1. Norma analisada: regras processuais perante a Diretoria Colegiada da ANTAQ
No dia 1º/03/2022, entrou em vigor a Resolução n.º 66/2022, da Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, que substituiu a Resolução n.° 7.701/2020.
Em complemento à disciplina existente no Regimento Interno da ANTAQ (Resolução n.º 3.585/2014), a Resolução n.° 66/2022 visa detalhar aspectos do processo administrativo perante a Diretoria Colegiada (órgão de cúpula da ANTAQ – art. 52 da Lei Federal n.º 10.233/2001), desde a sua distribuição até a deliberação final das questões submetidas à apreciação da Agência, inclusive interposição de recursos, formação de enunciados de súmulas etc.
A nova Resolução tem como propósito promover a padronização e a organização dos processos perante a Diretoria Colegiada. Além disso, assegura às partes as garantias constitucionais e processuais estabelecidas no ordenamento jurídico, como o devido processo legal, a ampla defesa, a transparência e a segurança jurídica.
2. Inovações da norma
A Resolução n.º 66/2022 detalhou de forma minuciosa previsões que já existiam na Resolução n.º 7.701/2020 e trouxe algumas novidades que tendem a contribuir para uma maior racionalidade na tramitação e deliberação dos processos administrativos perante a Diretoria Colegiada da ANTAQ.
De um lado, dentre as questões que já possuíam previsão e foram melhor detalhadas, destacam-se os seguintes temas:
(i) organização e a publicação das pautas de julgamento – os arts. 16 e 17 da norma explicam a forma em que devem constar os processos nas pautas de julgamento, bem como as hipóteses em que a publicação da inclusão do processo em pauta é dispensável;
(ii) atos administrativos que poderão ser deliberados nas reuniões ordinárias da diretoria – o art. 19 da norma indica e distingue as formas de deliberações (instrução normativa, resolução, enunciado de súmula e acórdão);
(iii) pedido e realização de sustentação oral – art. 39 da norma; e
(iv) análise e a deliberação quanto às medidas cautelares – art. 40 da norma.
De outro lado, em relação às novidades, destacam-se:
(i) distribuição dos recursos – enquanto a previsão normativa anterior estabelecia que os recursos interpostos contra decisões da própria Diretoria Colegiada permaneceriam sob a relatoria do mesmo diretor, o art. 9° da norma atual prevê que esses recursos serão sorteados entre os diretores, sendo excluído do sorteio o autor do voto vencedor que fundamentou a matéria recorrida;
(ii) redução de frequência das reuniões virtuais, presenciais e telepresenciais da Diretoria Colegiada – o art. 18 da norma estabelece que as reuniões serão realizadas mensalmente;
(iii) previsão do diretor redator – apesar de já exisitir na prática dos julgamentos, a norma passou a prever a figura do redator, que será o diretor que proferir o voto vencedor (divergente) nos casos em que o voto do relator for vencido (art. 20 da norma);
(iv) obrigatoriedade da manifestação da Procuradoria Federal junto à ANTAQ nos processos que tratem das questões elencadas no art. 33 da norma;
(v) novo capítulo destinado aos recursos – a norma detalhou e acrescentou hipóteses de recursos cabíveis, antes não previstas, como os embargos de declaração (que já eram admitidos na prática) e o recurso de revisão;
(vi) valorização dos precedentes (jurisprudência) – novo capítulo da norma prevê a edição de súmulas de entendimentos consolidados da diretoria colegiada, a serem observados nas demais instâncias da ANTAQ e pelo público interessado no setor; e
(vii) contagem de prazos em dias úteis – os prazos previstos na norma são contados em dias úteis, salvo nos casos de recursos e outras disposições em contrário (art. 62 da norma).
Dentre as novidades acima retratadas, algumas delas merecem maior aprofundamento.
2.1. Regras de distribuição e redistribuição de processos
A distribuição de processos permanece sendo realizada por meio de sorteio, conforme já era previsto na norma anterior. A novidade é que agora os recursos seguirão a mesma regra, não mais permanecendo com o relator originário (arts. 3° e 9° da norma). Na hipótese de encerramento do mandato do diretor relator, os processos de sua relatoria passarão a ser relatados pelo diretor que o suceder no cargo (art. 7° da norma).
