1. O Tema Repetitivo 1141 do STJ
No julgamento do Tema Repetitivo 1141 (REsp 1.841.108/SP), o STJ fixou entendimento sobre a prescrição da pretensão de nova expedição de precatórios ou Requisições de Pequeno Valor (RPVs) federais nos casos de cancelamento por decurso de prazo, conforme disposto na Lei 13.463/2017.
A tese firmada estabelece que:
A pretensão de expedição de novo precatório ou requisição de pequeno valor, fundada nos arts. 2º e 3º da Lei 13.463/2017, sujeita-se à prescrição quinquenal prevista no art. 1º do Decreto 20.910/32 e tem, como termo inicial, a notificação do credor, na forma do § 4º do art. 2º da referida Lei 13.463/2017.
A Lei 13.463/2017 prevê que valores depositados para pagamento de precatórios ou RPVs federais não levantados no prazo de dois anos devem ser considerados cancelados, revertendo-se os montantes à Conta Única do Tesouro Nacional. Para garantir o contraditório e o devido processo legal (ainda que de forma diferida), o § 4º do art. 2º exige a notificação formal do credor sobre o cancelamento.
A partir da interpretação sistemática da norma, o STJ concluiu que a pretensão de reexpedição não é imprescritível, devendo ser proposta dentro do prazo de cinco anos a partir da notificação do credor prevista no § 4º do art. 2º da Lei 13.463/2017.
2. Precatórios: Regime Constitucional e Procedimentos de Pagamento
O precatório é o instrumento utilizado pela Fazenda Pública para efetuar o pagamento de dívidas reconhecidas judicialmente, após o trânsito em julgado de sentença condenatória. Esse pagamento é formalizado por meio de requisição judicial ao Presidente do Tribunal competente (art. 100 da CF/88).
A Resolução 303/2019 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) regulamenta o procedimento relativo ao processamento e pagamento dos precatórios no âmbito do Poder Judiciário. Nos termos do art. 4º da Resolução e em consonância com o regime constitucional aplicável, “o pagamento de débito judicial superior àquele definido em lei como de pequeno valor será realizado mediante expedição de precatório”.
Já o art. 47 da Resolução fixa os valores mínimos para enquadramento na sistemática de RPV, caso não haja legislação específica da entidade devedora. Esta, caso exista, não poderá fixar o limite de valor para pagamento via RPV em valor inferior ao “do maior benefício do regime geral de previdência social” (art. 100, § 4º, da CF).
Os precatórios apresentados até 2 de abril de cada ano devem ser incluídos no orçamento público do exercício seguinte (art. 100, § 5º, da CF). Durante esse período (denominado “período de graça”), incide apenas atualização monetária. Caso haja atraso no pagamento (ou seja, não ocorra até o final do exercício para o qual o débito foi incluído no orçamento), passa a haver também a incidência de juros. Em qualquer caso, deve-se observar a ordem cronológica de pagamento e os benefícios e preferências instituídos pela Constituição (débitos alimentares, idosos, portadores de doenças graves etc.).
Assim, os pagamentos decorrentes de precatórios devem ser realizados pelo Poder Judiciário, seguindo-se as regras e procedimentos previstos na CF, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, na legislação ordinária e nas regras editadas pelo CNJ.
3. A Lei 13.463/2017 e o cancelamento de requisições não levantadas
Nesse contexto, a Lei 13.463/2017 disciplina a destinação dos recursos de precatórios e RPVs federais não levantados no prazo de dois anos. Nos termos do art. 2º, estabeleceu-se que os valores que permanecessem inativos em instituições financeiras oficiais deveriam ser cancelados e revertidos ao Tesouro Nacional.
Após a publicação da Lei, diversas quantias depositadas em contas judiciais sem levantamento por parte dos credores, por mais de dois anos, foram devolvidas ao Tesouro Nacional, gerando inquietação entre os particulares que não haviam retirado os valores por motivos diversos. Muitos recorreram ao Poder Judiciário para solicitar a reexpedição dos ofícios requisitórios, conforme direito garantido pela própria Lei 13.463/2017.
Nos casos em que os valores permaneceram depositados por mais de cinco anos, a Fazenda Pública federal passou a alegar a prescrição da pretensão da pretensão de reexpedição da requisição de pagamento (seja via precatório seja por meio de RPV), com base no previsto no art. 1º do Decreto 20.910/1932, sustentando que o prazo quinquenal havia transcorrido sem manifestação do credor.
A falta de uniformidade nas decisões judiciais gerou insegurança jurídica. Enquanto algumas decisões acolhiam a alegação de prescrição¹, outras reconheciam o direito do credor à nova expedição², especialmente quando não havia prova da notificação formal do credor exigida pela lei.
4. Critérios para análise da prescrição da pretensão de reexpedição – o entendimento fixado pelo STJ no Tema 1141
Diante dessa controvérsia, o STJ fixou a interpretação da questão por meio do Tema 1141, afetado ao REsp 1.961.642/CE. A Corte Superior estabeleceu que, havendo notificação formal e o decurso de cinco anos sem manifestação do credor, haverá prescrição da pretensão à nova requisição.
Por outro lado, o STJ fixou que nas hipóteses em que não há notificação formal do credor, o prazo prescricional não tem início, permitindo que o pedido de reexpedição seja feito mesmo após o biênio previsto na Lei 13.463/2017. Assim, a comunicação oficial torna-se essencial para o início da contagem do prazo.
Ou seja, se o pedido for feito dentro do prazo de cinco anos contados da notificação, deve ser processado normalmente, conforme as regras de liquidação e pagamento estabelecidas pela legislação e resoluções do CNJ. Caso seja formulado após este prazo, haverá prescrição da pretensão.
Logo, conforme entendimento fixado pelo STJ, a contagem do prazo prescricional para o exercício da pretensão de reexpedição do precatório ou da RPV não se dá a partir do depósito do requisitório que foi cancelado. Em linha com a teoria da actio nata, o STJ definiu que prescrição ocorre a partir da notificação do credor sobre o cancelamento do requisitório.
5. Conclusão
O Tema 1141 consolida a orientação jurisprudencial no sentido de que a pretensão de nova expedição de precatório ou RPV cancelado depende de provocação da parte e não é ilimitada no tempo, sujeitando-se às regras gerais de prescrição contra a Fazenda Pública.
Fixou-se que se aplica o prazo prescricional quinquenal, sendo a notificação do credor quanto ao cancelamento prevista no § 4º do art. 2º da Lei 13.463/2017 o termo inicial do referido prazo.
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¹ PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER E DE PAGAR. PRAZO ÚNICO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. OCORRÊNCIA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. […] após o decurso do prazo de 5 (cinco) do trânsito em julgado do título judicial que a originou, ou seja, após o prazo previsto no art. 1° do Decreto n° 20.910/1932 e na Súmula n° 150 do STF, de modo a configurar a prescrição da pretensão da parte exequente, no que diz respeito à obrigação de fazer e de pagar. 6. Apelação não provida. (TRF1, 9ª T, AC1003768-38.2018.4.01.4100, Desembargador Federal Euler de Almeida Silva Junior, j. 21.06.2024).
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² PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RPV/PRECATÓRIO CANCELADOS. LEI N. 13.463/2017. DEPÓSITOS NÃO SACADOS PELA PARTE EXEQUENTE. PRESCRIÇÃO AFASTADA. EXPEDIÇÃO DE NOVO OFÍCIO REQUISITÓRIO. POSSIBILIDADE […]. (TRF1, 2ª T, AI 1036578-13.2019.4.01.0000, Desembargador Federal Rui Costa Goncalves, j.10.12.2024).