Informativo Eletrônico - Edição 194 - Abril / 2023

O MÉTODO DE NEGOCIAÇÃO DE HARVARD: COMO CHEGAR AO SIM

Gabriela Wanzo

1. Introdução

O método de negociação de Harvard, denominado Principled Negotiation, é conhecido por ser um dos métodos mais eficazes de negociação.

Foi desenvolvido por William Ury e Roger Fisher com o objetivo de aperfeiçoar o programa de negociação Global Negotiation Project, da faculdade de direito de Harvard, a fim de que as partes cooperem entre si para alcançar uma solução mutuamente benéfica.

O método se baseia em técnicas acessíveis, que podem ser aplicadas facilmente por qualquer pessoa que almeja uma negociação bem-sucedida.

2. A negociação segundo William Ury e Roger Fisher

De acordo com Ury e Fisher, as partes em negociação devem se relacionar como parceiras ao invés de adversárias, de modo a estabelecer uma relação construtiva e de longo prazo. 

Dentro deste modelo, torna-se mais fácil combater as inevitáveis divergências de opiniões, assim como encontrar soluções para os desentendimentos existentes. 

É necessário que as partes envolvidas voluntariamente escolham a negociação como método de resolução do conflito. Ou seja, as partes negociam porque acreditam conseguir um resultado mais proveitoso do que simplesmente aceitando determinada proposta ou se submetendo a uma disputa formal com regras e/ou procedimentos, como um processo judicial ou arbitragem.

Trata-se de uma ferramenta para conseguir o que se deseja dos outros. É uma comunicação empregada para chegar a um acordo, pouco importando se os interesses das partes são comuns ou conflitantes. 

2.1. Características de uma negociação

As características de uma negociação são de fácil identificação: (i) a presença de duas ou mais partes, entre indivíduos ou grupos; (ii) a existência de um conflito entre as partes; (iii) a escolha voluntária pela negociação; (iv) a inclinação para concessões recíprocas; (v) a preferência por negociar um acordo sob o governo da vontade própria do que entrar em uma disputa formal com regras e/ou procedimentos.

A negociação é precedida de um conflito entre as partes, que voluntariamente escolhem este método de resolução da controvérsia. As partes negociam porque acreditam em conseguir um resultado mais proveitoso do que aceitando determinada proposta ou se submetendo a uma disputa formal com regras e/ou procedimentos, como um processo judicial ou arbitragem, por exemplo.

É esperado que ocorram concessões dos lados envolvidos. As partes caminharão rumo ao meio termo, afastando-se de seus pedidos e posições iniciais.

2.2. A finalidade do método de negociação de Harvard

A finalidade da Principled Negotiation é conquistar acordos que atendam aos objetivos e necessidades de todos. Ao enxergar o outro como um parceiro, diversamente de como um adversário, as diferenças são minimizadas e os interesses mútuos se destacam. 

Para Fisher e Ury, além de coerente e eficaz, um bom acordo é aquele que melhora o relacionamento entre as partes. O seu método de negociação é baseado na premissa de ser rígido com o problema, mas tolerante com as pessoas (URY, William. Getting Past No: Negotiating in Difficult Situations. Nova Iorque: Bantam Dell, 2007, p. 5). Em vez de atacar umas às outras, as partes conjuntamente atacam o problema.

3. A indispensabilidade da preparação

A qualidade da preparação anterior à negociação influencia diretamente como ela será conduzida e o seu resultado. Quanto mais complexa a questão, maior deverá ser o tempo de preparo. As negociações são significativamente mais eficazes quando há dedicação à preparação anterior ao diálogo. 

3.1. Identificando os objetivos: separando as pessoas do problema

O primeiro passo é definir os objetivos da negociação e os principais problemas que possam impedir que eles sejam alcançados. Identificar os objetivos pessoais e os da outra parte influencia a forma de escolha de estratégias, tanto de forma direta quanto indireta. 

É preciso ponderar quais questões serão discutidas. Há negociações que envolvem um único problema, enquanto há negociações mais complexas envolvendo múltiplas questões.

É imperativo analisar o problema de forma objetiva, separando essa discussão das pessoas envolvidas. Deve-se manter o controle, ainda que sob pressão, neutralizar a raiva, hostilidade e outros comportamentos da outra parte. 

3.2. Validando e antecipando os interesses e necessidades de cada lado

O próximo passo é definir os interesses e necessidades com relação à negociação. O segredo para alcançar um acordo utilizando a Principled Negotiation consiste na capacidade das partes de compreender e atender aos interesses do outro. Deve-se antecipar os interesses e necessidades do outro lado, verificando o que verdadeiramente estão buscando. 

