1. A importância da infraestrutura para o desenvolvimento econômico
Há muito se sabe que a infraestrutura é um dos pilares para a melhoria das condições de vida em qualquer sociedade. Desde Adam Smith, há uma compreensão de que os gastos com infraestrutura, como estradas e portos, tendem a crescer junto com o aumento da produção anual de um país.¹
Na década de 1950, o Banco Mundial reconhecia a infraestrutura como um “ingrediente” fundamental para o desenvolvimento das economias globais, destacando a importância do papel ativo do Estado nesse processo.² Esse entendimento continua sendo fundamental na concessão de empréstimos para países em desenvolvimento pelo Banco Mundial, BID, New Development Bank, dentre outros, que frequentemente promovem investimentos em infraestrutura para fomentar o crescimento e a estabilidade econômica.
O investimento em infraestrutura visa a suprir as necessidades básicas de uma sociedade, como transporte, energia e comunicações, mas seu impacto vai além: melhora a eficiência das operações econômicas, reduz custos, facilita o fluxo de bens e serviços, impulsiona o progresso tecnológico, promove a integração de mercados e fortalece a base de apoio para futuras inovações. A infraestrutura é um alicerce indispensável para qualquer estratégia de desenvolvimento econômico sustentável.³
Da mesma forma que os setores de saúde, educação e segurança, o setor de infraestrutura exige um fluxo constante de investimentos, que pode vir tanto do setor público quanto da parceria com o setor privado. No entanto, a prioridade atribuída a cada uma dessas áreas varia conforme a necessidade e a disponibilidade de recursos de cada país, refletindo suas especificidades e contextos econômicos.
2. A necessidade de investimento privado em infraestrutura
No Brasil, o investimento em infraestrutura é muito reduzido, representando pouco mais de 2% do PIB. Na Índia chega a cerca de 5% e na China ultrapassa 8%.⁴
Essa limitação dificulta o crescimento econômico e resulta em perda de competitividade em relação a outras economias emergentes. Afinal, “a taxa de investimento de um país é a variável chave para o crescimento e ganho de competitividade”.⁵ Por outro lado, torna essencial a participação do setor privado no financiamento e na implementação de infraestrutura.
Este ano, na sua tradicional carta anual aos investidores, Larry Fink, CEO da BlackRock, destacou a crescente importância dos mercados privados, especialmente no setor de infraestrutura. Diante do esgotamento fiscal dos governos e da impossibilidade de expandir indefinidamente os déficits públicos, o financiamento de infraestrutura passará, cada vez mais, a depender do capital privado. Segundo ele, essa transição não é apenas inevitável, mas necessária, já que os investimentos em infraestrutura — essenciais para a transição energética e digital — não podem ser adiados.
Consta do comunicado a estimativa de que o mundo precisará de US$ 68 trilhões em infraestrutura até 2040, o que reforça a magnitude da oportunidade e do desafio que se tem pela frente.
Com a limitação da via tradicional de obtenção de crédito pelas empresas, os mercados de capitais ganham protagonismo, permitindo que as empresas obtenham financiamento diretamente com os investidores.⁶
Essa mudança estrutural cria espaço para instrumentos financeiros como as debêntures de infraestrutura, que permitem canalizar recursos privados para projetos estratégicos, oferecendo, ao mesmo tempo, retorno financeiro aos investidores e benefícios sociais, como melhorias em transporte, saneamento e energia.
Portanto, aumentar a participação do setor privado nos investimentos em infraestrutura não é apenas uma necessidade, mas uma grande oportunidade para o Brasil expandir sua economia e fortalecer sua competitividade global.
3. As debêntures de infraestrutura como fonte de financiamento privado
Nesse contexto, foram criadas pela Lei 14.801/2024 as debentures de infraestrutura, com a intenção de facilitar e incentivar os investimentos no setor.
3.1. Conceito de debêntures
As debêntures são títulos que uma sociedade emite para obtenção dos recursos necessários ao seu financiamento. Representam um contrato de mútuo (uma promessa de pagamento), em que cada debênture é uma fração desse mútuo e seus titulares são credores da empresa na proporção dessa fatia.
