação a ser aplicada às instituições financeiras e outras instituições reguladas pelo Banco Central caso pretendam prestar serviços de ativos virtuais (art. 8º), (h) a definição prazos e condições para adequação das prestadoras de ativos virtuais que estiveram em atividade (art. 9º).
4.2. A regulamentação sobre o procedimento da licitação eletrônica por critério de técnica e preço
Também é essencial definir quem serão os atingidos pela norma regulatória, de modo amplo.
Por um lado, definir-se o impacto na entidade reguladora competente (e mesmo a definição da própria entidade reguladora, como será necessário em face do estabelecido pelo art. 6º, da Lei 14.478). Por outro lado, quem serão os agentes regulados. Para os fins da Lei 14.478, quem poderá ser considerado prestador de ativos virtuais, considerando-se a previsão do art. 5º, da norma.
Ademais, cabe identificar quem serão os usuários e consumidores dos serviços e atividades regulados.
E, por último, apurar se as atividades e a regulação que se pretende editar irão repercutir também sobre outros órgãos e entidades públicos, da própria esfera federativa que irá editar a regulação ou de outras esferas.
4.3. Os objetivos a serem atingidos
Relativamente aos objetivos a serem atingidos, a Lei 14.478 estabelece as diretrizes do art. 4º e que compreendem valores e princípios fundamentais. Mas esses não serão os únicos objetivos a serem observados quando da AIR e da edição da norma regulatória.
Consideradas essas diretrizes, cabe definir quais objetivos específicos serão buscados com a edição da norma regulatória. Não basta a indicação genérica de que uma determinada previsão que se pretende incluir na norma visa à proteção do “interesse público”, por exemplo. Essa identificação deve se dar também de forma analítica. Ou seja, indicar que uma determinada restrição estabelecida pela norma, por exemplo, se presta a assegurar um resultado específico, demonstrando-se que esse tipo de resultado é normalmente associado a restrições similares.
Deve-se observar também as previsões constitucionais relevantes e as demais previsões legais aplicáveis (por exemplo, a Lei de liberdade econômica, Lei 13.874/2019, a Lei Geral de Proteção de Dados, Lei 13.709/2018, além da legislação setorial específica). Essas normas também estabelecem objetivos específicos – e parâmetros – a serem considerados na atuação estatal de edição de normas regulatórias.
4.4. Os custos a serem considerados
É essencial considerar os custos que serão impostos ou que derivarão da edição da norma regulatória. Como já se indicou anteriormente, “Por se tratar de ferramenta analítica que sistematiza o processo prévio à tomada de decisão pelo ente regulador, a AIR envolverá necessariamente uma ponderação dos interesses e valores envolvidos. Essa ponderação passa pelo exame sistematizado dos custos e benefícios derivados da adoção (ou, ainda, da não adoção) de determinada norma regulatória”⁴.
Nos termos do Decreto 10.411/2020, os custos regulatórios consistem em “estimativa dos custos, diretos e indiretos, identificados com o emprego da metodologia específica escolhida para o caso concreto, que possam vir a ser incorridos pelos agentes econômicos, pelos usuários dos serviços prestados e, se for o caso, por outros órgãos ou entidades públicos, para estar em conformidade com as novas exigências e obrigações a serem estabelecidas pelo órgão ou pela entidade competente, além dos custos que devam ser incorridos pelo órgão ou pela entidade competente para monitorar e fiscalizar o cumprimento dessas novas exigências e obrigações por parte dos agentes econômicos e dos usuários dos serviços prestados” (art. 2º, inc. IV).
O regulamento corretamente identifica que os custos devem ser aqueles diretos ou indiretos que se estima que possam ser incorridos por todos os atingidos pela norma regulatória (agentes regulados, reguladores, usuários/consumidores e outras entidades públicas).
O regulamento corretamente identifica que os custos devem ser aqueles diretos ou indiretos que se estima que possam ser incorridos por todos os atingidos pela norma regulatória (agentes regulados, reguladores, usuários/consumidores e outras entidades públicas).