Fogem à regra do sorteio os processos que são de atribuição exclusiva do diretor geral e aqueles que possuem conexão ou continência, conforme indicado pelo art. 5° da nova norma. Os casos de conexão ou continência serão julgados de forma conjunta (art. 8° da norma).
Nos casos de arguição de impedimento ou suspeição de diretor, o incidente será autuado em apartado e sorteado para novo relator, sendo excluído do sorteio o diretor alvo da arguição (art. 3°, § 2°, da norma). Verificada a existência do impedimento ou suspeição, o diretor impedido ou suspeito será excluído do sorteio, independentemente da fase processual (art. 4, § 2°).
Os detalhamentos e inclusões realizados pela nova Resolução no capítulo da distribuição de processos e de recursos garante aos administrados maior transparência a respeito de como se iniciará a tramitação de processos na Diretoria Colegiada da ANTAQ, além de organizar e padronizar o procedimento interno da Agência.
2.2. Recursos administrativos
O Capítulo VI da Resolução trouxe como novidade um rol de recursos cabíveis em face das decisões da diretoria colegiada da ANTAQ, acrescentando figuras recursais antes não previstas. O art. 44 da norma prevê a possibilidade de apresentação dos seguintes recursos: recurso hierárquico, recurso de reconsideração, embargos de declaração e recurso de revisão.
Tal como antes, os recursos administrativos passarão por exame de admissibilidade e não serão conhecidos quando interpostos fora do prazo, por quem não tenha legitimidade para recorrer, contra decisão que determinar a realização de diligência ou fiscalização, contra ato de mero expediente, ou sem o recolhimento da multa de que trata o § 6° do art. 58 da Resolução (hipótese de majoração de multa aplicação, nos casos de reiteração de embargos de declaração considerados protelatórios).
Os recursos hierárquico e de reconsideração deverão observar o prazo de 30 dias corridos para sua interposição. Os embargos de declaração observarão o prazo de dez dias corridos. Já o recurso de revisão, que possui natureza similar à da ação rescisória no processo civil (art. 966 e seguintes do Código de Processo Civil – CPC), poderá ser interposto dentro do prazo de cinco anos.
Todos os prazos recursais começam a ser contados a partir da notificação da decisão recorrida, embora os atos da Agência também sejam publicados no Diário Oficial da União (art. 63 da norma).
Para os recursos hierárquico e de reconsideração, a regra será a de ausência de efeito suspensivo, salvo quando interpostos nos processos sancionadores, hipótese em que os recursos terão efeito suspensivo automático. No caso de oposição de embargos de declaração, o prazo para interposição dos demais recursos ficará interrompido, reiniciando-se após a notificação referente ao seu julgamento.
Além das novidades acima indicadas, a Resolução buscou adequar as regras processuais da ANTAQ aos princípios e orientações previstos na Lei Federal n.º 9.784/1999 e no CPC, à luz das normas constitucionais pertinentes.
2.3. Observância da LINDB: segurança jurídica
A Resolução também tratou de observar as disposições inseridas na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB, por meio da Lei Federal n.º 13.655/2018, com o intuito de ressaltar a importância do princípio constitucional da segurança jurídica no âmbito da Administração Pública.
O art. 30 da LINDB passou a prever o seguinte acerca da segurança jurídica:
Art. 30. As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas.
Parágrafo único. Os instrumentos previstos no caput deste artigo terão caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão.
O Decreto Federal n.º 9.830/2019, que regulamentou o dispositivo inserido na LINDB, entre outros, também dispõe o seguinte:
Art. 19. As autoridades públicas atuarão com vistas a aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de normas complementares, orientações normativas, súmulas, enunciados e respostas a consultas.
Parágrafo único. Os instrumentos previstos no caput terão caráter vinculante em relação ao órgão ou à entidade da administração pública a que se destinarem, até ulterior revisão.
[…]
Art. 22. A autoridade que representa órgão central de sistema poderá editar orientações normativas ou enunciados que vincularão os órgãos setoriais e seccionais.
[…]
Art. 23. A autoridade máxima de órgão ou da entidade da administração pública poderá editar enunciados que vinculem o próprio órgão ou a entidade e os seus órgãos subordinados.
