1. A disciplina da Lei 8.666/1993 sobre o prazo dos contratos administrativos de execução continuada
A Lei 8.666/1993 estabelece que o prazo de duração dos contratos por ela regidos fica adstrito à vigência dos respectivos créditos orçamentários (art. 57, caput) – ou seja, prazo de até 12 meses. As exceções estão previstas nos incisos do art. 57.
Há os projetos cujos produtos estejam contemplados nas metas do plano plurianual, que poderão ser prorrogados (totalizando até 5 anos), conforme previsto no art. 57, inc. I.
E também os contratos de prestação de serviços a serem executados de forma continuada, que podem ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a Administração, até o limite de 60 meses, conforme disposto no art. 57, inc. II.
2. As previsões da Lei 14.133/2021 quanto aos contratos administrativos de execução continuada
A nova Lei Geral de Licitações e Contratações Administrativas (Lei 14.133/2021) alterou sensivelmente essa disciplina.1
No art. 105, ainda estabelece a regra geral que vincula a duração do contrato à disponibilidade de créditos orçamentários, bem como à previsão do plano plurianual, quando ultrapassar um exercício financeiro.
Mas especialmente no que se refere aos serviços e fornecimentos contínuos, a nova Lei alterou a moldura legal.
Primeiro, incluiu os fornecimentos contínuos ao lado dos serviços contínuos previstos no art. 106. A definição consta do art. 6º, inc. XV:
XV – serviços e fornecimentos contínuos: serviços contratados e compras realizadas pela Administração Pública para a manutenção da atividade administrativa, decorrentes de necessidades permanentes ou prolongadas.
Segundo, admitiu que o prazo original desses contratos seja de até 5 anos, permitida a sua prorrogação (i.e., a alteração do prazo original de vigência da contratação), de modo sucessivo, até o limite de 10 anos, desde que observadas todas as diretrizes dos arts. 105, 106 e 107.
Terceiro, estabeleceu regras relacionadas à duração de contratos com objetos específicos, tendo em vista as peculiaridades inerentes a essas contratações (arts. 108, 110, 113 e 114).
3. Os contratos administrativos de gestão de “facilities”: combinação do regime geral com a Lei 14.011/2020 para definição do prazo aplicável
Mas a disciplina dos contratos de execução continuada não se esgota no texto da Lei 14.133. Existem modalidades contratuais previstas em leis especiais, como é o caso dos contratos de gestão para ocupação de imóveis públicos descritos no art. 7º da Lei 14.011/2020.
Nessa figura contratual estão compreendidas, de modo geral, as contratações administrativas de gestão de “facilities” – um tipo de avença que se constituiu a partir da praxe empresarial e passou a ser utilizado também no âmbito da Administração Pública.
No Acórdão 929/2017, por exemplo, o Tribunal de Contas da União aludiu ao termo “facilities” para se referir ao contrato de gestão de dois edifícios da Caixa Econômica Federal em Porto Velho (RO). O voto do relator destacou que essa figura contratual – já consolidada na iniciativa privada – tem também o potencial aumentar a eficiência no âmbito da Administração Pública:
“…sobressaem as razões que levaram a instituição a optar por aquela modelagem de contratação, com ênfase para os argumentos relacionados às ‘novas premissas mercadológicas e modernas práticas de gestão administrativas’, à melhor ‘responsabilização técnica, pelos serviços realizados em inconformidade dentro de um mesmo ambiente’, à ‘dificultosa gestão de elevado número de contratos, com implicação na redução da eficiência do processo’ e à ‘diminuição dos custos diretos e indiretos’.” (TCU, Acórdão 929/2017, Plenário, rel. Min. José Múcio Monteiro – acesse aqui)
A sua implementação exige a observância das normas da Lei Geral (Lei 14.133). Mas há regras específicas que devem ser consideradas, especialmente para definição do prazo de vigência desses contratos.
3.1. A conjugação de distintas prestações de natureza continuada
O art. 7º da Lei 14.011 traz definição legal ampla, nos seguintes termos:
Art. 7º A administração pública poderá celebrar contrato de gestão para ocupação de imóveis públicos, nos termos da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.
