Informativo Eletrônico - Edição 184 - Junho / 2022

A PRESCRIÇÃO NO TCU E O CONTRASTE COM A JURISPRUDÊNCIA DO STF

Fernão Justen de Oliveira
Jefferson Lemes dos Santos

1. A prescrição no âmbito do TCU

A regra no ordenamento brasileiro é a da prescritibilidade das  pretensões. A imprescritibilidade consiste em situação anômala e excepcional,  admitida apenas quando a Constituição assim dispôs de forma expressa e  inequívoca (v.g., art. 5º, XLII e XLIV). 

Em que pese a jurisprudência recente do STF sedimentar a regra da  prescritibilidade, o TCU reluta em aplicá-la no âmbito de sua competência.  Ainda prevalece, por exemplo, a imprescritibilidade como regra no tocante à  pretensão ressarcitória. Além disso, a racionalidade que impulsiona as  decisões do TCU destoa de precedentes sobre a aplicação da Lei 9.873 no  cômputo da prescrição. 

1.1. A regra para aplicar a prescrição na pretensão punitiva 

Segundo jurisprudência do TCU, a prescrição da pretensão punitiva  ocorre em 10 anos, aplicando-se o art. 205 do Código Civil. Este entendimento  foi consolidado a partir do Acórdão 1441/2016 – Plenário, que apreciou a  questão em sede incidente de uniformização de jurisprudência (art. 91 do RITCU) e fixou a tese de que “a pretensão punitiva do Tribunal de Contas da  União subordina-se ao prazo geral de prescrição indicado no art. 205 do  Código Civil”. 

A utilização do Código Civil como paradigma parte das premissas de  que: (i) a prescritibilidade da pretensão punitiva é a regra, e a  imprescritibilidade, a exceção; (ii) não existe previsão legal sobre prescrição no  tocante ao controle exercido pelo TCU; e (iii) incide a previsão genérica contida  Código Civil de que a “prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe  haja fixado prazo menor”.

A utilização da legislação civil para regular processos  administrativos/sancionatórios é questionável. Para o Ministro Raimundo  Carreiro, que levantou a questão durante a uniformização da jurisprudência, a  aplicação do prazo prescricional previsto no art. 205 do Código Civil “não me  parece adequada, menos pelo fato de regular, originariamente, relações  jurídicas de natureza privada”.

Contudo, prevaleceu o entendimento do Ministro Bruno Dantas para  quem o “Poder Legislativo, ao aprovar o Código Civil, definiu que a prescrição  ocorre em dez anos, quando a lei não houver fixado prazo menor”. 

Outro argumento que militou favoravelmente ao prazo decenal foi a  dificuldade de romper com a jurisprudência que já vinha aplicando  pacificamente a previsão do art. 205 do Código Civil. Segundo o voto do  Ministro Vital do Rego “a modificação de entendimento da Corte tem o condão  de gerar, como é cediço, insegurança aos jurisdicionados”. 

Tais premissas consolidaram a jurisprudência aplicada atualmente, que  pode ser extraída dos seguintes precedentes: Acórdão 1479/2022 – Plenário,  Acórdão 1477/2022 – Plenário, Acórdão 1471/2022 – Plenário e Acórdão  1461/2022 – Plenário, todos publicados em junho de 2022. 

1.2. A regra para aplicação da prescrição na pretensão ressarcitória

 A Súmula 150 do STF estabelece que “Prescreve a execução no mesmo  prazo de prescrição da ação”.  

Aplicar esse entendimento no âmbito do TCU implicaria reconhecer que a pretensão ressarcitória observaria o prazo decenal da pretensão punitiva.  Contudo, a jurisprudência do TCU utiliza uma racionalidade distinta e que  rejeita a identidade do prazo na pretensão punitiva e ressarcitória. 

