Informativo Eletrônico - Edição 206 - Abril / 2024

DEBÊNTURES DE INFRAESTRUTURA E INCENTIVO AO INVESTIMENTO PRIVADO NO BRASIL

Mayara Gasparoto Tonin
Maria Julia Bezerra Castelo Branco

1. Futuro da infraestrutura: necessidade de investimento privado

Recentemente, Larry Fink, em sua tradicional Carta Anual para os investidores da BlackRock¹, destacou que a infraestrutura é um dos maiores desafios econômicos da primeira metade deste século. Segundo ele, na medida em que os países estão descarbonizando e digitalizando suas economias, cresce a demanda por todo o tipo de infraestrutura, sem que as demandas antigas desapareçam.

O presidente da maior gestora de ativos do mundo também destacou que o setor público não terá condições de arcar sozinho com os investimentos necessários dos setores de transportes, energia, telecomunicações, saneamento, entre outros. Tanto o capital necessário como a dívida pública são muito elevados. Para ele, o futuro da infraestrutura está nas parcerias público-privadas.

No Brasil, o cenário não é diferente. A dívida pública bruta é de cerca de R$ 8 trilhões e representa quase 80% do PIB brasileiro, segundo dados do Banco Mundial². Conforme a mais recente Carta de Infraestrutura da Inter B., “há mais de 3 décadas não se investe o suficiente para responder às demandas do bem-estar da população e os requisitos básicos de uma economia competitiva”³. A consultoria estima que o investimento anual necessário em infraestrutura é de pelo menos R$400 bilhões.

Diante disso, o futuro da infraestrutura no Brasil também está no investimento privado, que atualmente representa cerca de 60% do investimento total nesse setor.⁴

2. Incentivo ao investimento privado: debêntures de infraestrutura

Tanto é assim que, em meio a esse prognóstico, foram criadas no Brasil as debêntures de infraestrutura, que podem ser emitidas por “sociedades de propósito específico, concessionárias, permissionárias, autorizatárias ou arrendatárias, constituídas sob a forma de sociedade por ações” (art. 2º da Lei 14.801/2024).

Os recursos captados “serão destinados à implementação de projetos de investimento na área de infraestrutura ou de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação considerados como prioritários” (art. 2º, §1º, da Lei 14.801/2024).

Muito embora nem as debêntures nem o incentivo ao financiamento de projetos de infraestrutura sejam novidades no Brasil, a criação e a regulamentação da modalidade específica de debêntures de infraestrutura confirmam não só a relevância como a necessidade da participação privada nesses setores da economia.

3. Debêntures: captação alternativa de recursos de terceiros

As debêntures são títulos de dívida privada, que conferem ao seu titular um direito de crédito contra a companhia emissora (art. 52 da Lei 6.404/1976). São títulos de crédito, cuja nomenclatura significa “são devidos”⁵, que surgiram da necessidade das companhias obterem recursos de terceiros por outra forma que não empréstimos bancários via instituição financeira⁶. Para definição sobre a realização de um financiamento ou mesmo para opção pelo uso de capital próprio dos acionistas via aumento de capital importam as condições de mercado, o destino dos recursos captados, a expectativa de retorno do investimento, o excesso de capital de risco, as características financeiras do empréstimo pretendido, entre outros.

Assim, a principal função das debêntures “é servir de instrumento nas trocas que se processam no mercado de capitais entre a companhia e os agentes que dispõem de poupanças para investir”⁷. A companhia emite debêntures, que são adquiridas por investidores, e recebe em troca recursos financeiros para aplicar nos negócios da empresa, obrigando-se a devolver uma quantia maior no futuro.

