1. Introdução
Ao longo das últimas décadas, houve certa desburocratização da Administração Pública, sobretudo em razão da implementação gradual do “Governo Digital” ou “e-Governo”. Trata-se da digitalização de processos e implementação de ferramentas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TICs), além de outros equipamentos e sistemas informáticos, pela Administração Pública.
Como a internet é a maior e mais utilizada plataforma de comunicação entre pessoas físicas e jurídicas – grande consequência da sociedade da informação –, governos de todo o mundo têm focado na implementação, renovação e atualização do seu ambiente digital. A consequência direta é uma maior celeridade das diversas atividades desempenhadas pela Administração Pública.
Entretanto, os objetivos do governo digital não podem se limitar à utilização de ferramentas tecnologias para a automação dos serviços prestados. Devem instigar o envolvimento do cidadão nas atividades governamentais, fomentando a cidadania e modernizando o setor público como um todo. O Estado tem o dever de acompanhar a revolução tecnológica, proporcionando ao cidadão estar sempre estimulado a exercer sua cidadania, seja no cenário político, econômico e/ou social do país.
2. Os impactos da pandemia no Governo Digital
O contexto social, político e econômico ocasionado pela pandemia impulsionou a incorporação de tecnologias nos mais diversos serviços prestados pela Administração Pública. A pandemia alavancou e acelerou significativamente o processo de implementação existente e gradual do governo digital e das suas ferramentas.
Foram necessárias apenas algumas semanas após o início da quarentena para que os mais diversos setores públicos e privados se adaptassem à nova realidade e desenvolvessem mecanismos que possibilitassem a continuação de suas atividades de forma remota. No âmbito do Judiciário, por exemplo, houve a implementação de sessões de julgamento, audiências e atendimento ao público de forma virtual.
O governo brasileiro tomou diversas medidas para incorporar as tecnologias em seus serviços e parece que esse legado da pandemia consistirá na nova normalidade no que tange à Administração Pública – o que pode acelerar e potencializar um maior envolvimento do cidadão nas atividades governamentais.
3. A digitalização de serviços da Administração Pública
Nesse contexto, em 28.4.2022, foi publicado o Decreto nº 10.332, que instituiu a “Estratégia de Governo Digital para o período de 2020 a 2022”, tratando de assuntos relativos à implementação das ações de governo digital e ao uso de recursos de tecnologias da informação e comunicação nos serviços e atividades da Administração Pública.
O Decreto prevê, por exemplo, a concessão de acesso amplo à informação e aos dados abertos governamentais, a integração e a interoperabilidade das bases de dados governamentais; a otimização das infraestruturas de tecnologia da informação e comunicação; entre outras medidas.
A ideia é que o e-governo atue como um facilitador do atendimento das necessidades do cidadão, especialmente por meio de plataformas digitais, tais como o Portal da Transparência, o Portal Nacional de Contratações Públicas, o Portal Brasileiro de Dados Abertos, entre outros. Essas plataformas, em essência, traduzem o dever da Administração Pública de atender de maneira satisfatória as necessidades da coletividade, de forma transparente e simples.
Entretanto, existem desafios a serem superados para que o Governo Digital alcance sua plena funcionalidade e seja, de fato, satisfatório para os cidadãos.
4. O principal desafio: a isonomia
Considerando a pluralidade de realidades presentes no Brasil, a introdução de novas tecnologias na Administração Pública pode gerar sérios riscos para o princípio da igualdade (CF/88, art. 3°, IV; art. 5º, caput; art. 19, III).
A utilização da informática tende a reduzir as situações de disparidade de tratamento entre diversos interessados. Há padronização do oferecimento e da prestação de serviços, produtos e afins, reduzindo a esfera da discricionariedade administrativa no caso concreto e garantindo a impessoalidade.
Contudo, existe grande preocupação com a eventual desigualdade no acesso à tecnologia, porque no Brasil ainda há uma separação nítida entre as pessoas que podem e as que não podem ter tal acesso. O efeito dessa separação recebe o nome de exclusão digital, expressão que vem se tornando mais recorrente no Brasil.
Assim, sem prejuízo de se tomar providências para mitigar esse efeito, a utilização das TICs pela Administração Pública deve ser feita com as devidas cautelas, sobre pena de se intensificar a exclusão digital e acarretar prejuízo à isonomia. Isso significa adotar uma política ativa de fomento e estratégias para evitar situações discriminatórias, garantindo o acesso amplo aos serviços digitais.
Não existem soluções ou estratégias fáceis e pré-estabelecidas para tanto, de maneira que as situações de desigualdade devem ser enfrentadas conforme a especificidade do ambiente em que ocorrem.
Mas existem métodos que podem ser utilizados para diminuir a exclusão digital, tais como (1) a implementação de mecanismos de universalização da internet, baixando seus custos ou oferecendo-a gratuitamente; (2) a criação de serviços acessíveis a portadores de deficiência, inclusive por meio de portais especialmente desenvolvidos para essa finalidade; (3) a promoção de programas de alfabetização digital, bem como a criação de portais e serviços simples e transparentes, que possam ser compreendidos utilizados mesmo por aqueles que não gozam de profunda compreensão informática; (4) campanhas informativas sobre as vantagens da utilização de meios eletrônicos, assim como a garantia da qualidade da prestação de serviços, sobretudo em relação à segurança e à correção das informações prestadas pela Administração.
5. Conclusão
O governo digital ainda pode causar certa desconfiança nos usuários, gerando insegurança também aos gestores públicos. Mas o setor público não deve ficar preso ao passado e inerte à revolução tecnológica, devendo adotar progressivamente os meios eletrônicos.
Tal medida, em paralelo às formas tradicionais, possibilita que os usuários possam gradualmente se adaptar e testar a qualidade de uso e de serviço. Com isso, futuramente poderá ser estabelecida a exclusividade do atendimento digital de modo não traumático.