Conforme assentado no Acordão 2709/2008 – Plenário, que unificou a  jurisprudência sobre o tema, a pretensão ressarcitória seria imprescritível por  observância ao art. 37, § 5º, da Constituição. Esse entendimento  consubstanciou, posteriormente, a edição da Súmula 282 do TCU, segundo a  qual “As ações de ressarcimento movidas pelo Estado contra os agentes  causadores de danos ao erário são imprescritíveis”. 

 Embora haja conflito com a jurisprudência atual do STF, a tese da  imprescritibilidade é cotidianamente aplicada pelo TCU, conforme se extrai dos seguintes precedentes da Primeira Câmara: Acórdão 3405/2022, Acórdão  3403/2022, Acórdão 3391/2022, Acórdão 3390/2022, todos de junho de 2022. 

2. O entendimento atual do STF sobre a prescrição

A jurisprudência atual do STF reflete a premissa de que a  prescritibilidade das pretensões é a regra no ordenamento jurídico. 

Na última década produziu-se diversos precedentes que reforçam a excepcionalidade da imprescritibilidade – a começar pelo Tema 666 de  repercussão geral em que se definiu que “É prescritível a ação de reparação de  danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil”.

No julgamento do Tema 897 o STF reconheceu a prescritibilidade das  pretensões de ressarcimento ao erário lastreadas em condutas danosas, mas  não dolosas. 

Pacificou-se o entendimento de que somente as condutas (i) dolosas, (ii) configuradoras de ato de improbidade e (iii) que geram dano ao erário estariam  sujeitas à imprescritibilidade inscrita na regra do art. 37, § 5º, da Constituição.  O dano imprescritível é aquele advindo de conduta dolosa. Não basta a desídia  ou inabilidade na gestão da coisa pública para aplicar a exceção contida no §  5º do art. 37. 

 O STF também fixou entendimento sobre a aplicação prescrição aos processos de competência do TCU. Há precedente qualificado (Tema 899 de  Repercussão Geral) consolidando que “É prescritível a pretensão de  ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas”. 

Em relação a prescrição punitiva, há uma pluralidade de julgados no  sentido de que o prazo prescricional obedece ao regime previsto Lei 9.873

Confiram-se os mais recentes: 

  • A prescrição da pretensão punitiva do TCU é regulada integralmente pela  Lei nº 9.873/1999, que fixa o prazo de 5 (cinco) anos a contar da data da  prática do ato. Embora se trate, aqui, não da imposição de sanções, mas de pretensão de ressarcimento ao erário, entendo que a referida lei representa  a regulamentação mais adequada a ser aplicada por analogia.1
  • 1. Aplica-se a Lei 9873/1999 ao Tribunal de Contas da União no que se  refere à prescrição e aos seus marcos interruptivos. Precedentes de ambas  as Turmas. 2. No caso concreto, está evidenciada a ocorrência de atos  inequívocos, os quais importaram na apuração dos fatos, suficientes para  interromper a alegada prescrição. 3. O efeito interruptivo da prescrição  decorrente da apuração do fato pela Administração Pública, descrito no art.  2º, II, da Lei 9873/1999, prescinde de notificação, cientificação ou citação  dos investigados, ocorrendo tão somente com o desaparecimento da inércia  do Poder Público em investigar determinado fato. 4. Sendo inexistente o  direito líquido e certo alegado pela parte Recorrente e, consequentemente,  não havendo qualquer comprovação de ilegalidade flagrante, é inviável a  presente ação mandamental.2

3. A recepção do entendimento do STF pelo TCU 

Em 15.06.2020, a SERUR propôs considerar o Tema 899  (prescritibilidade da pretensão ressarcitória) no julgamento do processo TC  027.624/2018-8. Em 30.09.2020 foi julgado prevalecendo a tese de que “a  decisão do STF no Tema 899, cuja repercussão geral foi reconhecida no  âmbito do RE 636.886, ainda não transitou em julgado naquela Corte, estando  pendente de apreciação de embargos de declaração opostos pela Advocacia Geral da União (AGU), justamente para melhor compreensão de seu exato  alcance” (Acórdão 2620/2020 – Plenário). 