Ao adquirir debêntures, o investidor empresta recursos à empresa, que se compromete a devolver o montante acrescido de juros no futuro, em conformidade com as condições previamente estabelecidas.⁷
3.2. As debêntures de infraestrutura (Lei 14.801/2024)
As debêntures de infraestrutura, criadas pela Lei 14.801/2024, representam uma inovação no campo do financiamento de projetos de infraestrutura no Brasil.
Elas podem ser emitidas por sociedades de propósito específico, concessionárias, permissionárias, autorizatárias ou arrendatárias, constituídas sob a forma de sociedade por ações (art. 2°). Permitem que investidores aportem capital em projetos de infraestrutura, como rodovias, ferrovias, energia, saneamento e telecomunicações, ao mesmo tempo que geram retornos financeiros de longo prazo, além de incentivos fiscais.
Essa modalidade surgiu como uma forma de aprimorar as debêntures incentivadas (criadas pela Lei 12.431/2011), tornando-as ainda mais atraentes, pois englobam uma gama mais ampla de investidores, como fundos de pensão, fundos de previdência aberta, seguradoras e instituições financeiras.
Há também uma vantagem tributária para as empresas emissoras, que terão a possibilidade de deduzir os juros pagos na apuração do lucro líquido, além de poderem descontar 30% do valor dos juros das debêntures no cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL).
O processo de emissão das debêntures de infraestrutura foi simplificado em relação às incentivadas. De acordo com o Decreto 11.964/2024, que regulamenta a Lei 14.801/2024, projetos que atendem aos requisitos regulamentares não precisam de aprovação ministerial (art. 3º, §1º), o que agiliza a emissão e circulação dos títulos. A exceção são projetos que envolvem serviços públicos de competência dos entes subnacionais (art. 3º, §2º), que podem necessitar de aprovação prévia do ministério responsável.⁸
Os recursos captados pelas debêntures serão destinados exclusivamente a projetos prioritários no setor de infraestrutura ou a iniciativas de pesquisa, desenvolvimento e inovação.
Além disso, a emissão dessas debêntures pode ocorrer até 31 de dezembro de 2030, configurando uma janela de oportunidade para os próximos anos. Estima-se que as debêntures de infraestrutura possam impulsionar investimentos na ordem de R$ 1 trilhão no setor de infraestrutura no Brasil.⁹
3.3. Setores prioritários (Decreto 11.964/2024)
O Decreto 11.964/2024 definiu os setores prioritários para os quais os recursos provenientes das debêntures de infraestrutura devem ser direcionados (art. 4º).
No setor de logística e transportes, são contempladas iniciativas envolvendo rodovias, ferrovias (inclusive locomotivas e vagões), hidrovias, portos organizados e instalações portuárias — como terminais de uso privado, estações de transbordo de carga e instalações voltadas ao turismo — além de aeródromos e estruturas aeroportuárias de apoio, exceto os privados de uso exclusivo.
Na área de mobilidade urbana, os projetos podem incluir a implantação de infraestrutura para transporte público coletivo urbano ou de caráter urbano, aquisição de veículos como trens, barcas, aeromóveis e teleféricos (com exceção de ônibus que não atendam aos critérios), bem como a compra de ônibus elétricos — inclusive movidos por célula de combustível — e ônibus híbridos a biocombustível ou biogás.
No setor de energia, são admitidos investimentos em geração por fontes renováveis, transmissão e distribuição de energia elétrica, gás natural, produção de biocombustíveis e biogás (exceto a fase agrícola), produção de combustíveis sintéticos de baixa intensidade de carbono, hidrogênio de baixo carbono, além de tecnologias de captura, estocagem, movimentação e uso de dióxido de carbono. Dutovias para transporte de combustíveis — incluindo os renováveis e sintéticos com baixa emissão de carbono — também estão incluídas.
Na área de habitação social, são elegíveis os projetos desenvolvidos por meio de parcerias público-privadas.
O Decreto também contempla projetos nos setores de telecomunicações e radiodifusão, saneamento básico, irrigação, educação pública e gratuita, saúde pública e gratuita, segurança pública e sistema prisional, parques urbanos públicos e unidades de conservação, equipamentos públicos culturais e esportivos, requalificação urbana, transformação de minerais estratégicos para a transição energética e iluminação pública.