No ordenamento jurídico brasileiro as debêntures surgiram com a Lei 1.083/1860 e são reguladas atualmente pela Lei 6.404/1976. No setor de infraestrutura, adquiriram maior destaque com a criação das debêntures incentivas (Lei 12.431/2011) e passaram a ser mais utilizadas com a diminuição do protagonismo do BNDES no financiamento de grandes projetos do governo federal.⁸

4. Criação de benefícios aos emissores de debêntures: aumento do incentivo

As debêntures criadas pela Lei 14.801/2024 não substituem as debêntures incentivadas, criadas pela Lei 12.431/2011 também com o propósito de financiar projetos de infraestrutura. Mas, enquanto as debêntures incentivadas concedem benefícios fiscais aos compradores dos títulos de crédito que são pessoas físicas, as debêntures de infraestrutura concedem benefícios aos emissores dos títulos, o que tem o potencial de aumentar as emissões.

A Lei 14.801/2024 autorizou as emissoras de debêntures de infraestrutura a deduzirem, para efeito de apuração do lucro líquido, a quantia equivalente à soma dos juros pagos ou incorridos, nos termos permitidos pela legislação de imposto de renda e CSLL; e a excluírem, na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, a quantia correspondente a 30% da soma dos juros relativos às debêntures pagos naquele exercício (art. 6º).

Ou seja, o custo de emissão das debêntures de infraestrutura será menor, de modo que é possível oferecer aos investidores pessoas jurídicas remunerações mais atrativas e, consequentemente, retornos maiores. Com isso, espera-se o aumento do interesse dos investidores institucionais nos títulos, assim como um maior volume de investimentos, pois tais investidores possuem mais recursos disponíveis para aplicação do que as pessoas físicas.

As debêntures de infraestrutura não trazem incentivos à pessoa física, já que os rendimentos serão tributados na fonte como aplicações financeiras (art. 3º da Lei 14.801/2024), com alíquota regressiva. Nesse ponto, os títulos diferenciam-se das debêntures incentivadas, nas quais não incide imposto de renda para compradores pessoas físicas (art. 2º, I, da Lei 12.431/2011).

Além disso, o processo de emissão das debêntures de infraestrutura é menos burocrático. Segundo o Decreto 11.964/2024, que regulamenta a Lei 14.801/2024, o projeto de investimento, se cumprir os requisitos regulamentares, não precisa de aprovação ministerial (art. 3º, §1º). Assim, haverá uma maior celeridade na emissão, disponibilização e circulação dos títulos no mercado. A única exceção são os projetos que envolvam serviços públicos de titularidade dos entes subnacionais (art. 3º, § 2º), que poderá ser objeto aprovação ministerial prévia.

5. Financiamento na prática: delimitação dos projetos de infraestrutura

O Decreto 11.964/2024 estabeleceu critérios e condições para enquadramento dos projetos de investimento considerados prioritários no setor de infraestrutura do país. Com isso, é possível saber quais projetos poderão ser financiados por meio da nova modalidade de debêntures.

O rol de projetos prioritários é extenso. Estão incluídos os setores de logística e transportes; mobilidade urbana; energia; telecomunicações e radiodifusão; saneamento básico; irrigação; educação pública e gratuita; saúde pública e gratuita; segurança pública e sistema prisional; parques urbanos públicos e unidades de conservação; equipamentos públicos culturais e esportivos; habitação social; requalificação urbana; transformação de minerais estratégicos para a transição energética; e iluminação pública (art. 4º do Decreto).

Os setores de logística e transportes, mobilidade urbana, energia e habitação social possuem um rol taxativo de infraestrutura passível de financiamento (art. 4º, I, II, III e XII, que mencionam “incluídos exclusivamente”, do Decreto).

Ainda, apenas os projetos de investimento cujas intervenções, simultaneamente, sejam objeto de “concessão, permissão, autorização, arrendamento ou (…) contrato de programa”; e “envolvam ações de implantação, ampliação, recuperação, adequação ou modernização” (art. 5º, I e II, do Decreto) podem ser financiados por meio de debêntures de infraestrutura.

6. Regulamentação omissa: uso de recursos para pagamento de outorgas

A regulamentação da Lei 14.801/2024 não esclarece de forma expressa a possibilidade de uso dos recursos captados pelas debêntures para o pagamento de outorga em concessões. O art. 5º, §2º do Decreto 11.964 estabeleceu que “a emissão dos valores mobiliários com benefícios fiscais fica limitada ao montante equivalente às despesas de capital dos projetos de investimento”.