Em outubro de 2021, o TCU enfrentou novamente a questão a propósito  do julgamento da TC 003.889/2016-5. A questão foi levada a julgamento em  20.10.2021, quinze dias após o trânsito em julgado do recurso que originou o  Tema 899 (RE 636886/AL). 

Nessa oportunidade, o TCU fixou o entendimento de que “a questão da  prescrição da pretensão punitiva do Tribunal encontra-se pacificada nos termos do Acórdão 1441/2016-TCU-Plenário, por meio do qual esta Corte de Contas  firmou entendimento de que se aplica a regra dos arts. 202 e 205 da Lei  10.406/2002 (Código Civil), ou seja, a prescrição geral de dez anos a partir da  ocorrência dos fatos, e a interrupção do prazo prescricional com o ato que  ordenar a citação”.

Desde então, esse argumento vem sendo replicado cotidianamente,  conforme se observa nos seguintes precedentes: Acórdão 1471/2022 – Plenário, Acórdão 1461/2022 – Plenário, Acórdão 1452/2022 – Plenário, todos  de junho de 2022. 

4. A criação do grupo de estudo específico sobre o tema pelo TCU 

Em março de 2022, o TCU constituiu um grupo de trabalho específico com o objetivo de “propor projeto de normativo que discipline o tema da  prescrição da pretensão ressarcitória e da prescrição da pretensão punitiva no  âmbito do controle externo”. 

A Ordem de Serviço nº 05, de 30 de março de 2022, estabeleceu o  prazo de 45 dias para formular: (i) projeto de normativo que discipline o tema  da prescrição da pretensão ressarcitória e da prescrição da pretensão punitiva  no âmbito do controle externo, incluindo a minuta da norma e a correspondente  justificação; e (ii) estudo fundamentando o projeto de normativo, incluindo a  avaliação do impacto das teses prescricionais discutidas sobre as responsabilidades e danos apurados nos processos em andamento no  Tribunal, sobretudo os mais sensíveis, relevantes e de elevada materialidade.  

Até o momento não há notícia de resultado alcançado pelo grupo de trabalho. 

5. Conclusão 

A jurisprudência do TCU sobre a prescrição não dialoga com as  recentes decisões do STF. Esse fenômeno cria um ambiente pouco  producente, na medida em que o controle judicial faz prevalecer a interpretação  constitucional do STF, fulminando os atos jurídicos destoantes. 

O estabelecimento de uma jurisprudência íntegra e coerente, tal como  exigido no art. 926 CPC, só é alcançado por meio da aplicação harmônica do  direito prevalente. 

A clareza com que o STF pacificou a questão dispensa subterfúgios e  exige proatividade do intérprete. 

Precisamente por isso é de extrema relevância a movimentação do TCU  no sentido de criar grupo de trabalho sobre o tema, que deve conduzir à harmonização dos entendimentos. Com isso, fica a certeza para o  jurisdicionado de que o atual impasse tende a findar em breve. 

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1 STF, MS 38.058/DF, Decisão Monocrática, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 05.04.2022. 

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2 STF, MS 35.953, 1ª Turma, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 28.09.2021.

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Fernão Justen de Oliveira
Fernão Justen de Oliveira
Mestre em Direito Privado pela UFPR. Doutor em Direito do Estado pela UFPR. Sócio da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Jefferson Lemes dos Santos
Jefferson Lemes dos Santos
Especialista em Direito Ambiental pela UFPR. Advogado da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Fernão Justen de Oliveira
Fernão Justen de Oliveira
Mestre em Direito Privado pela UFPR. Doutor em Direito do Estado pela UFPR. Sócio da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Jefferson Lemes dos Santos
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Especialista em Direito Ambiental pela UFPR. Advogado da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.