Sumário:
1. Introdução; 2. A inovação do critério de julgamento pelo maior retorno econômico; 3. Os contratos de eficiência; 4. O art. 39 da Lei 14.133/21; 5. A Instrução normativa SEGES/ME nº 96/2022; 6. A primeira licitação com base no maior retorno econômico; 7. Considerações finais.
1. Introdução
No dia 16/06/2023, foi homologado o objeto da primeira licitação realizada com base no critério de maior retorno econômico, incluído pela nova Lei Geral de Licitações (Lei 14.133/21).
A licitação, que foi promovida pelo Instituto Curitiba de Saúde (ICS) para a contratação de empresa de implantação e manutenção de uma Usina Solar Fotovoltaica (confira aqui), representa um marco importante na aplicação da nova Lei Geral de Licitações.
2. A inovação do critério de julgamento pelo maior retorno econômico
O critério de julgamento pelo maior retorno econômico é uma inovação da Lei 14.133/21. Não possui paralelo na Lei 8.666 ou em outras Leis específicas do ordenamento brasileiro.
Vem previsto nos arts. 6º, XXXVIII, d, 33, VI, e 39, da Lei 14.133, devendo ser utilizado, exclusivamente, em concorrências públicas destinadas à celebração de contratos de eficiência (definidos pelo art. 6º, LIII, da Lei 14.133), considerando a maior economia gerada à Administração Pública.
3. Os contratos de eficiência
Os contratos de eficiência foram inseridos no Brasil com base em modelos ofertados por empresas estadunidenses especializadas na conservação de energia.
Trata-se dos contratos denominados “Energy Saving Performance Contracts” (“Contratos de Eficiência de Economia de Energia”), que se caracterizam por um “diagnóstico inicial sobre os desperdícios de energia, corrigíveis mediante a realização de obras, a execução de serviços, a substituição de materiais e equipamentos”.1
Segundo Marçal Justen Filho, o contrato de eficiência na Lei 14.133/21 é um “contrato administrativo bilateral por meio do qual um particular assume a obrigação de propiciar redução de despesas correntes 2da Administração Pública, por meio da execução de serviços, obras e fornecimentos e da introdução de práticas de racionalização do consumo em edifícios da Administração Pública, sendo a ele assegurada remuneração proporcional à redução de custos obtida”.3
A redução das despesas de custeio permite aprimorar serviços já existentes, tornando-os mais eficienes e afastando a necessidade de novos gastos públicos.
Em comparação com outros modelos de contratos, nesse caso o particular será remunerado com base no benefício propiciado à Administração, e não no valor desembolsado. A contratação se baseia, portanto, no princípio da economicidade.
Tal meio de contratação, porém, tende a aumentar o grau de risco do particular, uma vez que seu pagamento é atrelado ao percentual fixado da economia prevista.
Marçal Justen Filho afirma que não há cabimento de um contrato de eficiência ser pactuado por prazo indeterminado, podendo conduzir a que o particular fizesse jus a uma remuneração por período indeterminado. Também indica que o prazo de vigência do contrato não seja muito curto, pois tornaria a contratação inexequível ou destituída de interesse de potenciais interessados (tornando a licitação deserta). Por outro lado, prazos longos demais acarretariam na percepção de remuneração muito elevada, de maneira injustificada. Logo, o ideal é observar as circunstâncias em vista da dimensão dos investimentos a cargo do particular.4
4. A previsão do art. 39 da Lei 14.133/21
O art. 39 da Lei 14.133 trata detalhadamente do critério de julgamento do maior retorno econômico, a ser utilizado apenas nos contratos de eficiência. Deverá considerar a maior economia para a Administração, com remuneração que deverá ser fixada em percentual que incidirá de forma proporcional à economia efetivamente obtida na execução do contrato.
Com isso, a lei assegura ao contratado a garantia de que será pago com base na economia obtida. E reafirma no inciso I do §4º, do mesmo artigo, que a diferença entre a economia contratada e a efetivamente obtida será descontada da remuneração do contratado.
Porém, o inciso II do §4º estipula que deverá também ser estabelecido no contrato um limite máximo de diferença entre a economia contratada e a efetivamente obtida, para que outras penalidades (inclusive não pecuniárias) possam ser aplicadas caso seja ultrapassado esse limite.
A remuneração devida ao contratado será feita com base em parâmetros objetivos previstos no edital de licitação, que servirão de base de cálculo. Isso reforça a necessidade de elaboração de propostas de maneira homogênea, para que seja possível a parametrização objetiva prevista. O retorno econômico que será julgado é o resultado da economia que se estima gerar com a execução da proposta de trabalho, deduzida a proposta de preço.