§ 1º O contrato de gestão para ocupação de imóveis públicos consiste na prestação, em um único contrato, de serviços de gerenciamento e manutenção de imóvel, incluído o fornecimento dos equipamentos, materiais e outros serviços necessários ao uso do imóvel pela administração pública, por escopo ou continuados.
O dispositivo prevê a conjugação de prestações distintas, de natureza continuada, no âmbito de uma única contratação. Cabe ao contratado promover a gestão dessas atividades, geralmente relacionadas à ocupação, à preservação e à utilização de edificações de grande porte. Realizam-se, por exemplo, serviços coordenados de limpeza, vigilância, manutenção predial, fornecimento de alimentação etc.
A Lei 14.011 ainda prevê que a contratação pode contemplar não apenas serviços e fornecimentos, mas também “a realização de obras para adequação do imóvel, inclusive a elaboração dos projetos básico e executivo” (art. 7º, § 2º, inc. I).
Portanto, a gestão de “facilities” compreende diferentes prestações interconectadas de serviço e fornecimento, podendo inclusive envolver a realização de obras para adequação do imóvel.
3.2. A incidência das regras gerais de prazo de vigência
Segundo o art. 7º, caput, da Lei 14.011, os contratos de gestão para ocupação de imóveis públicos devem ser pactuados nos termos da Lei 8.666.
Diante da regra do art. 189 da Lei 14.133, a referência da Lei 14.011 à Lei 8.666 pode implicar, também, a incidência da disciplina da nova Lei Geral de Licitações e Contratações Administrativas aos contratos de gestão para ocupação de imóveis públicos:
Art. 189. Aplica-se esta Lei às hipóteses previstas na legislação que façam referência expressa à Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, à Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, e aos arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011.
Logo, os contratos referidos pelo art. 7º da Lei 14.011 estão submetidos, em princípio, (i) aos prazos do art. 57, inc. II, da Lei 8.666 (duração inicial de até 12 meses, com possibilidade de prorrogação até o limite de 60 meses) ou (ii) aos prazos dos arts. 106 e 107 da Lei 14.133 (duração inicial de até 5 anos, com possibilidade de prorrogação até o limite de 10 anos).
A definição dependerá da opção da Administração por contratar a gestão de “facilities” de acordo com a nova Lei ou de acordo com a legislação anterior.2
3.3. A possibilidade de prazo de vigência de até 20 anos
Embora sejam aplicáveis as regras gerais de contratação, a eventual existência de circunstâncias específicas, previstas na legislação especial, autoriza a fixação de prazo de vigência mais extenso para os contratos de gestão para ocupação de imóveis públicos.
A Lei 14.011 admite que o prazo de vigência seja de até 20 anos quando o objeto contratual compreender “investimentos iniciais relacionados à realização de obras e o fornecimento de bens” (art. 7º, § 2º, inc. II).
Isso decorre da necessidade de fixação de um período mais longo de execução contratual para amortização dos investimentos realizados pelo particular, tal como ocorre nas parcerias público-privadas.
4. Considerações finais
As inovações da Lei 14.133 quanto aos contratos de execução continuada permitem que essas contratações sejam planejadas por períodos mais extensos, tomando em vista as particularidades da necessidade administrativa a ser satisfeita em cada caso concreto. Cabe à Administração Pública avaliar se a natureza dos serviços e (ou) fornecimentos objeto da contratação justifica a opção por um prazo de vigência mais dilatado.
Essas considerações também se aplicam aos contratos administrativos de gestão de “facilities”, que têm sido identificados, de modo geral, com os contratos de gestão para ocupação de imóveis públicos (art. 7º da Lei 14.011).
Para esses contratos, a Administração Pública deve avaliar se a conjugação de distintas prestações de natureza continuada atrai a incidência das regras gerais de prazo de vigência ou possibilita, em razão da presença de circunstâncias especiais, a fixação de um prazo de vigência de até 20 anos.
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1 O tema já foi objeto de artigo publicado na edição nº 182 deste Informativo Eletrônico (acesse aqui).
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2 Essa possibilidade perdurará enquanto a Lei 8.666 ainda estiver em vigor, conforme previsto no art. 191 da Lei 14.133. Sobre o tema, vale a leitura de artigo publicado por MARÇAL JUSTEN FILHO acerca das implicações da caducidade da MP 1.167/2023 e da edição da Lei Complementar 198 (acesse aqui).