O PRAZO PRESCRICIONAL NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS E A APLICAÇÃO PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA

1. A previsão do Decreto 20.910/32

O Decreto 20.910, de 06 de janeiro de 1932, regula a prescrição  quinquenal. Em seu art. 1º, dispõe que “as dívidas passivas da União, dos  Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a  Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza,  prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se  originarem”.

 A redação, sob um aspecto, é clara. A Administração Pública nunca  deixa de utilizar a previsão do decreto em seu favor. Agora, a situação muda de  figura quando é a Administração que possui alguma pretensão contra os  particulares. 

 Rotineiramente, a Administração se respalda no Código Civil para  sustentar a existência de um prazo mais elástico para a persecução de suas  pretensões. O dispositivo mais citado é o art. 205, do Código Civil, que diz que  “a prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor”. 

 Será que na legislação brasileira não há, mesmo, um prazo menor fixado  para as pretensões da Administração contra os particulares? 

2. A posição doutrinária

A doutrina assegura que, nas relações de direito administrativo,  “independentemente do polo em que figurar a Administração Pública (…)  aplica-se a regra da prescrição quinquenal prevista no art. 1º do Decreto nº  20.910/32”.1

Nesse exato sentido, HELY LOPES MEIRELLES lecionava que, quando  a lei não fixa o prazo da prescrição administrativa, ela deve ocorrer em cinco  anos, “à semelhança da prescrição das ações pessoais contra a Fazenda Pública (Dec. 20.910/32), das punições dos profissionais liberais (Lei 6.838/80)  e para a cobrança do crédito tributário (CTN, art. 174)”.2

ALMIRO DE COUTO E SILVA, defensor de tal entendimento, constatou  há muito tempo que essa é a interpretação – além de correta e adequada – majoritária do dispositivo.3

A posição decorre do princípio da isonomia, conforme ensina MARÇAL JUSTEN FILHO.4 Não há como a Administração escolher o prazo prescricional  mais benéfico para si a depender da situação – i. e., a depender do polo em  que figure. Afinal, trata-se de pretensões originadas de uma mesma relação. 

3. A posição jurisprudencial e a extensão da interpretação para  empresas públicas

O STJ, na esteira do que explica a doutrina, possui entendimento de que  – com base no princípio da igualdade – o prazo do Decreto 20.910/32 deve ser  aplicado também para a Administração Pública: 

Incidência, na espécie, do Decreto 20.910/32, porque à Administração Pública,  na cobrança de seus créditos, deve-se impor a mesma restrição aplicada ao  administrado no que se refere às dívidas passivas daquela. Aplicação do  princípio da igualdade, corolário do princípio da simetria.5

Há muito tempo, o STF assentou o entendimento de que “a prescrição  quinquenária a que alude o Decreto 20.910, de 6.1.1932, incide em matéria de  nulidade de ato administrativo, no que diz respeito a direitos pessoais,  independentemente da natureza da ação de nulidade (se declaratória, ou se  constitutiva negativa)”.6

E a aplicação do prazo prescricional de cinco anos do Decreto 29.910/32  se estende para as pretensões das empresas públicas contra os particulares. O  STJ confirmou essa aplicabilidade, reiterando que se trata do entendimento  jurisprudencial daquela Corte:

4. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, à empresa pública  integrante da administração indireta, prestadora de serviços públicos, que não  explora atividade econômica, aplica-se a prescrição quinquenal prevista no  Decreto 20.910/1932. Nesse sentido: AgInt no AREsp 1.683.657/SP, Rel.  Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 19.11.2020; e AgInt  nos EDcl no AREsp 204.848/PR, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 25.6.2020.7

Dessa forma, a jurisprudência não apenas confirma a aplicação do prazo prescricional de cinco anos para as pretensões da Administração, como o  impõe às empresas púbicas integrantes da Administração indireta. 

4. Exemplificando: o caso específico dos arrendamentos portuários

Além da discussão sobre o prazo prescricional das pretensões da  Administração, surge a dificuldade em convencer algumas empresas públicas  de seu enquadramento na Administração indireta quando não lhe convém.

