Informativo Eletrônico - Edição 186 - Agosto / 2022

O DEVER LEGAL DE OBSERVAR A RAZOABILIDADE E A PROPORCIONALIDADE NA DOSIMETRIA DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS

Alexandre Wagner Nester
Mariana Randon Savaris

1. As espécies de sanções administrativas

A violação a deveres de natureza administrativa, por parte dos sujeitos  que contratam com a Administração Pública (na sua grande maioria pessoas  jurídicas de direito privado) enseja a instauração do devido processo  administrativo e pode resultar na aplicação das sanções administrativas  prescritas em lei – sem prejuízo da responsabilização civil (indenização por  perdas e danos), da responsabilização criminal e da responsabilização por ato  de improbidade, nos termos da Lei 8.429/92. 

As sanções administrativas devem gerar efeitos exclusivamente no âmbito das relações administrativas do infrator, podendo ter natureza educativa (advertência), 1pecuniária (multa) ou de restrições de direitos em âmbito  administrativo, neste caso incluindo: a suspensão temporária do direito de licitar e contratar com a Administração, o impedimento do direito de licitar e  contratar com a Administração e a declaração de inidoneidade.2

2. As sanções administrativas tipificadas para na(s) Lei(s) de Licitações e  Contratações Administrativas

Para os sujeitos que cometem infrações administrativas em processos  de contratação pública regidos pela Lei 8.666, há a possibilidade de aplicação  das sanções de advertência, multa, declaração de inidoneidade, suspensão  temporária de participação em licitações e impedimento de contratar com a  Administração (arts. 86 e 87).

Já no âmbito da Lei 14.133 (nova Lei de Licitações), as sanções ficam  restritas à advertência, multa, impedimento de licitar e contratar e declaração  de inidoneidade para licitar ou contratar (art. 156).

3. O âmbito de incidência das sanções administrativas

A multa e a advertência são consideradas sanções internas ao contrato,  exaurindo seus efeitos no âmbito de cada contratação. As sanções de suspensão, impedimento ou inidoneidade são sanções externas ao contrato.  Produzem efeitos que extrapolam os limites do processo de contratação em que a infração foi praticada, mas ainda assim dentro da esfera administrativa  do sujeito.

4. O regime jurídico punitivo 

O regime jurídico punitivo a ser observado para aplicação de sanções  administrativas coincide com o da sanção penal. É imprescindível a instauração  do devido processo legal, com respeito aos princípios da legalidade, tipicidade,  culpabilidade e proporcionalidade. Todas as garantias inerentes a esses  postulados devem ser observadas, sob pena de nulidade.

5. As funções da sanção administrativa

A mesma sanção possui até três funções diferentes: punitiva (para  retribuir ao infrator sofrimento equivalente ao produzido pela conduta irregular),  de desincentivo (para estimular sujeito a atuar regularmente e evitar futuras  infrações) e preventiva (para impedir o exercício da atividade do sujeito punido  no âmbito em que a infração foi praticada).3 

6. A incidência obrigatória da proporcionalidade e da razoabilidade para o  devido cumprimento da função sancionatória

Para que as três funções da sanção administrativa surtam o efeito  esperado, é imprescindível que a penalidade aplicada seja proporcional à  gravidade e à reprovabilidade da infração praticada. Mais ainda, é preciso que  seja razoável diante do grau de lesividade da infração e dos efeitos práticos da punição à atividade do sujeito sancionado. 

Esse equilíbrio é ainda mais fundamental nas sanções externas ao contrato. Afinal, se a sanção for excessivamente prejudicial à atividade do punido, é possível que os efeitos da penalidade ultrapassem a esfera da pessoa jurídica sancionada, causando danos severos à sua função social, aos  seus funcionários e ao próprio mercado em que se insere (inclusive nas transações realizadas com o Poder Público). 

