1. Introdução
Tramita no Senado, como casa revisora, o PL 2159/2021, que versa sobre normas gerais para o licenciamento ambiental no país.
Segundo narram Marcelo Buzaglo Dantas e Gabriela Giacomolli, a proposta surgiu do vácuo legal existente na legislação ambiental do país, que não conta com uma norma geral que estabeleça diretrizes para a emissão de licenças ambientais. 1 Seu objetivo principal é simplificar as diretrizes que atualmente regem esses processos na instância federal, editadas por regulamentos do CONAMA, e orientar a legislação estadual e municipal.
Durante os últimos anos, as classificações federais dos tipos de licenciamento ambiental, estabelecidas no Decreto Federal 99.274/90 e na Resolução CONAMA 237/97, têm sido amplamente aderidas pelos Estados e Municípios, com poucas exceções, enquanto simultaneamente se busca preservar a autonomia administrativa-política destas entidades.2 Diante desse cenário, surge a indagação sobre os reais benefícios que adviriam da implementação de uma legislação nacional unificadora nessa matéria.3
Nesse contexto, a questão fundamental consiste em avaliar se a adoção de uma lei geral que padronize os procedimentos de licenciamento ambiental em âmbito nacional poderia promover vantagens significativas e suficientes para justificar as dificuldades de sua implementação. A despeito das similaridades com as normas federais vigentes, a heterogeneidade das legislações e regulamentações em esferas estaduais e municipais são uma maneira de lidar com as peculiaridades administrativas e regionais de cada localidade.
Porém, essa heterogeneidade pode acarretar divergências e lacunas no tratamento das questões ambientais. Por conseguinte, uma lei nacional unificadora poderia almejar a supressão dessas disparidades e estabelecer diretrizes uniformes para o licenciamento ambiental em todo o território nacional, de modo a evitar contradições e aprimorar a eficiência e celeridade dos processos de licenciamento.
2. A legislação federal vigente
Atualmente, em consonância com o art. 19 do Decreto Federal 99.274/90 e com a Resolução CONAMA 237/97, o procedimento geral do licenciamento ambiental adota um modelo trifásico, com licenças expedidas de forma sequencial pelo órgão ambiental competente.
Após uma verificação prévia pelo requerente junto ao órgão ambiental, para orientação sobre a viabilidade do pedido, enquadramento da atividade e definição dos estudos necessários, o titular da pretensão apresenta a intenção de desenvolver o projeto e fornece informações detalhadas sobre este.
Posteriormente, há a submissão da pretensão aos afetados por intermédio da disponibilização do processo administrativo na internet e outras vias de participação pública. Além disso, são examinadas as indagações levantadas por autoridades competentes, incluindo técnicos do órgão ambiental, concedendo-se ao requerente a oportunidade de levantar objeções ou realizar ajustes. Por fim, as mudanças propostas são deliberadas, forma-se um acordo, e a licença ambiental é emitida.4
Em seguida, serão apresentadas as modalidades de licença, de acordo com o art. 8º da Resolução 237/97 do CONAMA e o art. 19 do Decreto Federal 99.274/90.
2.1 Licença Prévia
Concedida durante a etapa preliminar do planejamento do empreendimento, essa licença endossa tanto a seleção de sua localização quanto a sua concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo requisitos básicos e condicionantes que deverão ser cumpridos ao longo das subsequentes fases de execução.
2.2 Licença de Instalação
Outorga autorização para a instalação do empreendimento conforme delineado nas diretrizes presentes nos projetos aprovados, abarcando as disposições relativas às salvaguardas ambientais e condicionantes, da qual constituem motivo determinante.
2.3 Licença de Operação
Concede autorização para a operação de empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento das condições estabelecidas nas licenças antecedentes, estipulando as medidas de controle ambiental e condicionantes determinadas para a fase operacional.
3. Possíveis alterações nas modalidades de licença: o exemplo da Licença por Adesão e Compromisso (LAC)
Atualmente, existe um relativo consenso a respeito das dificuldades burocráticas associadas ao processo de emissão de licenças, seja porque os órgãos ambientais não detêm estrutura suficiente para fazer frente aos diversos pedidos; porque a matéria é complexa e demanda manifestações que contemplem os interesses envolvidos, inclusive de outros órgãos públicos; ou porque existe uma sobreposição de competências.
