Informativo Eletrônico - Edição 194 - Abril / 2023

A LEGALIDADE DA COBRANÇA PELO SERVIÇO DE SEGREGAÇÃO E ENTREGA DE CONTÊINERES (SSE) – PRECEDENTE DO STJ E TRF3

Rodrigo Costa Protzek
Arthur Gressler Wontroba

1. O Serviço de Segregação e Entrega de Contêineres (SSE)

Em observância ao art. 170, da Constituição Federal, os incisos V e VI do art. 3º da Lei Federal 12.815/2013 asseguram expressamente que a exploração dos portos organizados e instalações portuárias, no Brasil, será acompanhada de estímulo à livre concorrência, com liberdade de preços nas operações portuárias.

Nesse contexto normativo – e em decorrência das complexidades logísticas na movimentação e no armazenamento de cargas, bem como do regime instituído pela Instrução Normativa 248/2002 da Receita Federal, que estabeleceu a Declaração de Trânsito de Contêiner (DTC) –, tornou-se praxe no setor portuário a cobrança do Serviço de Segregação e Entrega de Contêineres (SSE).

Tal operação, realizada sob regime específico e somente por demanda (caracterizando atividade adicional não incluída no box rate¹, portanto), engloba um amplo conjunto de atividades físicas, burocráticas e administrativas, que demandam maquinário e profissionais específicos.

Diante desse cenário, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), desde 2012, passou a prever de forma expressa a possibilidade (que já existia antes) de cobrança por tal serviço, nos termos do art. 9º da Resolução 2.389/2012. Essa previsão foi mantida e devidamente detalhada e delimitada nas subsequentes Resoluções 34/2019 e 72/2022 da ANTAQ, com destaque aos seus respectivos arts. 2º, IX.²

2. As discussões sobre o assunto

A cobrança é alvo de controvérsias e impugnações judiciais e administrativas há muito tempo. Com as Resoluções da ANTAQ supracitadas, observadas as condições de controle de preço e contenção na prática de abuso de preço, o tema ganhou ainda mais relevância.

Em breve histórico desse cenário recente, destaca-se incialmente o Memorando de Entendimentos 01/2021, celebrado entre a ANTAQ e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), por meio do qual se consolidou o entendimento de que “a cobrança pelo SSE não configura, por si só, um ato ilícito”.

Reiterando tal perspectiva, o Departamento de Estudos Econômicos (DEE) do CADE, por sua vez, emitiu a Nota Técnica 17/2022/DEE/CADE. Apresentado em conjunto à Nota, o “estudo temático sobre a cobrança de valor referido por THC2 e congêneres” foi expresso ao enfim reconhecer que “há justificativa lícita para cobrança dos valores referidos por THC2 ou SSE”. Para isso, indicou-se que os “operadores portuários possuem um elevado custo fixo […], enquanto que os seus concorrentes, terminais retroportuários não possuem estes tipos de custo.”

Apesar disso, em 22.07.2022, o Plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) proferiu o Acórdão 1.448/2022, julgando procedente a denúncia da Tomada de Contas 021.408/2019-0 (relatada pelo Ministro Vital do Rêgo), impedindo cautelarmente a cobrança do SSE.

A decisão, cuja validade ainda está em discussão em recurso administrativo da ANTAQ pendente de julgamento pelo TCU e em processos judiciais, suspendeu os efeitos e determinou a exclusão das regras da Resolução nº 72/2022 que permitem a sua cobrança, em razão de suposto “desvio de finalidade consubstanciado na afronta ao que estabelece o artigo 36, incisos I e IV da Lei 12.529/2011, artigo 4º, inciso I, da Lei 13.847/2019, bem como o artigo 20, inciso II, alínea “b” e artigo 27, inciso IV, da Lei 10.233/2001”.

3. A recente decisão do STJ

Em 11.04.2023, o STJ negou provimento ao Recurso Especial 1.774.301/SP³, que foi interposto pelo CADE, e por terminal retroalfandegado e solicitante do SSE no Porto de Santos.

A ação de origem foi ajuizada por arrendatária de terminal no Porto de Santos com o objetivo de anular decisão proferida pelo CADE que a impediu de realizar a cobrança em questão. Em primeiro grau, a ação foi julgada parcialmente procedente, declarando-se a nulidade da decisão do CADE no ponto que tratou da suspensão da cobrança.

Em sede de apelação, o TRF3 negou provimento aos recursos do CADE e do terminal retroalfandegado, e deu parcial provimento ao recurso da arrendatária, anulando também as multas impostas. Além disso, também deu provimento ao recurso da União para reconhecer sua ilegitimidade passiva.⁴

O CADE e o terminal interpuseram Recurso Especial em face do referido acórdão. Em síntese, os recorrentes pretendiam reverter a decisão da TRF3 para que fosse reconhecida a ilegalidade da cobrança pelo SSE e a impossibilidade de anulação da decisão do CADE.