O direito brasileiro prescreve o dever legal do agente público, ao fazer a  dosimetria da sanção, dimensionar sua extensão e sua intensidade frente à  antijuridicidade identificada em cada caso. Em que pese a ocorrência da infração administrativa, “é essencial preservar a empresa e assegurar a  continuidade de sua atuação, inclusive no mercado público”.4

Esse dever está previso nos arts. 20 e 22 da LINDB (Lei de Introdução  do Direito Brasileiro), com ênfase para o dever de motivação: 

Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com  base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma  administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas. 

Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados  os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas  públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.  (…)
§ 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública,  as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente.  § 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria  das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato.

Também está disposto no art. 2º, parágrafo único, inc. VI, da Lei 9.784  (que regulamenta o processo administrativo em âmbito federal): 

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da  legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade,  ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre  outros, os critérios de:
(…)
IV – adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações,  restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao  atendimento do interesse público.

E também consta do art. 156, § 1º, da Lei 14.133 (nova Lei de Licitações): 

Art. 156. (…) 
§ 1º Na aplicação das sanções serão considerados: 
I – a natureza e a gravidade da infração cometida; 
II – as peculiaridades do caso concreto; 
III – as circunstâncias agravantes ou atenuantes; 
IV – os danos que dela provierem para a Administração Pública; 
V – a implantação ou o aperfeiçoamento de programa de integridade, conforme  normas e orientações dos órgãos de controle.

Em suma, no momento da aplicação de sanções administrativas, é obrigatório considerar (i) as peculiaridades do caso concreto, (ii) a natureza e  da gravidade da infração cometida, (iii) os danos causados à Administração,  (iv) as circunstâncias agravantes, atenuantes e os antecedentes do agente  infrator, (v) a existência de programas de integridade nas dependências da empresa, bem como (vi) as consequências práticas da decisão.

7. Os três pilares da dosimetria da sanção administrativa

Do regime legal acima sintetizado, é possível extrair três principais  pilares da proporcionalidade e da razoabilidade em processos administrativos  sancionatórios:

(i) o dever de considerar as peculiaridades do caso concreto;

(ii) o dever de avaliar os danos causados ao erário; e

(iii) o dever de ponderação entre as possíveis medidas sancionatórias  e as consequências práticas da sanção. 

7.1. O dever de considerar as peculiaridades do caso concreto 

É dever do agente público garantir que o sancionamento ocorra a partir  da ponderação das reais circunstâncias em que o ato foi praticado (art. 22, §  1º, da LINDB e art. 156, § 1º, II, da Lei 14.133). 

Significa que não basta considerar a apenas a existência da previsão  legal punitiva em abstrato. A simples subsunção dos fatos à norma é  insuficiente para determinar a sanção aplicável. 

É imprescindível que o processo sancionatório considere as peculiaridades do caso concreto e a situação do infrator: adoção e programas  de integridade, a ocorrência de circunstâncias agravantes ou atenuantes, os antecedentes, a ocorrência de erro escusável, a inaptidão, a boa-fé e todas as variáveis que estejam diretamente relacionadas ao elemento volitivo do infrator.

7.2. O dever de avaliar os danos causados ao erário

Além disso, para a dosimetria da sanção é fundamental considerar os danos efetivamente causados à Administração Pública (arts. 20 e 22, § 2º, da LINDB e art. 156, § 1º, IV, da Lei 14.133).

Se da infração não resultaram efeitos nocivos relevantes ao erário,  deve-se priorizar sanções menos prejudiciais à atividade do infrator, como a  advertência e a multa – sem prejuízo de eventual responsabilização civil para  reparação dos danos causados. 

É inadmissível a aplicação de sanção com base em conceito jurídico ou pressuposto meramente abstrato. Não cabe, por exemplo, a punição de sujeito  por genérico “dano à moralidade” do certame, notadamente quando não ficou  comprovada a ocorrência de danos materiais ou de má-fé. 