O PL 2159/2021 pode facilitar esse procedimento. Nesse contexto, por exemplo, a proposta do PL 2159/2021 de procedimentos simplificados tais como a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), na qual o empreendedor declara que a sua obra está em conformidade com as condicionantes estabelecidas pelo órgão licenciador, traria segurança para os investidores.5
Essa modalidade de licença poderia ser aplicável somente a empreendimentos de baixo e médio porte, com baixo impacto ambiental, e não prescindiria do cumprimento de uma série de condições que já estão dispostas no PL 2159/2021 para assegurar a preservação do meio ambiente. Sob outro ângulo (e também conforme o PL), a fiscalização desses empreendimentos seria facilitada, mediante conferências e vistorias por amostragem (mas cujo resultado poderia conduzir à revisão do licenciamento), o que permitiria aos órgãos ambientais concentrarem seus esforços na fiscalização de empreendimentos de maior impacto.
4. A importância de uma norma geral simplificadora do licenciamento ambiental para o setor de infraestrutura
As dificuldades burocráticas acima indicadas prejudicam o caminho do progresso do setor de infraestrutura, cujas obras não devem ser vistas meramente como empreendimentos maléficos ao meio ambiente. Elas possibilitam geração de emprego, crescimento econômico e o oferecimento de serviços públicos de maior qualidade para a população. Os efeitos das obras de infraestrutura não têm como seu foco principal servir aos interesses de um agente privado; elas vão além e atingem a sociedade como um todo. Por isso, demandam atenção especial dos poderes públicos e privados.6
Nesse sentido, diferentes instâncias têm de cooperar para a emissão de licenças ambientais, porém a realidade factual demonstra que os diferentes âmbitos da Administração Pública não agem em conjunto.7 Longe disso, é comum que essas esferas entrem em conflito e exerçam ações discrepantes, resultando uma situação de insegurança jurídica e perda de credibilidade do sistema.8
Faz-se necessário destrave da infraestrutura e a racionalização do processo de licenciamento ambiental, para celeridade dos procedimentos. A Administração Pública deve agir sempre da forma mais eficiente possível, de maneira a atender aos interesses públicos com agilidade, eliminando redundâncias e simplificando trâmites burocráticos que possam onerar o desenvolvimento de empreendimentos e atividades.
Tal economia processual pode beneficiar o setor de infraestrutura e outros setores econômicos que demandam licenciamento ambiental, promovendo a viabilidade de realização de projetos significativos em prol do avanço sustentável do país. Assim, uma lei nacional sólida evidentemente estimularia a confiança dos investidores e favoreceria a população em geral, que constantemente sofre com a infraestrutura precária e a escassez de serviços essenciais.9
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1 DANTAS, M. B.; GIACOMOLLI, G. Dez pontos positivos do PL de licenciamento ambiental. Consultor Jurídico, 7 jun. 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jul-13/opiniaodez-pontos-positivos-pl-licenciamento-ambiental. Acesso em: 23.08.2023.
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2 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Curso de Direito Ambiental. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.
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3 Nesse âmbito, a Lei Complementar 140/2011 veio com o propósito de estabelecer parâmetros para a cooperação entre diferentes entes federados, principalmente no âmbito de licenciamento ambiental. Entretanto, acabou gerando uma situação de sobreposição de competências e dispositivos legais, não trazendo uma definição precisa a respeito do conteúdo regulatório atribuído a cada instância governamental. Assim, a tão defendida noção de responsabilidade comum integral culmina em uma justaposição desnecessária de encargos que não respeita a autonomia federativa. Nesse sentido: FARIAS, Talden. Licenciamento ambiental em um único nível competência. Consultor Jurídico, 25 jun. 2016. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-jun-25/ambiente-juridico-licenciamento-ambiental-unico-nivel-competencia.
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4 NIEBUHR, Pedro. Processo Administrativo Ambiental. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2020.
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5 MILARÉ, Édis et al. Infraestrutura no Direito do Meio Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
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6 MILARÉ, Édis et al. Infraestrutura no Direito do Meio Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
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7 MARINA, Carine. Conflito de competência entre os entes federativos em matéria ambiental. Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 19, n. 111, jun. 2020.
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8 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
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9 MILARÉ, Édis et al. Infraestrutura no Direito do Meio Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.