Informativo Eletrônico - Edição 205 - Março / 2024

COMO ESTÁ A IMPLEMENTAÇÃO DO PNCP?

Isabella Félix da Fonseca
João Pedro Lima de Vasconcellos

1. Introdução 

O Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) é sítio eletrônico oficial, criado pela Lei 14.133, para a divulgação centralizada e obrigatória dos atos relativos à licitação e à contratação administrativa.

O PNCP é instrumento essencial para a concretização dos princípios da publicidade e da transparência dos atos contratuais que envolvam a Administração Pública e para a realização da concepção democrática de que a vontade estatal é produto do consenso e da participação social.

Este artigo tem como objetivo apresentar a disciplina legislativa e o estágio de implementação do PNCP no âmbito da Administração Pública.

2. Disciplina legislativa

A Lei 14.133 apresenta um conjunto de dispositivos para instituir e sistematizar o PNCP no ordenamento jurídico brasileiro.

2.1 Caráter não geral das normas da Lei 14.133 relativas ao PNCP

Os dispositivos da Lei 14.133 relativos ao PNCP veiculam normas federais, não gerais, de observância obrigatória apenas pela União e de observância facultativa para Estados, Distrito Federal e Municípios.¹

Assim, cada ente federativo dispõe de competência para definir seu órgão de imprensa oficial, seu sítio eletrônico e a forma de divulgação de seus atos. Faculta-se a eles, entretanto, a adoção do PNCP para tais fins.

2.2 Divulgação no PNCP como condição de eficácia jurídica de contratos

A União e os entes federativos que adotarem o PNCP como sítio eletrônico oficial estão sujeitos ao art. 94 da Lei 14.133, que estabelece a divulgação no PNCP como condição de eficácia jurídica dos contratos administrativos e de seus aditamentos.

2.3 Elenco de funcionalidades do PNCP

Os §§ 2º e 3º do art. 174 da Lei 14.133 estabelecem um elenco não exaustivo de informações e de funcionalidades mínimas que devem constar do PNCP.

§ 2º O PNCP conterá, entre outras, as seguintes informações acerca das contratações:
I – planos de contratação anuais;
II – catálogos eletrônicos de padronização;
III – editais de credenciamento e de pré-qualificação, avisos de contratação direta e editais de licitação e respectivos anexos;
IV – atas de registro de preços;
V – contratos e termos aditivos;
VI – notas fiscais eletrônicas, quando for o caso.
§ 3º O PNCP deverá, entre outras funcionalidades, oferecer:
I – sistema de registro cadastral unificado;
II – painel para consulta de preços, banco de preços em saúde e acesso à base nacional de notas fiscais eletrônicas;
III – sistema de planejamento e gerenciamento de contratações, incluído o cadastro de atesto de cumprimento de obrigações previsto no § 4º do art. 88 desta Lei;
IV – sistema eletrônico para a realização de sessões públicas;
V – acesso ao Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (Ceis) e ao Cadastro Nacional de Empresas Punidas (Cnep);
VI – sistema de gestão compartilhada com a sociedade de informações referentes à execução do contrato, que possibilite:
a) envio, registro, armazenamento e divulgação de mensagens de texto ou imagens pelo interessado previamente identificado;
b) acesso ao sistema informatizado de acompanhamento de obras a que se refere o inciso III do caput do art. 19 desta Lei;
c) comunicação entre a população e representantes da Administração e do contratado designados para prestar as informações e esclarecimentos pertinentes, na forma de regulamento;
d) divulgação, na forma de regulamento, de relatório final com informações sobre a consecução dos objetivos que tenham justificado a contratação e eventuais condutas a serem adotadas para o aprimoramento das atividades da Administração.

2.4 A vontade legislativa

A Lei que idealizou o PNCP projetou sítio eletrônico capaz de reunir informações complexas e heterogêneas, em uma interface que assegurasse a publicidade, por meio da pesquisa simples e rápida de qualquer interessado nos atos contratuais dos quais participa a Administração Pública.

O projeto é ambicioso e, naturalmente, enfrenta dificuldades técnicas à altura dessa ambição para sua efetiva implementação. A quantidade das informações, as funcionalidades previstas e a usabilidade do sítio eletrônico exigem a solução de desafios relativos a equipamentos, tecnologias, programas e acesso à Internet de banda larga e de alta velocidade.²

3. Fiscalização do TCU

O Tribunal de Contas da União (TCU) vem acompanhando os procedimentos administrativos de implementação do PNCP.

3.1 Acórdão 2.852/2021

Em 2021, a então Secretaria de Controle Externo de Aquisições Logísticas (Selog), atual AudContratações, no âmbito do TC 039.727/2021-1, promoveu fiscalização para verificar o estágio de implementação do PNCP.

