1. Introdução
O Tribunal de Contas da União (TCU) examinou pedido de decretação de indisponibilidade de bens de particulares condenados ao ressarcimento de bens no âmbito da Tomada de Contas Especial 013.107/2014-3. O pedido foi formulado pelo Ministério Público junto ao TCU em sede de recurso de reconsideração interposto pelos responsáveis condenados.
A controvérsia em torno da questão reside no cabimento da concessão de cautelar de indisponibilidade de bens quando já há decisão condenatória do TCU. Para este caso, a legislação prevê o arresto de bens destinado a garantir o exercício da pretensão executória do Tribunal (art. 61 da Lei 8.443/1992).
A decisão, exarada no Acórdão 1.548/2023-Plenário, de relatoria do Min. Jorge Oliveira, admitiu tal possibilidade e introduziu nova orientação sobre o tema.
2. Existência de decisão condenatória do TCU
A Tomada de Contas Especial foi originalmente instaurada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), em razão da impugnação de despesas de convênio firmado com a Fundação Araponguense de Educação e Tecnologia (Faet), para o desenvolvimento de um programa educacional no norte do Paraná.
Foi constatado conluio entre três gestores, ligados à Faet, para desviar recursos da entidade, o que ensejou a condenação ao ressarcimento pelos três responsáveis (Acórdão 12.491/2019, Plenário).
No âmbito de recurso de reconsideração interposto pelos responsáveis, o MPTCU solicitou a decretação cautelar da indisponibilidade de bens dos responsáveis condenados a fim de garantir a eficiência das decisões do Tribunal.
3. Medidas cautelares adotadas no exercício da função ressarcitória
O TCU possui competência cautelar destinada a assegurar o efetivo ressarcimento ao erário, quando evidenciado o risco de não recuperação de recursos públicos.
Dentre os instrumentos previstos pela Lei 8.443/1992 (Lei Orgânica do TCU), estão a decretação da indisponibilidade de bens do agente público responsável pelo dano (art. 44, § 2º) e o arresto de bens (art. 61).
Até o julgamento do acórdão ora em comento, a jurisprudência do TCU distinguia os dois instrumentos quanto ao momento de sua aplicação. A indisponibilidade de bens poderia ser adotada no início e durante as apurações do Tribunal, ou seja, antes que houvesse decisão de mérito. Já o arresto ficaria reservado para momentos posteriores à decisão condenatória de mérito, o que abrangia as fases recursais, inclusive os recursos de reconsideração.
Assim, a jurisprudência até então dominante recomendava a adoção de cautelar de arresto de bens, já que havia decisão de mérito e o processo encontrava-se em fase recursal.
4. Revisão do entendimento jurisprudencial: os fundamentos do Acórdão 1.548/2023-Plenário
A motivação por trás da revisão da jurisprudência decorre das dificuldades práticas enfrentadas na adoção eficaz da cautelar de arresto de bens, sobretudo após a promulgação do novo Código de Processo Civil (CPC).
O instrumento, como explica o Min. Rel. Jorge Oliveira, relator para o Acórdão 1.548/2023, “tem natureza de tutela cautelar em caráter antecedente à ação principal e, de acordo com a regra do art. 308 do CPC, a ação principal deve ser proposta no prazo de 30 dias”.
Ainda segundo o voto, “quando existe decisão de mérito emitida pelo TCU, mas ainda não definitiva, é inócuo o pedido de arresto de bens, uma vez que é processualmente impraticável a propositura da ação principal em tão curto espaço de tempo [30 dias], por estar vinculada à existência de prévia decisão transitada em julgado.”
Dentre as dificuldades para cumprimento do prazo, estão a existência de instrumentos recursais que obstam o trânsito em julgado e a necessidade de conclusão de todas as comunicações processuais obrigatórias antes do envio do processo à AGU para formulação do pedido principal.
A solução adotada pelo acórdão consistiu em admitir a utilização, nesses casos, da cautelar de indisponibilidade de bens. Segundo o voto, não há vedação legal à sua aplicação.
Além disso, a pendência de julgamento de recurso revela que não há decisão de fato exigível. Tal circunstância autoriza, portanto, a rediscussão de qualquer matéria de fato e de direito suscitada ao longo do processo.
5. Conclusão
O julgamento revela que, diante da ineficiência de um instrumento cautelar, o TCU buscou solução alternativa para garantir o exercício da sua função ressarcitória. Com esse novo entendimento, passa-se a admitir a decretação de cautelar de indisponibilidade de bens ainda na fase recursal: após a prolação de decisão condenatória, mas ainda antes do trânsito em julgado.