Informativo Eletrônico - Edição 216 - Fevereiro / 2025

STF DECIDE: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NÃO RESPONDE SUBSIDIARIAMENTE POR DÉBITOS TRABALHISTAS SEM PROVA DE FALHA NA FISCALIZAÇÃO

João Antonio Luz Bolognesi

1. Introdução

No dia 13.02.2025, o Supremo Tribunal Federal proferiu decisão de grande impacto para o setor público e os contratos de terceirização no Brasil. No julgamento do Recurso Extraordinário 1.298.647, com repercussão geral reconhecida (Tema 1118), o plenário afastou a responsabilidade subsidiária da Administração Pública pelo inadimplemento de encargos trabalhistas por empresas prestadoras de serviços, quando a condenação estiver fundamentada apenas na inversão do ônus da prova.

Ou seja, restou afastada a responsabilidade da Administração por encargos trabalhistas não cumpridos pela empresa terceirizada de “forma automática”, devendo ser constatada negligência na fiscalização do contrato para tanto.

A decisão reverte entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, que havia condenado o Estado de São Paulo ao pagamento de verbas trabalhistas devidas a uma trabalhadora terceirizada, sob o argumento de que o ente público não teria comprovado que fiscalizou devidamente o contrato.

Por maioria, o STF estabeleceu que não há responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa prestadora de serviços contratada, se amparada exclusivamente na premissa da inversão do ônus da prova, remanescendo imprescindível a comprovação, pela parte autora, da efetiva existência de comportamento negligente ou nexo de causalidade entre o dano por ele invocado e a conduta comissiva ou omissiva do poder público. O resultado foi favorável ao Estado de São Paulo, afastando a condenação imposta pelo TST.

Até o momento, os votos dos ministros não foram disponibilizados.

2. O Entendimento do STF Sobre a Responsabilidade da Administração Pública

O julgamento reforçou o posicionamento do STF já adotado na Ação Declaratória de Constitucionalidade 16 e no RE 760.931 (Tema 246), segundo os quais a Administração Pública não pode ser automaticamente responsabilizada pelos débitos trabalhistas de empresas terceirizadas, salvo se houver prova inequívoca de sua omissão na fiscalização contratual. 

O relator, ministro Nunes Marques, defendeu que a responsabilidade subsidiária da Administração deve ser comprovada por quem alega a falha na fiscalização, sendo necessária a prova taxativa da relação entre a conduta da administração e o dano sofrido pelo trabalhador. Para ele, não seria razoável que, após conduzir um processo licitatório criterioso para verificar a idoneidade da empresa contratada, o poder público continuasse arcando com os mesmos encargos que teria caso não tivesse terceirizado o serviço.

Além disso, a Corte estabeleceu que somente haverá comportamento negligente por parte da Administração quando esta for formalmente notificada pelo trabalhador ou por órgãos competentes e, mesmo assim, permanecer inerte diante do descumprimento das obrigações trabalhistas pela contratada. Como fixado na tese de repercussão geral: haverá comportamento negligente quando a Administração Pública permanecer inerte após o recebimento de notificação formal de que a empresa contratada está descumprindo suas obrigações trabalhistas.

3. Regras de Fiscalização Reafirmadas Pelo STF

Apesar de afastar a responsabilidade subsidiária automática, a decisão não isenta o poder público de seu dever de fiscalização. O STF ressaltou que a Administração Pública deve adotar medidas preventivas para evitar o descumprimento das obrigações trabalhistas por empresas terceirizadas. Entre essas medidas, destacam-se:

a. Exigir da contratada a comprovação de capital social integralizado compatível com o número de empregados, conforme determina o artigo 4º-B da Lei 6.019/1974.
b. Adotar mecanismos para assegurar o cumprimento das obrigações trabalhistas, na forma do artigo 121, § 3º, da Lei 14.133/2021. Entre as medidas previstas, a Administração pode condicionar os pagamentos à contratada à apresentação de comprovação de quitação das obrigações trabalhistas do mês anterior.
c. Garantir condições de segurança, higiene e salubridade aos trabalhadores, nos casos em que o serviço é prestado nas dependências da Administração Pública ou em locais previamente convencionados no contrato, conforme o artigo 5º-A, § 3º, da Lei 6.019/1974.