7.3. O dever de ponderação entre as possíveis medidas sancionatórias e  as consequências práticas da sanção

Por fim, é vedada a aplicação de sanção administrativa “sem que sejam  consideradas as consequências práticas da decisão” (art. 20 da LINDB). 

Isso significa que a decisão deverá demonstrar a adequação da medida  imposta em face das outras possíveis alternativas. Em outras palavras, não é  cabível que as sanções produzam efeitos insuportáveis para o sujeito apenado.  Uma medida deve ser aplicada somente se for a medida mais adequada em  face das alternativas existentes.

Multas exorbitantes e sanções externas ao contrato podem acarretar a  retirada do apenado do mercado. Essa exclusão, mesmo que por um período  determinado, tende a causar prejuízos severos (muitas vezes irreparáveis) e  pode acarretar até a falência (morte) da empresa. 

Nesses casos, os prejuízos ultrapassam a pessoa jurídica apenada e  atingem seu quadro profissional, funcionários e, ao fim e ao cabo, o mercado  público e privado em que o sujeito atua.

A redução do número de empresas dispostas e capazes de contratar  com o Poder Público implica menor competitividade e menos ofertas  vantajosas à Administração. Em determinados setores, esses efeitos deletérios  podem atingir o próprio desenvolvimento socioeconômico do país, que  depende das parcerias com empresas privadas para impulsionar investimentos  em infraestrutura.5

Daí a razão para afirmar que a aplicação de penalidades severas, tais  como a suspensão ou o impedimento de licitar e contratar ou, mais ainda, a  declaração de inidoneidade para licitar ou contratar, devem ser reservadas  para casos extremos e dotados de máxima reprovabilidade.

8. Considerações finais

É dever legal do administrador público conduzir o processo  administrativo sancionatório com respeito à razoabilidade e à proporcionalidade  na dosimetria das sanções.6

A Lei 14.133 perdeu a oportunidade de consagrar soluções mais  eficazes, racionais e compatíveis com o desenvolvimento econômico e social  em matéria de sanções administrativas.7

Não obstante, esse dever decorre diretamente dos arts. 20 a 22 da LINDB – bem como no art. 2º, parágrafo único, inc. VI, da Lei 9.784 – e é de suma importância para o sucesso das contratações públicas. 

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1 Além do caráter pedagógico, a advertência também submete o apenado a uma fiscalização  mais intensa e possibilita a aplicação de sanção mais severa em caso de reincidência.

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2 Além dessas espécies sancionatórias, Marçal Justen Filho também indica a resolução unilateral do contrato como uma das modalidades de sancionamento (Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei 14.133/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 1.622).

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3 JUSTEN FILHO. Comentários …, p. 1.594.

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4 JUSTEN FILHO. Comentários …, p. 1.629.

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5 Nesse sentido, veja-se: MORETTINI, Felipe T. Ribeiro; SAVARIS, Mariana Randon; e  SOUZA, Pablo Ademir de. A lógica sancionatória disfuncional da Lei Anticorrupção e os riscos de sua aplicação ao setor de infraestrutura. Revista LEX de Direito Administrativo, v. 3, 2021, p.  7-30. 

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6 Além disso, é preciso considerar a existência de programas de integridade (art. 156, § 1º, V,  da Lei 14.133) e priorizar soluções alterativas, como a reabilitação do licitante (art. 163 da Lei  14.133).

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7 JUSTEN FILHO. Comentários …, p. 1.629.

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Alexandre Wagner Nester
Mestre em Direito do Estado pela UFPR. Doutor em Direito do Estado pela USP. Sócio da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Mariana Randon Savaris
Mariana Randon Savaris
Especialista em Licitações e Contratos Administrativos pela PUC. Advogada da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Alexandre Wagner Nester
Mestre em Direito do Estado pela UFPR. Doutor em Direito do Estado pela USP. Sócio da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Mariana Randon Savaris
Mariana Randon Savaris
Especialista em Licitações e Contratos Administrativos pela PUC. Advogada da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.