1. Decisão do STJ no REsp 2101901/SP
O Superior Tribunal de Justiça, por três votos a dois, negou provimento ao REsp 2.101.901/SP, de relatoria da Sra. Ministra Nancy Andrighi, acompanhada pelos ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze. O REsp 2.101.901/SP foi interposto em face do acórdão que havia negado provimento à apelação contra sentença proferida em Ação Declaratória de Nulidade de Sentença Arbitral.
Na referida ação, uma das alegações para a nulidade da sentença arbitral seria de suposto vício na formação do painel arbitral. Alegava-se que o coárbitro indicado pela parte requerida no procedimento arbitral teria violado seu dever de revelação, comprometendo sua imparcialidade e independência nos moldes previstos na Lei de Arbitragem (LArb).
1.1. Origem
Em novembro de 2021, os autores, um médico e sua respectiva pessoa jurídica de serviços médicos, propuseram uma Ação Declaratória de Nulidade de Sentença Arbitral contra uma empresa de serviços hospitalares.
A ação tem como antecedente procedimento arbitral instaurado pelos requerentes perante a Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem CIESP/FIESP. Na arbitragem, foi proferida uma sentença que rejeitou os pedidos dos requerentes, acolhendo o pedido contraposto da requerida para reconhecer a rescisão motivada do contrato entre as partes e condenar os requerentes ao pagamento de multa penal no valor histórico de R$4.242.997,44.
1.2. Ação Declaratória de Nulidade de Sentença Arbitral
Os requerentes propuseram então a referida ação anulatória, alegando que a sentença proferida pelo Tribunal Arbitral estava viciada, por um suposto vício na formação do painel arbitral (art. 32, II e VIII, da LArb). Eles afirmam que o árbitro indicado pela requerida “falhou com seu dever de revelação ao informar que jamais teria sido árbitro em outros litígios, a despeito dos autores terem tomado ciência, posteriormente, de inúmeros indícios que atestariam sua atuação pregressa como árbitro, e não revelou que atua como advogado de uma sociedade que depende financeiramente da única sócia da [requerida]” (TJSP nº 1097621-39.2021.8.26.0100). Segundo os autores, o árbitro incorreu em situações que poderiam comprometer sua imparcialidade, cerceando o direito de defesa dos autores. Nos termos das alegações, isso geraria nulidade da sentença arbitral de acordo com os arts. 13, 14, caput e §§ 1º e 2º, ‘b’, 21, § 2º, e 32, II e VIII, da Lei de Arbitragem, além do item 2.3.1 das Diretrizes da International Bar Association (IBA).
Na ação anulatória, foi proferida sentença no sentido de que a referida ação era uma tentativa de nova análise do mérito da sentença arbitral, o que extrapolaria os limites do art. 32 da LArb. A sentença judicial reconheceu que o árbitro respondeu ao questionário para verificação de conflitos de interesse e disponibilidade e apresentou seu currículo. Ambos foram apresentados às partes e os requerentes expressamente concordaram com a nomeação do árbitro.
Foi entendido que o currículo indicando a atuação pregressa do profissional como árbitro e sua experiência em arbitragem eram informações evidentemente conhecidas e consideradas na aprovação do árbitro.
Quanto ao suposto interesse do árbitro no resultado do procedimento arbitral, sua posição como advogado de uma sociedade integrante da composição societária da requerida não poderia ser considerada indício do alegado interesse.
Os pedidos dos autores foram julgados improcedentes e o processo foi extinto. Os autores interpuseram apelação à sentença, que teve seu provimento negado pelo TJSP em acórdão confirmado pelo STJ.
2. Análise
2.1. Imparcialidade e independência
O conceito de imparcialidade na arbitragem é fundamental para garantir o devido processo. Segundo o STF, “imparcial é aquele que não é parte, que não adere aos interesses de qualquer dos envolvidos no processo” (STF, Tribunal Pleno, HC 164496/PR, Rel. Min. Edson Fachin, j. 23.03.2021). A LArb implementou o dever de revelação, sendo um mecanismo essencial para assegurar a imparcialidade. Esse dever exige que o árbitro revele qualquer fato que, aos olhos das partes, possa gerar dúvida justificada sobre seu julgamento, permitindo que elas tomem decisões informadas sobre a imparcialidade e independência do árbitro.
2.2. Desenvolvimento da arbitragem no Brasil
A origem da arbitragem no Brasil é bastante longa e tem sido um caminho complexo. Desde que a LArb foi promulgada em 1996, o instituto só engrenou de fato após o STF confirmar sua constitucionalidade em 2001 (STF, Tribunal Pleno, SE 52062, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 12.12.2001). Desde então, o número de arbitragens cresceu de forma exponencial. De acordo com a pesquisa “Arbitragem em Números” divulgada pela advogada e Professora Dra. Selma Lemes de 2023, e “Arbitragem no Brasil”, do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr), houve um crescimento exponencial no uso da arbitragem na última década, com um índice de satisfação superior a 90%.
2.3. Impacto da arbitragem no Brasil
Com esses resultados, é inegável que a arbitragem desempenha um papel crucial no desenvolvimento econômico do Brasil. Além disso, a arbitragem ajuda a diminuir a alta demanda do judiciário brasileiro, que é sobrecarregado com um alto volume de processos.
2.4. Normas internacionais e a Lei 9.307/1996
A LArb tem como base os parâmetros internacionais, especialmente a Lei Modelo da UNCITRAL e na Convenção de Nova Iorque. A UNCITRAL, estabelecida pela ONU, busca harmonizar as leis do comércio internacional, reformando as regras do direito comercial. Um dos parâmetros harmonizados pela Lei Modelo é o dever de revelação do árbitro, estipulando que “[o árbitro] deve revelar qualquer circunstância que possa gerar dúvida justificável quanto à sua imparcialidade e independência” (art. 12.1). A Lei 9.307/1996 adota esse princípio, exigindo que os árbitros no Brasil revelem fatos que possam gerar dúvidas justificadas sobre sua imparcialidade e independência antes de aceitar a função (art. 14, §1º, LArb).
3. Considerações finais
A decisão proferida pelo STJ é crucial para confirmar a robustez do instituto da arbitragem no Brasil. Reafirma a importância do dever de revelação e estabelece parâmetros mais objetivos para a imparcialidade e independência dos árbitros, não permitindo que as partes, apenas por estarem descontentes com o resultado, formulem alegações genéricas sobre a imparcialidade e independência dos árbitros apenas para buscar afastar os efeitos da sentença arbitral. O acórdão proferido no REsp 2101901/SP reconhece e confirma a decisão do Tribunal Estadual no que tange à impugnação do árbitro, a qual poderia ter sido feita em momento propício com as informações apresentadas, nada justificando a alegação extemporânea, já depois de a indicação do profissional como co-árbritro ser aceita pelos requerentes da arbitragem.
A decisão do STJ fortalece a confiança na arbitragem como meio eficaz de resolução de conflitos e contribui para a segurança jurídica e o desenvolvimento econômico do Brasil.