1. Introdução
O Sistema de Registro de Preços tornou-se um instrumento eficaz na gestão pública. Sua utilização passou a ser difundida em razão de benefícios como redução de burocracia, possibilidade de contratação imediata e maleabilidade em face de variações na demanda.¹
A Nova Lei de Licitações prestigiou a adoção da SRP como um instrumento eficiente para as contratações públicas. Tanto é assim que houve a ampliação das hipóteses de cabimento do SRP. Agora, o SRP passará a ser utilizado não somente para compras e serviços, mas também para a contratação de obras de engenharia.
2. O sistema de registro de preços na Nova Lei de Licitações
Uma das novidades é o maior detalhamento do regime do SRP pela legislação. Antes, toda disciplina aplicada ao SRP era dada por decreto. Há apenas um artigo da Lei 8.666 tratando genericamente do assunto (art. 15).
2.1. Instrumento auxiliar
A disciplina do SRP está em capítulo específico da Lei dedicado aos procedimentos auxiliares. A inserção neste capítulo evita confusões. O SRP não é uma modalidade de licitação, mas um instrumento auxiliar.
2.2. A facultatividade da contratação
Segundo o art. 82 da Nova Lei, “A existência de preços registrados implicará compromisso de fornecimento nas condições estabelecidas, mas não obrigará a Administração a contratar, facultada a realização de licitação específica para a aquisição pretendida, desde que devidamente motivada.”
Esta é uma regra estruturante do SRP. Ela sintetiza a principal característica do sistema: originar um contrato de natureza normativa², sem impor à Administração o dever de contratar.
A finalidade imediata do SRP não é proporcionar a aquisição do bem, serviço ou obra, mas tão somente registrar o preço para que a Administração possa promover a contratação oportunamente. Desse modo, após a homologação do procedimento e o registro da ata não surgirá para o vencedor do certame o direito subjetivo à contratação.
2.3. Requisitos exigidos do edital
O art. 81 orienta a formulação do instrumento convocatório. Devem constar do edital as especificidades da licitação (i), os quantitativos mínimos (ii), a possibilidade do registro de preços diferentes (iii), o cabimento de proposta em quantitativos inferior ao máximo previsto no Edital (iv), o critério de julgamento (v), a previsão do registro de múltiplos fornecedores (vi), vedações aos órgãos participantes (vii) e as hipóteses de cancelamento da ata (viii).
Além disso, a utilização do SRP deve observar as seguintes condições (art. 81, §5º): ampla pesquisa de mercado (i), desenvolvimento de uma rotina de controle (iii) e atualização periódica dos preços (iv). Grande parte dessas prescrições já constava do Decreto Federal 7.892/2013.
3. Sistema de Registro de Preços para serviços e obras de engenharia
3.1. A pacífica aceitação do SRP para serviços de engenharia
O Decreto Federal 7.892/2013 já autoriza a contratação de serviços mediante o SRP sem qualquer distinção de natureza. Para seu cabimento, é suficiente o serviço contemple uma necessidade frequente, de quantitativo indefinido ou que a demanda seja compartilhada por outros órgãos (art. 3º).
Em vista disso, os serviços de engenharia que atendem a esses requisitos podem ser objeto de SRP. O TCU entende cabível o SRP para a contratação de “serviços comuns de engenharia, cujos padrões de desempenho e qualidade podem ser objetivamente definidos no edital, por meio de especificações usuais no mercado”.³
3.2. A restrição quanto ao cabimento no caso de obras de engenharia
A situação é diferente com relação a obras de engenharia. O entendimento que prevalece atualmente é pela a incompatibilidade do SRP na contratação de obras de engenharia.
Para o TCU, o sistema de registro de preços não é aplicável à contratação de obras, visto que nesses casos não existe demanda de itens isolados e não existe indicativo de que as obras sejam de tal modo padronizadas que possam suscitar o interesse de vários órgãos.⁴
Já o TCE/SP até sumulou tal vedação⁵. O principal argumento reside na complexidade ínsita à obra. A exigência de projeto básico prévio à realização de obras⁶ é evidência da complexidade incompatível com o SRP. Nesse sentido, consolidou-se o entendimento de que “nenhuma obra de engenharia pode ser licitada por intermédio da sistemática do registro de preços”⁷.