Os resultados não foram positivos. A unidade técnica detectou, entre outros aspectos: (i) ausência de planejamento detalhado e de estratégias definidas de implementação do portal; (ii) escassez de recursos orçamentários, falta de estrutura organizacional e de equipe para atendimento ao usuário; (iii) dificuldades normativas quanto ao sistema de registro cadastral unificado (art. 174, § 3º, I); (iv) dificuldades técnicas relativas à implementação do catálogo eletrônico de padronização (art. 174, § 2º, II); (v) dificuldades quanto à comunicação do sistema de notas fiscais eletrônicas do PNCP com a Receita Federal (art. 174, § 2º, VI); (v) falta de mecanismos de controle destinados a assegurar a efetiva correlação entre os dados divulgados no portal e a real situação dos procedimentos de contratações (art. 174, §§ 2º e 3º); (vi) dificuldades na integração do Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (Ceis) e do Cadastro Nacional de Empresas Punidas (Cnep) ao PNCP; (vii) vícios na disponibilização de informações pelo portal na forma de dados abertos e as consequentes dificuldades de uso das ferramentas de consulta pública disponíveis (art. 174, §3º, II).

A fiscalização culminou com o Acórdão 2.852/2021, de relatoria do Min. Jorge Oliveira, que determinou a instauração do TC-044.559/2021-6 para o acompanhamento, pelo TCU, da implementação do PNCP.

3.2 Acórdão 2.209/2023

Em novembro de 2023, no âmbito do TC-044.559/2021-6, por meio do Acórdão 2.209/2023, o TCU expediu determinações ao Comitê Gestor da Rede Nacional de Contratações Públicas (CGRNCP), responsável pela gestão do PNCP, para que encaminhe ao Tribunal relatório de todas as ações até então desenvolvidas, em andamento e a concluir, referentes à disponibilização, no PNCP, das informações e funcionalidades previstas na Lei 14.133.

3.3 Resposta do Comitê Gestor do PNCP

Em 14.03.2024, o CGRNCP apresentou resposta ao TCU: (i) quanto ao registro cadastral unificado (art. 174, § 3º, I), os problemas seguem não solucionados e o caminho mais rápido apontado pelo CGRNCP é a alteração legislativa proposta no PL 249/2022 (adiante comentado); (ii) quanto ao catálogo eletrônico de padronização (art. 174, § 2º, II), os problemas tampouco foram solucionados e o CGRNCP alega que a solução passa por regulamentação a ser editada por outros órgãos da Administração; (iii) quanto às notas fiscais eletrônicas (art. 174, § 2º, VI), as dificuldades não foram superadas, mas existem procedimentos que envolvem o CGRNCP e a Receita Federal para solucionar a questão em 2024; (iv) quanto à integração do Ceis e do Cnep ao PNCP, o CGRNCP alega depender de outros órgãos administrativos propor solução definitiva; (vii) quanto aos vícios de disponibilização das informações em sistema de dados abertos, o CGRNCP diz ter solucionado o problema em 2023.

3.4 PL 249/2022

O PL 249/2022 se destina a disciplinar normas de transparência nas contratações públicas e a alterar dispositivos da Lei 14.133 para aumentar o elenco de informações e de funcionalidades do PNCP.

O PL 249/2022 está aguardando apreciação pelo Senado Federal e, caso aprovado, será importante para a solução de algumas das dificuldades apresentadas anteriormente.

Dentre as modificações, figuram a integração da atual plataforma eletrônica usada no âmbito da União, o Compras.gov.br, ao PNCP e a integração do PNCP com sistemas externos, incluindo o painel para consulta de preços e o banco de preços em saúde.

Assim, caso aprovado, o PL 249/2022 contribuirá para o atendimento do art. 174, §3º, I, III, IV, V e VI.

4. Conclusão

A efetiva implementação do PNCP enfrenta dificuldades práticas, a nível técnico e normativo. Como demonstrado, a partir da evolução do acompanhamento promovido pelo TCU, as dificuldades estão longe de serem solucionadas, apesar de o PL 249/2022 trazer perspectivas positivas para a solução de algumas questões.

O TCU continuará a acompanhar a implementação do PNCP, como consta do item 9.6 do Acórdão 2.209/2023, que, destaque-se, guarda sugestão inusitada: estudar as possibilidades de usar a tecnologia Blockchain para a implementação do PNCP.

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1 Marçal Justen Filho. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas.

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2 Marçal Justen Filho. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas.

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Isabella Félix da Fonseca
Isabella Félix da Fonseca
LL.M em Controle e Combate à Corrupção pelo IDP. Advogada da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
João Pedro Lima de Vasconcellos
Acadêmico de Direito da UnB. Estagiário da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Isabella Félix da Fonseca
Isabella Félix da Fonseca
LL.M em Controle e Combate à Corrupção pelo IDP. Advogada da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
João Pedro Lima de Vasconcellos
Acadêmico de Direito da UnB. Estagiário da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.