Costuma-se referir à análise de custo-benefício como uma das possíveis metodologias a ser utilizadas na AIR. Ao lado da análise de custo-benefício, pode-se referir ao exame do custo-efetividade, da análise de risco, das análises parciais⁵.
No âmbito do Decreto 10.411/2020, as possíveis metodologias que podem ser utilizadas para aferir o impacto econômico das medidas regulatórias previstas pelo estão no art. 7º e compreendem: I – análise multicritério; II – análise de custo-benefício; III – análise de custo-efetividade; IV – análise de custo; V – análise de risco; ou VI – análise risco-risco.
RAFAEL CARVALHO DE REZENDE OLIVEIRA menciona que “as duas principais metodologias de AIR, normalmente utilizadas na experiência internacional, para definição da necessidade, da intensidade e da qualidade da regulação: Análise de Custo-Benefício (ACB) e a Análise do custo-efetividade (ACE)”⁶.
Em qualquer caso, por imposição do dever constitucional e legal (Lei 9.784/1999) de motivação, impõe-se que a escolha da metodologia seja devidamente motivada. A exigência é reafirmada pelo Decreto 10.411/2020, que estabelece que “A escolha da metodologia específica de que trata o caput deverá ser justificada e apresentar o comparativo entre as alternativas sugeridas” (art. 7º, §1º).
O relevante é que a metodologia para apurar os impacto econômico da regulação seja adequada. Ou seja, deve permitir que o impacto econômico seja efetivamente captado e identificado de modo eficiente. Não basta a escolha de qualquer metodologia. Ela deve ser a mais recomendada para aquela situação específica.
Prova disso é o fato de o Decreto 10.411/2020 admitir a utilização de metodologias diversas daquelas previstas no art. 7º, “desde que justifique tratar-se da metodologia mais adequada para a resolução do caso concreto” (art. 7º, §2º).
4.5. As alternativas possíveis para o enfrentamento do problema regulatório
Identificados os problemas regulatórios, os atingidos pela medida regulatória que se pretende adotar, os objetivos perseguidos e os custos envolvidos, cabe à análise de impacto regulatório também identificar e analisar as alternativas possíveis para se resolver os problemas regulatórios e atingir os objetivos identificados.
Pode-se afirmar que aqui se encontra o cerne da análise de impacto regulatório. É a identificação, avaliação e comparação das alternativas possíveis que irá indicar a solução regulatória mais adequada para um determinado problema regulatório.
Note-se que o Decreto 10.411/2020 ressalta que, dentre as alternativas, devem ser consideradas as opções de não ação, de soluções normativas e, sempre que possível, de soluções não normativas (art. 6º, inc. VI).
Nos termos do Decreto deve-se examinar os possíveis impactos das alternativas identificadas, inclusive quanto aos seus custos regulatórios (art. 6º, inc. VII), considerando-se também os impactos sobre as microempresas e as empresas de pequeno porte (art. 6º, inc. VII-A).
Cabe realizar mapeamento “da experiência internacional quanto às medidas adotadas para a resolução do problema regulatório identificado” (art. 6º, inc. IX). Afinal, em geral, os problemas regulatórios não são exclusivos de determinados países. Daí a relevância de se considerar as providências e a forma de tratamento regulatório adotados em outros países.
Cabe aqui uma ressalva quanto à impossibilidade de simplesmente se transplantar ou “importar” soluções prontas, só porque foram adotadas em outros países. As alternativas regulatórias devem ser consideradas em concreto, considerando a realidade brasileira, o sistema normativo nacional e mesmo a cultura local. Todos esses aspectos são relevantes para o sucesso (considerando-se a sua eficácia e o atingimento dos objetivos pretendidos) de uma norma regulatória. Então, cabe observar necessariamente o contexto quando desse mapeamento de experiências internacionais.
Para o exame das alternativas regulatórias deve-se também identificar e definir os efeitos e riscos decorrentes da edição, da alteração ou da revogação do ato normativo (art. 6º, inc. X).
