Informativo Eletrônico - Edição 202 - Dezembro / 2023

VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NOVA LEI DE LICITAÇÕES (LEI 14.133/2021)

Alexandre Wagner Nester

1. A vigência da Lei 14.133 desde a sua publicação 

A Lei 14.133 entrou em vigor na data da publicação, em 1º de abril de 2021 (art. 194). Contudo, o art. 193, inc. II determinou que a nova Lei conviveria com a legislação anterior sobre o tema (Lei 8.666, Lei 10.520 e arts. 1º a 47-A da Lei 12.462) pelo prazo de dois anos.

Durante esse período de vacatio legis, a Administração Pública poderia optar por utilizar a legislação anterior para promover licitações públicas.

O art. 190 da nova Lei deixou claro que os contratos firmados antes da sua entrada em vigor continuarão a ser regidos pelas regras da legislação revogada. Já o art. 191 possibilitou à Administração Pública escolher por um ou outro regime durante o período de convivência dos dois regimes, vedada a aplicação combinada.

2. A prorrogação da vacatio legis

O prazo para entrada em vigor da Lei 14.133, que encerrava em 31 de março de 2023, foi prorrogado no último instante pela Medida Provisória 1.167, de 31 de março de 2023. Ficou estabelecido que a legislação anterior poderia ser aplicada até 30 de dezembro de 2023. Em seguida, diante do encerramento da vigência da MP 1.167, foi editada a Lei Complementar 198, de 28 de junho de 2023, fixando o mesmo prazo.

Atualmente, portanto, salvo novo ato legislativo em sentido diverso, a partir de 1º de janeiro de 2023 a aplicação da Lei 14.133 passa a ser obrigatória para todos os processos licitatórios instaurados pelas Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com revogação da Lei 8.666, da Lei 10.520 e dos arts. 1º a 47-A da Lei 12.462.

3. A regra de transição fixada pelo TCU para aplicação da legislação anterior pela Administração Pública Federal

Diante da dúvida entre os gestores públicos acerca da data limite para aplicação das leis revogadas, em especial para os processos licitatórios já iniciados, mas sem edital publicado, a questão foi submetida ao Tribunal de Contas da União na Representação 000.586/2023-4 e resolvida pelo Plenário por meio do Acórdão 507/2023, proferido em 22/03/2023².

O TCU decidiu que a Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, bem como os demais entes que se utilizem de recursos públicos federais, poderão aplicar a legislação antiga aos processos licitatórios já iniciados desde que: (i) a opção de licitar pela lei anterior seja externada pela autoridade competente até 31/03/2023 e (ii) o respectivo edital seja publicado até 31/12/2023.

4. A eficácia da Lei 14.133 desde a sua publicação

A vigência da Lei não implica a sua eficácia. Desde o início, a aplicação da Lei 14.133 foi tímida, senão inexistente, especialmente em razão da falta de regulamentação e das dificuldades com a utilização do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), que foi criado pelo art. 174³ e tem aplicação obrigatória por força do art. 54.⁴

Sobre esse tema, vale a leitura do artigo de MARÇAL JUSTEN FILHO, publicado na Edição 170 deste Informativo, por meio do qual explica que a baixa eficácia da Lei 14.133 está relacionada precisamente com a inoperância do PNCP e a falta de regulamentação (acesse aqui).

Um retrato disso se extrai dos acompanhamentos realizados pelo TCU sobre a utilização do PNCP (TC 044.559/2021-6 – Acórdão 2209/2023-Plenário) e sobre a sobre a utilização da nova Lei Administração (TC 027.907/2022-8 – Acórdão 2154/2023-Plenário).

Não que não exista nenhuma regulamentação. Desde a edição da Lei 14.133 foram editados vários regulamentos relevantes, conforme destacamos em artigo publicado na Edição 188 deste Informativo (acesse aqui).

Uma relação completa dos atos normativos já expedidos pela União está disponível no próprio PNCP (veja aqui), com especial destaque para os regulamentos relativos a: (1) contratação por dispensa de licitação, (2) Comitê Gestor da Rede Nacional de Contratações Públicas e do Portal Nacional Contratações Públicas, (3) licitação eletrônica por critério de maior preço ou maior desconto e (4) licitação eletrônica por critério de técnica e preço.

O PNCP disponibiliza inclusive os modelos de editais e demais documentos padronizados para a realização de licitações com base na nova Lei, elaborados em parceria entre a Seges/ME e a Advocacia-Geral da União (veja aqui).

Mas ainda assim a adesão é baixa. O levantamento realizado pelo TCU indica que, no período de agosto de 2021 a julho de 2023, apenas 3,1% das licitações realizadas no Compras.gov.br foram feitas com base na nova Lei. A maior parte dos processos continua sendo realizada com base na legislação anterior, especialmente na Lei 10.8520 (Pregão).

Os detalhes desses levantamentos podem ser vistos no Acórdão 2154/2023-Plenário e na notícia veiculada sobre o assunto no site do TCU

5. Conclusão

A maior parte da Administração Pública continua ignorando a existência da nova Lei de Licitações, já que a sua aplicação é facultativa. As dificuldades do PNCP e ausência de regulamentação completa dificultam a aplicação do novo regime licitatório, gerando insegurança jurídica.

Não obstante, a partir de 1º de janeiro de 2024, salvo se sobrevier novo ato normativo em sentido contrário, a aplicação da Lei 14.133 será obrigatória.

A regulamentação que falta precisa ser editada com urgência. O modus operandi da Administração Pública precisa ser devidamente ajustado para as novas exigências. Os gestores públicos precisam se adaptar rapidamente ao novo regime, sob pena de responderem pela aplicação indevida de regras que ainda não foram totalmente assimiladas na sua prática.

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¹ O art. 193, inc. I, da nova Lei revogou de imediato os arts. 89 a 108 da Lei 8.666, que dispõem sobre os crimes, as penas, os processos e os procedimentos judiciais em matéria de licitações e contratos públicos.

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² Essa decisão e os detalhes do julgamento são objeto do artigo de ISABELLA FONSECA, publicado na Edição 193 deste Informativo (acesse aqui).

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³ Art. 174. É criado o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), sítio eletrônico oficial destinado à: I – divulgação centralizada e obrigatória dos atos exigidos por esta Lei; II – realização facultativa das contratações pelos órgãos e entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todos os entes federativos.

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⁴  Art. 54. A publicidade do edital de licitação será realizada mediante divulgação e manutenção do inteiro teor do ato convocatório e de seus anexos no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP).

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Alexandre Wagner Nester
Mestre em Direito do Estado pela UFPR. Doutor em Direito do Estado pela USP. Sócio da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Alexandre Wagner Nester
Mestre em Direito do Estado pela UFPR. Doutor em Direito do Estado pela USP. Sócio da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.