Muito embora não exista vedação expressa, as despesas de capital são “gastos para a produção ou geração de novos bens ou serviços que integrarão o patrimônio público, ou seja, que contribuem diretamente para a formação ou aquisição de um bem de capital”, e o Decreto 8.874/2016, que foi revogado pelo Decreto 11.964/2024, previa que as despesas de outorga dos empreendimentos de infraestrutura faziam parte do investimento (art. 2º, §3º). A previsão não foi repetida pelo novo regulamento.

De toda forma, caberá a cada Ministério (art. 15 do Decreto) indicar os subsetores prioritários, assim como critérios e condições complementares; o procedimento simplificado de aprovação ministerial prévia para projetos de entes subnacionais; e o procedimento de acompanhamento da implementação dos projetos. Também caberá ao Ministério da Fazenda dispor “sobre itens das despesas dos projetos de investimentos financiáveis por meio de debêntures incentivadas ou de infraestrutura” (art. 22 do Decreto 11.964).

7. Considerações finais

Considerando a crescente demanda por infraestrutura em um mundo em transformação, em que o setor público não possui os recursos suficientes, a dívida pública não deve diminuir e o investimento nesses setores fundamentais da economia já é insuficiente há décadas, as debêntures de infraestrutura assumem um papel relevante no desenvolvimento da infraestrutura no Brasil. Trata-se de uma solução alternativa ao método tradicional, bem estruturada e dotada de atrativos capazes de incentivar o investimento privado em setores estratégicos.

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¹ Larry Fink’s 2024 Annual Chairman’s Letter to Investors, 27.03.2024. Disponível em: https://www.blackrock.com/corporate/investor-relations/larry-fink-annual-chairmans-letter (acesso em 02.04.2024).

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² Disponível em https://data.worldbank.org/country/brazil (acesso em 16.04.2024).

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³ Disponível em: https://interb.com.br/wp-content/uploads/2024/02/CI23-23a-Carta-de-Infraestrutura-31.01.2024-1.pdf (acesso em 11.04.2024).

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⁴ Disponível em: https://interb.com.br/wp-content/uploads/2024/02/CI23-23a-Carta-de-Infraestrutura-31.01.2024-1.pdf (acesso em 11.04.2024).

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⁵ Do inglês “debenture” (https://www.dicio.com.br/), que vem do latim debentur, que significa “são devidos” (https://www.dictionary.com/browse/debenture).

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⁶ GUIMARÃES, Francisco José Pinheiro. Capítulo IV – Debêntures. In: LAMY FILHO, Alfredo; BULHÕES PEDREIRA, José Luiz (Coord.). Direito das companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 423.

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⁷ GUIMARÃES, Francisco José Pinheiro. Capítulo IV – Debêntures. In: LAMY FILHO, Alfredo; BULHÕES PEDREIRA, José Luiz (Coord.). Direito das companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 425.

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⁸ Segundo dados da ANBIMA, em 2016 houve uma redução, em relação ao ano anterior, de 53% do volume de desembolsos no BNDES no setor de infraestrutura. Disponível em: https://www.anbima.com.br/pt_br/informar/relatorios/mercado-de-capitais/boletim-de-financiamento-de-projetos/financiamento-de-projetos-na-modalidade-project-finance-tem-queda-de-36-2-em-2016-2CA08A9A632885AD01632F138F7D0652.htm (acesso em 19.04.2024).

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Mayara Gasparoto Tonin
Mayara Gasparoto Tonin
Mestre em Direito Comercial pela USP. Advogada da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Maria Julia B Castelo Branco
Maria Julia Bezerra Castelo Branco
Advogada da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.                                                        
Mayara Gasparoto Tonin
Mayara Gasparoto Tonin
Mestre em Direito Comercial pela USP. Advogada da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Maria Julia B Castelo Branco
Maria Julia Bezerra Castelo Branco
Advogada da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.