Definidos e identificados esses elementos, a análise de impacto regulatório deverá promover a “comparação das alternativas consideradas para a resolução do problema regulatório identificado, acompanhada de análise fundamentada que contenha a metodologia específica escolhida para o caso concreto e a alternativa ou a combinação de alternativas sugerida, considerada mais adequada à resolução do problema regulatório e ao alcance dos objetivos pretendidos” (art. 6º, inc. XI).
Pode-se dizer que esse é o objetivo específico da AIR.
Uma vez identificada(s) a(s) alternativa(s) mais adequadas para a solução do problema regulatório e para o atingimento do objetivo que se pretende com a regulação da atividade ou serviço, deve-se descrever a “estratégia para implementação da alternativa sugerida, acompanhada das formas de monitoramento e de avaliação a serem adotadas e, quando couber, avaliação quanto à necessidade de alteração ou de revogação de normas vigentes” (art. 6º, inc. XII).
Ou seja, deve-se apontar concretamente como a alternativa regulatória que se reputa a mais adequada será efetiva e concretamente aplicada. Quais serão as medidas concretas que deverão ser adotadas pela entidade reguladora e por outras entidades públicas para a implementação daquelas providências regulatórias específicas.
Prevê-se inclusive a necessidade de estabelecimento de forma de monitoramento e avaliação a serem adotados. Trata-se de questão relevante, na medida em que a análise de impacto regulatório sempre toma por base determinada situação técnico-sócio-econômico-política. Em outras palavras, leva em conta a situação então existente, em seus vários aspectos. A evolução social, política ou a evolução tecnológica podem exigir a revisão da solução regulatória que, anteriormente, se mostrou a mais adequada.
Essa avaliação posterior é essencial para o aperfeiçoamento da atuação regulatória estatal. Até por isso, o Decreto 10.411/2020 igualmente consagrou o mecanismo da avaliação de resultado regulatório – ARR, que consiste na “verificação dos efeitos decorrentes da edição de ato normativo, considerados o alcance dos objetivos originalmente pretendidos e os demais impactos observados sobre o mercado e a sociedade, em decorrência de sua implementação” (art. 2º, inc. III).
5. Relatório de Análise de Impacto Regulatório
Os exames e análises realizados relativamente aos aspectos acima mencionados deverão ser incluídos no relatório de Análise de Impacto Regulatório, que irá consolidar e apresentar esses exames.
Nos termos do Decreto 10.411/2020, o relatório de AIR consiste no “ato de encerramento da AIR, que conterá os elementos que subsidiaram a escolha da alternativa mais adequada ao enfrentamento do problema regulatório identificado e, se for o caso, a minuta do ato normativo a ser editado” (art. 2º, inc. V).
O relatório deverá conter um sumário executivo objetivo e conciso, que deverá empregar linguagem simples e acessível ao público em geral (Decreto 10.411/2020, art. 6º, inc. XI).
O relatório de Análise de Impacto Regulatório deve ser devidamente motivado e apresentar todas as razões e elementos que subsidiaram a escolha da alternativa mais adequada ao enfrentamento do problema regulatório identificado.
A Constituição consagra a motivação de modo explícito no art. 93, inc. IX, quando estabelece que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”.
Ademais, a lei de processo administrativo federal (Lei nº 9.784/1999) igualmente impõe a motivação dos atos praticados, consagrando o princípio da motivação (art. 2º) e impondo que esta seja “explícita, clara e congruente” (art. 50).
A AIR, enquanto técnica analítica que pautará a adoção de determinada decisão pela entidade reguladora estatal, tem também estrita relação com o princípio da motivação. Por um lado, os dados e informações obtidos na aplicação da AIR constituem o pressuposto de edição de determinada norma regulatória. Serão certamente utilizados para a sua motivação. Por outro, a eventual divergência entre o que tiver sido apurado no curso da AIR e a decisão ao final adotada deverá ser fundamentadamente justificada.
Aliás, uma das situações em que a Lei 9.784/1999 exige motivação explícita é precisamente aquela em que o ato discrepar “de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais” (art. 50, inc. VII). Os atos praticados no âmbito da AIR podem ser considerados propostas de decisão. Consistem também em relatórios oficiais.