Nos termos do voto do Ministro Relator SÉRGIO KUKINA, a 1ª Turma do STJ conheceu em parte dos recursos e, nessa extensão, negou-lhes provimento.

Em outras palavras, o STJ manteve o entendimento do TRF3 pela legalidade da cobrança, confirmando que “não sendo a segregação e movimentação de contêineres prevista dentro do contrato de arrendamento como serviço básico de movimentação (horizontal), deve ser cobrada a THC-2 [SSE] daqueles que dele se beneficiam, sob pena de sufragar-se o enriquecimento sem causa”.

A decisão também reafirma a competência da ANTAQ para regular o tema, uma vez que “não é dado ao CADE imiscuir-se em setor concedido, ignorando fortemente a atuação da agência reguladora – ANTAQ”. Por sinal, exatamente este entendimento havia sido proferido também em 25.07.2018, pelo Plenário do TCU, no Acórdão 1.704/2018-Pl, “por entender que faz parte do papel da agência defini-los”.

O acórdão do STJ foi publicado em 17.04.2023 e, neste momento, aguarda-se o transcurso de prazo para a eventual interposição de novos recursos.

4. Considerações finais

Ainda que a recente decisão do STJ não tenha apreciado o mérito da controvérsia de maneira direta, o desprovimento dos recursos especiais revela o acerto do TRF3 ao reconhecer a validade da cobrança em razão (i) do enriquecimento sem causa provocado pela ausência de cobrança e (ii) da competência da ANTAQ para definir as regras aplicáveis ao setor portuário.

A decisão do STJ é, portanto, mais uma entre as diversas decisões judiciais que reconhecem a legalidade e o cabimento da cobrança pelo SSE.⁵

Apesar disso, o tema ainda é objeto de constante controvérsia. Mais recentemente, mesmo depois da evolução do entendimento da ANTAQ e do CADE sobre o assunto, a discussão voltou aos holofotes do setor em razão da decisão do TCU que impediu a cobrança pelo SSE.

Conforme apontado acima, ainda se discute a validade do acórdão do TCU, seja no âmbito das ações judiciais relacionadas com a decisão ou no âmbito do processo no próprio da Corte de Contas.

Assim, diante dos entendimentos firmados no Judiciário, inclusive pelo STJ recentemente, não há como deixar de prospectar um possível cenário no qual a decisão do TCU será revertida.

Com essa perspectiva, tem-se como possível a construção de um caminho em direção à tardia e necessária pacificação do tema, assegurando-se segurança jurídica e estabilidade nas normas do setor portuário, com a contenção de problemas decorrentes de eventual suspensão da cobrança.

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¹Nos termos Resolução-ANTAQ nº 72/2022, trata-se do “preço cobrado pelo serviço de movimentação das cargas entre o portão do terminal portuário e o porão da embarcação, incluída a guarda transitória das cargas pelo prazo contratado entre o transportador marítimo, ou seu representante, e a instalação portuária ou o operador portuário, no caso da exportação; ou entre o porão da embarcação e sua colocação na pilha do terminal portuário, no caso da importação” (art. 2º, III), dizendo respeito aos serviços prestados indistintamente (e essencialmente por essa razão afastando-se do SSE) a todas as cargas (art. 4º, parágrafo único).

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²Nos termos de ambos artigos, o SSE é o: “preço cobrado, na importação, pelo serviço de movimentação das cargas entre a pilha no pátio e o portão do terminal portuário, pelo gerenciamento de riscos de cargas perigosas, pelo cadastramento de empresas ou pessoas, pela permanência de veículos para retirada, pela liberação de documentos ou circulação de prepostos, pela remoção da carga da pilha na ordem ou na disposição em que se encontra e pelo posicionamento da carga no veículo do importador ou do seu representante”.

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³STJ, 1ª Turma, REsp nº 1.774.301, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 17.04.2023.

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⁴TRF3, Apelação/Reexame Necessário nº 0014995- 56.2005.4.03.6100, Rel. Des. Marli Ferreira, DJe 26.03.2015.

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⁵Dentre as inúmeras e de forma exemplificativa, é possível citar: TRF1, 5ª Turma, Apelação Cível nº 0036938-38.2005.4.01.3400, Rel. Des. Fed. Souza Prudente, DJe 17.11.2015; TJSP, 24ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível nº 1006641-57.2017.8.26.0562, Rel. Des. Salles Vieira, DJe 26.06.2019; TJSC, 5ª Câmara de Direito Comercial, Apelação Cível nº 0311872- 35.2016.8.24.0033, Rel. Des. Monteiro Rocha, j. 25.09.2019.

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Rodrigo Costa Protzek
Rodrigo Costa Protzek
Especialista em Licitações e Contratos Administrativos pela PUC. Advogado da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Arthur Gressler Wontroba
Acadêmico de Direito da UFPR. Estagiário da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Rodrigo Costa Protzek
Rodrigo Costa Protzek
Especialista em Licitações e Contratos Administrativos pela PUC. Advogado da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Arthur Gressler Wontroba
Acadêmico de Direito da UFPR. Estagiário da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.