Para fins meramente ilustrativos, cite-se o exemplo das autoridades  portuárias. As suas pretensões em face de terminais a ela vinculados devem  prescrever, também, em cinco anos. Apesar disso, na prática, se vê uma  resistência que leva a discussões administrativas e judiciais.

Felizmente, as decisões administrativas e judiciais confirmam a  aplicação do mesmo prazo para os particulares e para a Administração indireta.  As autoridades portuárias, conforme entendimento do STF, exercem serviço  público que não se configura como a atividade econômica das empresas  privadas:

Por se tratar de Administradora do Porto Organizado, torna-se contestável a  posição de que a reclamante exerce atividade econômica submetida ao regime  de concorrência. Na realidade, a empresa estatal explora primordialmente o  serviço público de Administração do Porto Organizado – em regime de  exclusividade.8

Significa dizer que, nessa condição, as autoridades portuárias estão  sujeitas ao prazo prescricional de cinco anos. Quaisquer alegações que visem  a aumentar o prazo da prescrição de suas pretensões – embora não raras – está em desacordo com a interpretação das normas fruto de construções  doutrinária e jurisprudencial. 

A própria ANTAQ, recentemente, confirmou a aplicação do prazo  prescricional quinquenal nas cobranças relativas a contratos de arrendamentos  portuários. Conforme voto pautado no posicionamento do órgão jurídico da agência, “outro instituto jurídico preclusivo deve ser aplicado – a prescrição,  que, na hipótese, é aquela tratada no Decreto nº 20910/32”.9 

Portanto, e igualmente, não há espaço para a defesa do prazo genérico  do Código Civil nessas relações. 

5. Conclusão

O direito é fruto não apenas da lei. A doutrina e a jurisprudência são fontes do direito. A interpretação jurídica, significa dizer, deve ser feita de forma  teleológica e axiológica – buscando os fins da norma e explicitando os valores  nela concretizados.

A interpretação da norma jurídica envolve todo um contexto balizado por  princípios. Nesse caso, dos contratos administrativos, deve ser observado o  princípio da isonomia. As mesmas regras de prescrição devem valer para  ambos os polos. 

Diante disso, o prazo prescricional de cinco anos, do Decreto 29.910/32,  deve ser observado para as pretensões tanto da Administração Pública direta,  quanto indireta, contra os particulares. Sustentar qualquer prazo diverso, como  o de dez anos do art. 205, do Código Civil, significa ignorar a sistemática  vigente. 

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1 FACCI, Lucio Picanço. Considerações sobre a Prescrição das Pretensões Deduzidas por  Meio de Ações Civis Públicas. Revista da EMERJ, v. 13, nº 50, 2010, p. 343. Disponível em:  https://emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista50/Revista50_321.pdf.

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2 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 21ª ed. São Paulo: Malheiros,  1996, p. 589. 

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3 COUTO E SILVA, Almiro de. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no  direito público brasileiro e o direito da administração pública de anular seus próprios atos  administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da lei do processo administrativo da União (Lei  n° 9.784/99). Revista de Direito Administrativo, v. 237, jul./set. 2004, p. 310. Disponível em:  https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/44376/44830.

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4 JUSTEN FILHO, Marçal. Prescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário por  improbidade. Disponível em: https://justenfilho.com.br/imprensa/prescritibilidade-das-acoes-de ressarcimento-ao-erario-por-improbidade/

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5 STJ, 1ª T., AgRg no AREsp 410443, Min. Rel. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, j. 18.12.14. 

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6 STF, 2ª T., RE 999636-1/RS, Min. Rel. MOREIRA ALVES, DJ 16.09.1983.

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7 STJ, 2ª T., AgInt no REsp n. 1.980.791/DF, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 27.06.2022 (grifou-se). 

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8 STF, Reclamação 47938, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe 17.09.2021.

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9 ANTAQ, Processo n.º 50300.008469/2018-18, voto do Dir. Rel. FRANCISVAL DIAS  MENDES, j. 19.09.19. Disponível em: https://sei.antaq.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?YB1bj4pxvZbgOeWl6NygJPf13NFWqpQzuLhByQFTEHoCsB-ci6HHK2qHgZoGFUIrF56Ptzms9UdbhiiFx4IORA.