Para tal, é preciso aprofundar-se nos fatores e razões pelas quais as partes realizam determinados pedidos. Presume-se que se ambas as partes entenderem os fatores motivadores da outra, poderão reconhecer possíveis compatibilidades de interesses que lhes permitam desenvolver novas opções de soluções, nas quais a probabilidade de consenso seja maior ou mais interessante.

As posições se referem à coisa concreta que a parte afirma querer. Os interesses dizem respeito às necessidades intangíveis que direcionam aquela posição. Estes podem incluir preocupações, medos, necessidades, desejos e aspirações. Todos motivam as posições.

Classificar os interesses por ordem de importância influencia a posterior geração de soluções alternativas.

É igualmente relevante entender as posições e interesses do outro lado. Ao colocar-se em seu lugar, as chances de atingir uma negociação bem-sucedida aumentam exponencialmente.

3.3. Considerando soluções alternativas: BATNA e WATNA

Negociadores devem cogitar o que farão se não chegarem a um acordo. Há situações em que as partes têm apenas duas opções: chegar a um acordo com a outra parte ou não chegar a acordo algum. O BATNA e o WATNA têm o intuito de criar uma terceira opção: encontrar uma solução alternativa.

O BATNA (Best Alternative to a Negotiated Agreement) é a melhor alternativa para um acordo. O WATNA (Worst Alternative to a Negotiated Agreement) é a pior alternativa. 

Na Principled Negotiation, além de celebrar o acordo, o objetivo é ultrapassar o BATNA. Caso a melhor alternativa negociada seja inferior ao BATNA, a negociação torna-se desfavorável e é preferível recorrer ao BATNA.

Tanto o BATNA quanto o WATNA têm a finalidade de serem parâmetros em uma negociação. 

Conhecer as possíveis alternativas pode determinar o sucesso no alcance dos interesses almejados. A conquista dos interesses é mais importante do que alcançar um acordo. O propósito de uma negociação é analisar a possibilidade de conquista, verificando se esta se sobrepõe ao BATNA.

Compreender o BATNA da outra parte ajuda a evitar os erros de subestimá-lo e superestimá-lo. Possibilita o desenvolvimento de um acordo atrativo à outra parte, ou seja, superior à sua melhor alternativa.

3.4. Avaliando e selecionando soluções alternativas exequíveis 

O próximo passo é avaliar e selecionar soluções alternativas exequíveis para definir a de melhor implementação. 

É importante investir em critérios objetivos para tomar as decisões. Os intangíveis muitas vezes levam o negociador a selecionar certas opções em detrimento de outras. Quando interesses opostos estão envolvidos, é imprescindível utilizar critérios objetivos de forma a resolver as desavenças.  

O ideal é que antes de avaliar as opções, as partes entrem em um consenso quanto aos critérios. As soluções dev  em ser avaliadas considerando qualidade, padrões e aceitabilidade. Quando os envolvidos participam no desenvolvimento dos critérios pré-estabelecidos, este processo torna-se mais fácil. 

3.5. Síntese: elaboração de estratégias e planejamento 

A última etapa é a execução do plano. Há dois elementos a serem considerados. 

Em primeiro lugar, a forma de apresentação das questões e interesses. Deve-se ponderar acerca da forma de apresentação do caso ao outro negociador, fornecendo fatos e argumentos de apoio ao posicionamento. É preciso antecipar e refutar os contra-argumentos.

Em seguida, a estruturação do processo no qual essas informações são apresentadas. Isso inclui fatores relacionados à ordem de apresentação das questões, local da negociação, a forma de iniciá-la e o tempo de duração, o método de registro dos acordos etc.

Em seguida, a estruturação do processo no qual essas informações são apresentadas. Isso inclui fatores relacionados à ordem de apresentação das questões, local da negociação, a forma de iniciá-la e o tempo de duração, o método de registro dos acordos etc

Esses fatores irão determinar a forma em que a outra parte irá receber as propostas apresentadas.

4. Rumo ao acordo: a negociação 

Um dos principais desafios em uma negociação é mudar o jogo do confronto entre as partes para um formato de resolução de problemas lado a lado, a fim de transformar o seu oponente em um parceiro de negociação. 

Frequentemente, as pessoas deixam as suas emoções e o desejo de vencer obscurecer o seu julgamento. Ury descreve algumas táticas que podem auxiliar neste processo e romper as barreiras que impedem a cooperação: (i) go to the balcony; (ii) step to their side; (iii) reframe; (iv) build them a golden bridge; e (v) use power to educate (URY, William. Getting Past No: Negotiating in Difficult Situations. Nova Iorque: Bantam Dell, 2007). 