Art. 24. Compete aos órgãos e às entidades da administração pública manter atualizados, em seus sítios eletrônicos, as normas complementares, as orientações normativas, as súmulas e os enunciados a que se referem os art. 19 ao art. 23.
A respeito dos dispositivos recentemente inseridos na LINDB, HENRIQUE RIBEIRO CARDOSO e DAVI BARRETTO DÓRIA escreveram o seguinte:
Para assegurar ainda mais o princípio da segurança jurídica, o art. 30 da LINDB positivou a objetivação de demandas administrativas, cuja intenção é evitar decisões díspares para casos similares.
[…]
Avançando ainda mais na harmonização dos sistemas — processual e administrativo —, a inovação perpetrada na LINDB abraça a tão esperada autorização legislativa expressa de se utilizar do microssistema de uni-formização jurisprudencial também na seara administrativa, a despeito da sua perene existência antes mesmo da alteração legislativa, de forma que a objetivação de demandas administrativas é uma realidade legislativa capaz de fomentar a segurança jurídica por meio da certeza de que as decisões tomadas com base no juízo consequencialista previsto no art. 20 da LINDB serão observadas pelas partes. (A segurança jurídica dos atos administrativos e a objetivação das demandas refletidas no art. 30 da nova LINDB, Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 279, n. 3, p. 149-179, set./dez. 2020, p. 153 e 174)
Nesse sentido, a Resolução n.º 66/2022 da ANTAQ estabeleceu as seguintes normas:
Art. 61. A Súmula da Jurisprudência da ANTAQ constituir-se-á de enunciados, que resumirão teses, soluções, precedentes e entendimentos adotados reiteradamente pela Diretoria Colegiada ao deliberar sobre matérias de sua competência.
§ 1º Na organização gradativa da Súmula, a cargo da unidade responsável pelo secretariado das reuniões de Diretoria, será adotada numeração de referência para os enunciados, aos quais seguir-se-á a menção dos dispositivos normativos e dos julgados em que se fundamentam.
§ 2º Poderá ser incluído, revisto, revogado ou restabelecido, na Súmula, qualquer enunciado, mediante aprovação pela maioria dos diretores.
§ 3º Ficarão vagos, com nota de cancelamento, os números dos enunciados que a Agência revogar, conservando os mesmos números os que forem apenas modificados, fazendo-se menção expressa à alteração.
§ 4º A Súmula e suas alterações serão publicadas no portal da Agência na internet.
§ 5º A citação da Súmula será feita pelo número correspondente ao seu enunciado e dispensará, perante a Agência, a indicação de julgados no mesmo sentido.
Ou seja, a regulamentação setorial, além de observar a mencionada regra legal, tem o condão contribuir para a prática processual na ANTAQ. Afinal, em determinados casos, em razão da falta de mecanismos de orientação geral quanto aos entendimentos adotados, verifica-se a inobservância das deliberações e orientações da Diretoria Colegiada por parte das próprias unidades setoriais da ANTAQ. Essa norma tem o potencial de evitar esse cenário.
Portanto, a formulação de enunciados gerais deve facilitar futuras análises técnicas pelas unidades setoriais da ANTAQ e inclusive a consulta externa a respeito dos entendimentos aplicados ao setor, em prol da segurança jurídica, conferindo maior coerência ao ordenamento jurídico.
3. Conclusão: aprimoramento das normas processuais da ANTAQ
Ao analisar as inovações implementadas pela Resolução n.º 66/2022 da ANTAQ no âmbito dos processos administrativos em trâmite perante a Diretoria Colegiada da Agência, verifica-se uma preocupação em adequar esses processos às normas constitucionais, em atenção aos princípios da legalidade, da isonomia, da razoabilidade, da ampla defesa, do contraditório, da segurança jurídica, dentre outros princípios que são previstos na Constituição Federal e na Lei Federal de Processo Administrativo – Lei Federal n.º 9.784/1999.
Essa preocupação da Agência tem o potencial de trazer impactos positivos ao setor e aos administrados, especialmente no que se refere à segurança jurídica, inclusive em favor de um melhor ambiente de negócios e de investimentos em infraestrutura portuária.