Trata-se de uma forma de garantir que os investimentos atendam aos critérios de sustentabilidade e desenvolvimento social, alinhando-se aos objetivos de longo prazo do país.
Além disso, o regulamento busca proporcionar um regime jurídico mais claro e seguro para as operações envolvendo debêntures de infraestrutura, o que é essencial para atrair investidores institucionais, como fundos de pensão, seguradoras e bancos, que são players importantes – e que, em última análise, impulsiona o desenvolvimento econômico sustentável e sustentado no Brasil.
Neste sentido, vale resgatar a perspectiva do economista Pedro Malan, que foi Ministro da Fazenda durante o Governo FHC, que sempre enfatiza a importância de políticas públicas e arranjos institucionais capazes de promover um crescimento duradouro, com responsabilidade fiscal e estímulo a investimentos de longo prazo, particularmente em infraestrutura. O crescimento sustentável e sustentado requer estabilidade macroeconômica, previsibilidade regulatória e marcos legais confiáveis, fatores essenciais para criar um ambiente propício à atração de capital privado.¹⁰
4. Conclusão
As debêntures de infraestrutura, criadas pela Lei 14.801/2024 e regulamentadas pelo Decreto 11.964/2024, consolidam-se como uma das principais formas para o financiamento da infraestrutura brasileira. Trata-se de títulos que não só possibilitam a mobilização de recursos privados, como também criam um ambiente jurídico e econômico favorável ao desenvolvimento de projetos de grande impacto, em um momento importante para o país.
A atratividade da medida está diretamente relacionada à sua capacidade de gerar retornos financeiros robustos a investidores, ao mesmo tempo em que contribui para a melhoria das condições de infraestrutura, criação de empregos e incremento da competitividade econômica do Brasil.
O avanço das debêntures de infraestrutura como fonte de financiamento reflete uma mudança importante na estratégia brasileira para o desenvolvimento econômico sustentável e sustentado, proporcionando aos setores público e privado uma parceria estratégica e sustentável.
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¹ SMITH, Adam. A riqueza das nações: uma biografia. Jorge Zahar Editor, p. 219.
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² Cf. ADLER, J. H. The World Bank’s concept of development — An in-house dogmengeschichte. In: BHAGWATI, Jagdish; ECKAUS, Richard S (Eds.). Development and planning: essays in honour of Paul Rosenstein Rodan. London: George Allen & Unwin, 1972, p. 37-38.
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³ CARVALHO, André Castro. Direito da infraestrutura: perspectiva pública. São Paulo: Quartier Latin, 2014. p. 55.
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⁴ OLIVEIRA, Gesner. A importância da infraestrutura. In: Desafios da infraestrutura no Brasil. São Paulo: Trevisan, 2018. p. 28.
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⁵ CALDERÓN, C.; SERVÉN, L. Infrastructure in Latin America. The Work Bank. Publications – Documentos and Reports, 2010. p. 65.
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⁶ FINK, Larry. Carta Anual do Presidente 2025 aos Investidores. BlackRock. Disponível em: https://www.blackrock.com/corporate/investor-relations/larry-fink-annual-chairmans-letter#unlocking-private-markets. Acesso em 10 abr. 2025.
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⁷ ROVAI, Armando Luiz. Debênture. In: Enciclopédia Jurídica da PUC-SP, Tomo Direito Comercial, 1. ed., julho de 2018. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/218/edicao-1/debenture. Acesso em: 24 mar. 2025.
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⁸ TONIN, Mayara Gasparoto; BRANCO, Maria Julia Bezerra Castelo. Debêntures de infraestrutura e incentivo ao investimento privado no Brasil. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, nº 206, abril de 2024, disponível em https://justen.com.br/. Acesso em: 26 mar.2025.
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⁹ FEIJO LOPES, José. Funding: Lei cria debêntures de infraestrutura com vantagens para emissores e investidores. 22 jan. 2024. Disponível em: https://www.feijolopes.com.br/2024/01/22/funding-lei-cria-debentures-de-infraestrutura-com-vantagens-para-emissores-e-investidores/. Acesso em: 24 mar. 2025.
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¹⁰ MALAN, Pedro; WELLS, John. Distribuição da Renda e Desenvolvimento Econômico do Brasil. In Langoni, Carlos G. Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, v. 3, n. 4, p. 1123, dez. 1973.