4. Divergências no Julgamento, Composição dos Votos e Resultado

A decisão do STF não foi unânime. Os ministros Edson Fachin e Dias Toffoli foram vencidos ao defenderem que caberia à Administração Pública o ônus de provar que fiscalizou adequadamente o contrato, argumentando que é dever do tomador do serviço demonstrar que exerceu a fiscalização, enfatizando que essa atribuição faz parte do dever de bem contratar do ente público.

Já os ministros Cristiano Zanin e Flávio Dino também manifestaram posicionamento intermediário, sustentando que o juiz da ação deve analisar, caso a caso, a quem cabe o ônus da prova. No entanto, a posição majoritária seguiu o entendimento de Nunes Marques, sendo acompanhada pelos ministros Flávio Dino, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, André Mendonça, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso.

O ministro Edson Fachin abriu divergência, sendo acompanhado pelo ministro Dias Toffoli. Já o ministro Luiz Fux se declarou impedido.

Por maioria, o STF deu provimento ao recurso extraordinário.

5. Impactos da Decisão

A fixação da tese no Tema 1118 da repercussão geral traz maior segurança para a Administração Pública em contratações terceirizadas, ao estabelecer que o simples inadimplemento da empresa contratada não gera automaticamente a responsabilidade subsidiária do ente público.

Além disso, a decisão impõe um ônus probatório mais rigoroso para os trabalhadores e sindicatos que buscam responsabilizar o poder público por débitos trabalhistas não pagos por empresas terceirizadas. Agora, será necessário demonstrar a negligência do órgão contratante e o nexo de causalidade entre a omissão da fiscalização e o dano sofrido.

Com essa decisão, o STF reforça sua linha jurisprudencial em defesa da terceirização responsável, alinhando-se ao entendimento de que a Administração Pública deve fiscalizar, mas não pode ser automaticamente responsabilizada por obrigações que são, em primeira instância, da empresa contratada.

6. Conclusão

Com a fixação da tese do Tema 1118, torna-se essencial que os órgãos e entidades públicas fortaleçam sua atuação preventiva, adotando controles mais rígidos na escolha e no acompanhamento das empresas terceirizadas. Nesse contexto, a Instrução Normativa SEGES/ME 5/2017, que já estabelece diretrizes para a fiscalização dos contratos administrativos, tende a ganhar ainda mais relevância na prática. 

A decisão do STF no RE 1.298.647 acompanha a regra estabelecida no art. 121 da Lei 14.133/2021. O § 1º do referido artigo estabelece que os encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais são de responsabilidade exclusiva do contratado, não podendo ser transferidos à Administração Pública, ressalvada a hipótese prevista no § 2º, que prevê a responsabilidade solidária da Administração pelos encargos previdenciários e subsidiária pelos encargos trabalhistas nas contratações de serviços contínuos com dedicação exclusiva de mão de obra, caso seja comprovada falha na fiscalização.

Dessa forma, a decisão não apenas resguarda a Administração Pública contra condenações automáticas, mas também impõe desafios e novas responsabilidades aos entes públicos no gerenciamento de contratos terceirizados. Um dos principais reflexos dessa tese é a necessidade de aprimoramento dos mecanismos de fiscalização e do próprio planejamento dos contratos administrativos.

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João Antonio Luz Bolognesi
João Antonio Luz Bolognesi
Bacharel em Direito pela PUC-PR. Estagiário da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
João Antonio Luz Bolognesi
João Antonio Luz Bolognesi
Bacharel em Direito pela PUC-PR. Estagiário da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
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