4.1. Não reaja: Go to the Balcony  

A reação é agir sem pensar. Há três reações naturais que ocorrem quando os indivíduos são confrontados com uma situação difícil: (i) striking back; (ii) giving in; e (iii) breaking off

A primeira reação é o instinto natural de “combater fogo com fogo”. Se o outro toma posições radicais, você faz o mesmo. No entanto, essa reação faz com que haja um confronto desnecessário, prejudica os relacionamentos a longo prazo e raramente faz com que haja um avanço na negociação. 

Em contrapartida, giving in ocorre quando o indivíduo se sente tão desconfortável que pensa somente em colocar um ponto final na discussão e, para tal, desiste ou cede aos termos da outra parte. Como consequência, são celebrados acordos insatisfatórios. 

A terceira reação engloba as situações em que os indivíduos preferem evitar o conflito. O indivíduo corta os laços com a pessoa difícil de lidar, o que traz sérias consequências. 

Para evitar essas reações, Ury criou a técnica denominada Go to the Balcony, que diz respeito a não reagir. Quando há uma negociação difícil, Ury propõe que a parte dê um passo para trás, recomponha-se e avalie a situação de forma objetiva. Balcony é uma metáfora para a atitude mental de desprender-se da situação e avaliar o conflito como um terceiro imparcial. Ao distanciar-se das emoções e reações naturais, torna-se mais fácil focar no objetivo da negociação. 

4.2. Não discuta: Step to Their Side

É natural que as partes se exaltem e entrem em um ciclo de discussões infrutíferas. Devido às suas experiências, as pessoas esperam que o outro lado apresente um ataque ou resista às propostas apresentadas. Para contornar essa situação, Ury recomenda que o uso de técnicas para desarmar o outro antes de debater o problema.

O segredo para apaziguar o outro é ter a reação contrária ao esperado. Deve-se ir ao lado da outra parte, o que causa desorientação e a torna mais receptiva a uma mudança de abordagem. Em suma, ficar ao lado do outro representa três condutas: ouvir, reconhecer e concordar. A escuta ativa tem um papel primordial. 

Depois de ouvir com atenção, é importante reconhecer os sentimentos do outro, apresentar confiança em seu projeto e, quando necessário, oferecer um pedido de desculpas. Sempre que possível, é bom concordar. A palavra-chave em uma negociação é “sim”. Cada concordância faz com que a tensão diminua e as partes estejam mais abertas a diferentes propostas. 

Algo que verdadeiramente faz a diferença é expressar opiniões sem provocações ou acusações. As diferenças devem ser reconhecidas com otimismo ao utilizar declarações que envolvem ambas as partes, enfatizando, desta forma, a parceria. 

4.3. Não rejeite: Reframe

Depois de estabelecer um ambiente mais propício e favorável à negociação, o próximo passo é virar o jogo. Ao invés de rejeitar a fala do oponente, é melhor aceitar e reformular para ter uma oportunidade de falar sobre o problema. O objetivo é mudar o jogo para que haja uma solução conjunta de problemas.

Há diversas vantagens ao reformular. Toda fala está sujeita à interpretação. Portanto, deve-se procurar uma percepção positiva. Como as pessoas tendem a se concentrar no resultado da negociação, elas podem não perceber a mudança sutil do processo. 

4.4. Não force: Build a Golden Bridge

O processo é muito importante, assim como a forma em que as ideias e soluções são apresentadas. É preciso guiar o outro através da ponte conjuntamente construída de forma a garantir que ele não recue

Isso significa envolver a outra parte na elaboração do acordo e estruturação das soluções a fim de que ele sinta que construiu o negócio. Aqui, deve-se guiar o outro para tomar as decisões que gostaria que ele tomasse. Quando as pessoas acreditam que a ideia é delas tornam-se muito mais propícias a aceitar e implementar o acordo. 

A Golden Bridge é uma construção que deve iniciar-se do lado do oponente e aos poucos, afastar-se de suas ideias e aproximar-se do meio-termo. O objetivo é ultrapassar o não. 

4.5. Não agrave: Use Power to Educate

O detentor da vantagem (e do poder) deve utilizá-lo de forma a educar o outro em vez de forçá-lo. Deve-se visar à satisfação mútua, não à vitória de apenas uma parte. Há sempre uma maneira das partes vencerem em conjunto. 

Ainda que seja possível ganhar de qualquer forma, é importante que haja negociação. Um resultado imposto ao outro consiste em um resultado instável. É mais fácil garantir que um acordo seja respeitado se as partes estiverem satisfeitas com ele. O propósito não é a vitória imposta por um poder, mas sim o contentamento alcançado através de uma negociação superior.

A forma como as negociações ocorrem determina o seu resultado e impacta o relacionamento das partes envolvidas.

Ainda que haja um longo caminho a ser percorrido para que a proposta da Principled Negotiation seja utilizada com maior frequência, as suas vantagens são incontestáveis.

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