Por isso, o agente público que decidir pela não adoção da solução que tiver sido considerada a mais adequada após a aplicação da AIR, deverá motivar de forma adequada o seu ato, explicitando as razões pelas quais não se consideraram as hipóteses e soluções sugeridas ao final do processo da AIR. Aliás, há previsão expressa do Decreto 10.411/2020 nesse sentido: “As decisões contrárias às alternativas sugeridas no relatório de AIR deverão ser fundamentadas pela autoridade competente do órgão ou da entidade” (art. 15, §3º).
6. Conclusões
A utilidade da AIR depende de se concebê-la como uma ferramenta analítica de cunho eminentemente pragmático que, ao mesmo tempo, auxilie na tomada de decisão por parte dos agentes públicos, favoreça a transparência e a participação de interessados nesse processo e, do mesmo modo, facilite o seu controle por parte dos órgãos incumbidos de controlar a atividade estatal.
A regulamentação da Lei 14.478 exigirá a realização de análise de impacto regulatório, tanto previamente à edição do decreto regulamentador, como previamente à edição das normas regulatórias da atividade pela entidade que for indicada como reguladora pelo Decreto do Executivo (art. 5º da Lei 13.874/2019, art. 6º da Lei 13.848/2019 e Decreto 10.411/2020).
A AIR deverá observar os requisitos estabelecidos pelo Decreto 10.411, examinando os aspectos relevantes para o estabelecimento de soluções e alternativas regulatórias adequadas para a atividade de prestação de serviço de ativos virtuais. Questões atinentes aos problemas regulatórios, aos atingidos pela norma regulatória, aos custos diretos e indiretos, aos objetivos que se pretende atingir com a regulação e, o mais relevante, às diversas alternativas regulatórias que podem ser adotadas para tratar dos problemas regulatórios identificados deverão ser contemplados. Todos esses aspectos deverão ser incluídos no relatório de análise de impacto regulatório a ser publicado e submetido a consulta pública antes da edição das normas regulatórias derivadas da regulamentação da Lei 14.478 (art. 8º, do Decreto 10.411), juntamente com as minutas dos atos normativos que se pretender adotar (art. 9º do Decreto 10.411).
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¹Conceito mencionado pelo autor em A Constituição brasileira e a análise de impacto regulatório (Revista de Direito Administrativo Contemporâneo, vol. 1, n. 3, p. 135-158, Nov./Dez. 2013).
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²Curso de Direito Administrativo. 14ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2023, p. 534. Para PATRÍCIA RODRIGUES PESSÔA VALENTE, a AIR consiste no “procedimento ordenado de tomada de decisão da atividade estatal baseado no uso sistemático de análises sobre os possíveis efeitos de uma dada decisão.” (A análise de impacto como mecanismo de controle do tabaco. In: RDPE, n. 32, out./dez. 2010, p. 119). De modo similar, RAFAEL CARVALHO REZENDE OLIVEIRA também se refere à AIR como “procedimento de auxílio na tomada de decisões regulatórias que expõe os riscos, os benefícios e as consequências das políticas regulatórias que podem ser adotadas para atendimento de interesses protegidos constitucionalmente” (Governança e Análise de Impacto regulatório. In: RDPE, n. 36, out./dez. 2011, p. 189).
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³https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/analise_impacto_regulatorio. Acesso em 27.2.2023.
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⁴GUSKOW CARDOSO, André. A Constituição brasileira e a análise de impacto regulatório. Revista de Direito Administrativo Contemporâneo, vol. 1, n. 3, p. 135-158, Nov./Dez. 2013.
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⁵Nesse sentido, confira-se: SCOTT H. JACOBS (Current Trends in the process and methods of regulatory impact assessment: mainstreaming RIA into policy processes. In: Regulatory Impact Assessment. Toward Better Regulation? Ed. COLIN KIRKPATRICK e DAVID PARKER, Cheltenham: Edward Elgar Publishing, 2007, p. 27 e seguintes).
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⁶Governança e Análise de Impacto regulatório. In: RDPE, n. 36, out./dez. 2011, p. 191.