4. O cabimento de SRP para a contratação de obras de engenharia
Com a Nova Lei de Licitações, passará a ser expressamente admitida a adoção de SRP para a contratação de obras e serviços de engenharia (art. 81, §5º e art. 84). Há basicamente três requisitos essenciais a serem preenchidos para que seja admitida a adoção de SRP para obras, previstos em dois incisos do art. 84:
– ausência de complexidade técnica e operacional da obra (inc. I);
– existência de projeto de engenharia padronizado (inc. I);
– necessidade permanente ou frequente da obra (inc. II).
Ou seja, não caberá a utilização indistinta de SRP para qualquer tipo de obra. Evidentemente, não fará sentido se valer desse procedimento auxiliar para contratar obras de alta complexidade. Essas obras possuem especificidades e condições peculiares, que são incompatíveis por natureza com o uso do SRP, concebido para múltiplas contratações.
Assim, em primeiro lugar caberá ao gestor demonstrar que as obras objeto do SRP são obras de baixa complexidade. Eventualmente, será útil se valer aqui do conceito de “objeto comum”, consagrado no âmbito do uso da modalidade pregão. Em certo sentido, as obras passíveis de contratação via SRP serão aquelas ditas “comuns”, com especificações rotineiras e que podem ser replicadas sem qualquer efeito negativo ou desvantagem para a Administração Pública.
O segundo requisito para a adoção do SRP para obras é a existência de um projeto de engenharia padronizado, que acompanhe o edital da licitação. Não fará sentido, em princípio, a utilização do SRP para a promoção de contratação integrada, regime que por si só pressupõe complexidade e alto vulto da obra e em que a elaboração dos projetos é transferida ao particular para a execução do contrato. As obras objeto de SRP deverão obedecer a um projeto padronizado, que possa ser reproduzido em locais e circunstâncias diferentes.
Finalmente, é necessário comprovar que a necessidade da contratação daquele modelo de obra é permanente ou frequente na rotina da Administração. É possível cogitar, por exemplo, da construção de escolas, postos de saúde ou casas populares, que contenham elementos similares e sejam passíveis de reprodução frequente.
A entrada em vigor da Nova Lei tornará ultrapassados os entendimentos jurisprudenciais que desautorizam o uso do SRP para obras de engenharia a partir de premissas genéricas ou atributos ínsitos às obras (como a necessidade de projeto básico ou a indissociabilidade dos serviços).
Uma vez preenchidos os requisitos dos arts. 82 e 84, a contratação de obras de engenharia através do SRP deverá ser reputada lícita.
5. Conclusões
Em síntese, a entrada em vigor da Nova Lei de Licitações permitirá que obras de engenharia sejam contratadas por meio de sistema de registro de preços. Isso expandirá os benefícios desse sistema (redução de burocracia, possibilidade de contratação imediata e maleabilidade) para a execução de obras públicas.
Porém, apenas as obras de baixa complexidade e cuja necessidade de realização seja frequente é que poderão ser objeto de SRP. Em qualquer hipótese, o projeto que subsidiará a obra deve ser padronizado para todas as execuções.
Como decorrência da nova previsão legal, impõe-se a revisão da jurisprudência consolidada em torno da Lei 8.666 e do Decreto Federal 7.892/2013 que vedava a utilização do instrumento em obras de engenharia, e o seu ajustamento à nova realidade normativa.
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¹ JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 18ª ed. RT, 2019, p. 309.
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² JUSTEN FILHO, Marçal. Op. Cit., p. 306.
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³ TCU, Acórdão 1381/2018-Plenário, rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, j. 20.06.2018.
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⁴ TCU, Acórdão 3605/2014-Plenário, rel. Min. Marcos Bemquerer, j. 09.12.14.
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⁵ SÚMULA Nº 32: Em procedimento licitatório, é vedada a utilização do sistema de registro de preços para contratação de obras e de serviços de engenharia, exceto aqueles considerados como de pequenos reparos.
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⁶ Lei 8.666, art. 7º, §2º, inc. II.
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⁷ ALVES, Amanda Fontelles. Op. Cit., p. 35.