5. Instrução normativa SEGES/ME nº 96/2022
A instrução normativa nº 96/2022 da Secretaria de Gestão do Ministério da Economia (IN SEGES/ME 96) versa sobre o critério de julgamento por maior retorno econômico, inclusive acerca de pontos que não ficaram claros na Lei 14.133/21.
Dentre o definido na IN SEGES/ME 96, vale ressaltar: (i) a obrigariedade da forma eletrônica no uso do critério de julgamento por maior retorno econômico5; (ii) a possibilidade de aplicação do critério de julgamento de maior retorno econômico à fase competitiva da modalidade de diálogo competitivo; (iii) a definição do prazo de vigência dos contratos de eficiência6; (iv) o dever de previsão do nível mínimo de economia que se pretende gerar, assim como o direito de realização de vistoria prévia; etc.
6. A primeira licitação com base no maior retorno econômico
O primeiro processo licitatório a utilizar do critério de julgamento de maior retorno econômico foi aberto em 25/04/2023 pelo Instituto Curitiba de Saúde (ICS).
Essa concorrência teve como objeto a contratação “de empresa especializada em soluções de energia fotovoltaica para dimensionar, instalar, fornecer equipamentos e estrutura para seu funcionamento, bem como realizar a manutenção preventiva de usina solar fotovoltaica com capacidade de atender a demanda de consumo médio mensal de 22.428 kW/h e anual de 269.136 kW/h, no Instituto Curitiba de Saúde (ICS)”.
Evidentemente, trata-se de uma contratação para a administração e manutenção energética no ente licitante, o que é uma oportunidade de aplicação perfeita do critério de maior retorno econômico. Dessa forma, sendo feitas as modificações de maneira correta, será gerada uma economia energética desejada e uma economia monetária à Administração, e a remuneração do contratado terá como base o percentual da economia gerada por meio da implantação e manutenção da tecnologia presente na usina solar fotovoltaica.
O valor total estimado da compra era de R$1.861.075,44 e, como a proposta adjudicada (em 16/06/2023) apresentou a economia de R$210.859,7975, o valor total homologado da compra ficou em R$1.650.215,2025.
A proposta da vencedora não apresentou o maior valor. Porém, garantiu a economia de 11,33% sobre o consumo de energia do ICS. Assim, o parâmetro definido tem como base a porcentagem da economia, que não reflete necessariamente com base no valor bruto apresentado, pois o custo para a instalação e manutenção também deve ser observado. Dentre todas as 10 licitantes cadastradas, a vencedora “Electromotive – Energia Renovavel Ltda”, com a economia de R$210.859,7975, apresentou a proposta com o maior retorno econômico.
O contrato terá a finalidade de implantar e fazer a manutenção de uma Usina Solar Fotovoltaica que, pelo período mínimo de 25 anos, deverá produzir uma média de energia elétrica de 22.428 kW/h mensal, com placas fotovoltaicas garantindo eficiência acima de 80% na geração de energia elétrica em relação à quantidade de energia solar recebida. Além disso, a empresa teve de assegurar 15 anos de garantia do fabricante para os módulos produtores de energia. Após o encerramento do contrato, toda a responsabilidade sobre a Usina será do ICS, sem nenhum ônus.
Portanto, por mais que se trate de um contrato, à primeira vista, extremamente benéfico à empresa vencedora, também a incumbe de responsabilidades sob a taxa de sucesso que apresentam certo risco e exigirão uma gestão eficiente do empreendimento contratado.
7. Considerações finais
O critério de julgamento de maior retorno econômico, utilizado pela primeira vez, promete eficiência e benefícios para ambas as partes em decorrência da economia gerada.
Assegura a motivação do contratado ao executar o serviço, uma vez que terá seu retorno com base no sucesso do empreendimento, ao longo dos anos, e permite a administração inteligente dos recursos públicos.
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1 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas. 2ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 531.
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2 As despesas correntes compreendem as despesas de custeio e as transferências correntes (art. 12, da 4.320/1964).
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3 Idem, p. 532.
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4 Idem, p. 544.
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5 Prevê que, excepcionalmente, mediante prévia justificativa da autoridade competente, poderá ser admitida a utilização da forma presencial nas licitações que utilizem o maior retorno econômico.
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6 Até 10 (dez) anos, nos contratos sem investimento, no qual inexistem benfeitorias permanentes; até 35 (trinta e cinco) anos, nos contratos com investimento, quando implicar a elaboração de benfeitorias permanentes, realizadas exclusivamente às expensas do contratado, que serão revertidas ao patrimônio da Administração Pública ao término do contrato.