Informativo Eletrônico - Edição 223 - Setembro / 2025

EMENDA CONSTITUCIONAL 136/2025 RENOVAÇÃO DA MORATÓRIA DOS PRECATÓRIOS

Guilherme Augusto Vezaro Eiras

Sumário: 1. A razão de ser da sistemática de precatórios; 2. As sucessivas moratórias; 3. A Emenda Constitucional 136/2025 – nova renovação da moratória dos precatórios; 3.1. Nova antecipação do prazo limite para apresentação dos precatórios (1º de fevereiro de cada ano); 3.2. Extinção do prazo final para eliminação do passivo e fixação de limite (“teto”) anual para pagamento de precatórios; 3.3. Redução drástica da correção monetária e dos juros incidentes sobre os precatórios; 3.4. Autorização para realização de acordos diretos predatórios – Afastamento do limite máximo de deságio para celebração de “acordos diretos” pelos Estados, Distrito Federal e Municípios; 4. A esperança dos credores: Ação Direta de Inconstitucionalidade 7873.

1. A razão de ser da sistemática de precatórios

O precatório é o instrumento utilizado pela Fazenda Pública para efetuar o pagamento de dívidas reconhecidas judicialmente, após o trânsito em julgado de sentença condenatória. Esse pagamento é formalizado por meio de requisição judicial ao Presidente do Tribunal competente (art. 100 da CF) e deveria, seguindo-se a regulamentação original da CF/88, ser realizado até o final do exercício seguinte ao da expedição do precatório (caso isso ocorresse até 1º de julho).

Por um lado, a sistemática foi criada com o fim de dar concretude às garantias fundamentais e princípios ético-jurídicos da moralidade, da igualdade, da impessoalidade, de modo a impedir favorecimentos e discriminações indevidas – que devem ocorrer apenas conforme e na medida de regras constitucionais expressas (i.e, preferências a créditos detidos por idosos, portadores de doenças graves, caracterizados como verba alimentar etc). São as chamadas justificativas extra-fazendárias.

Para que tais preceitos possam ser implementados na prática, a obrigatoriedade do regime de precatórios não se destina apenas ao Poder Executivo. A questão deve ser respeitada também pelo Poder Legislativo, na medida em que há proibição expressa na Constituição (art. 100, parte final) de indicação de casos ou credores específicos no orçamento, violando-se assim, ainda que por meio transverso, a ordem cronológica dos credores com precatórios expedidos.

Por outro lado, há também as justificativas endo-fazendárias. Estas, em essência, estão relacionadas com a necessidade de organização financeira e fiscal do Poder Público (necessidade de dotação orçamentária – arts. 165 e 167 da CF) e decorrem também do afastamento da responsabilidade patrimonial da Fazenda Pública (arts. 100 e 101 do Código Civil e art. 832 do CPC). 

Em suma, o regime de precatórios foi formulado com o fim de promover adequação procedimental da execução judicial, na medida do exigido pelas regras de direito material aplicáveis à Fazenda Pública.

2. As sucessivas moratórias

Apesar da boa intenção, o regime já nasceu viciado. O próprio Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT previu moratória à Fazenda Pública ao veicular autorização para parcelamento em oito prestações anuais do valor consolidado da dívida judicial existente na data da promulgação da Constituição (art. 33).

Essa autorização inicial foi o início de uma longa jornada, que permanece e atualmente é ampliada. Motivou sucessivas moratórias, consubstanciadas nas Emendas Constitucionais (a) 30/2000, que ampliou o prazo para pagamento de precatórios em dez anos; (b) 62/2009, que instituiu o chamado Regime Especial aplicável aos Estados, Distrito Federal e Municípios; (c) 94/2016 e 99/2017, que estabeleceu novo Regime Especial para os débitos que estavam em atraso em 2015; (d) 109/2021, que ampliou para 2029 o prazo máximo para pagamento dos débitos em atraso pelos entes submetidos ao Regime Especial; além das Emendas Constitucionais (e) 113 e 114/2021 e 126/2022, que instituiu a chamada moratória da União, ao imporem limite de gastos para o pagamento de precatórios federais.

Todas as referidas Emendas Constitucionais foram algo de Ações Diretas de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Várias delas já julgadas, com reconhecimento da inconstitucionalidade das manobras engendradas para postergar o pagamento dos débitos judiciais da Fazenda Pública. No entanto, invariavelmente o reconhecimento de tais inconstitucionalidades ocorreu apenas após as moratórias terem surtido praticamente todo o efeito esperado, motivando-se o referendo das situações já consolidadas por meio de modulação de efeitos das decisões pelo Supremo. 

Ou seja, não é demais dizer que o desrespeito institucional ao regramento do regime de precatórios é fator que integra a tradição jurídica brasileira pós Constituição de 1988.

3. A Emenda Constitucional 136/2025 – nova renovação da moratória dos precatórios

Seguindo essa lamentável tradição, foi editada recentemente a Emenda Constitucional 136/2025, que promoveu profundas alterações nos arts. 100 e 165 da CF, no ADCT e na Emenda Constitucional 113/2021 (uma das instituidoras da chamada moratória da União).

Não se trata de simples nova moratória, com mais uma postergação do prazo para a eliminação do passivo pela Fazenda Pública. Além da eternização do atraso, tratou-se de alteração que acarreta efeitos nocivos perversos aos credores, que inclusive terão seus créditos reduzidos tácita e artificialmente com o passar do tempo.

Ademais, foram renovadas inconstitucionalidades já reconhecidas pelo STF ao julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade movidas em face das Emendas Constitucionais moratórias anteriores. 

3.1. Nova antecipação do prazo limite para apresentação dos precatórios (1º de fevereiro de cada ano)

A despeito de a Emenda Constitucional 113/2021 já ter antecipado (de 1º de julho para 2 de abril) a data limite para apresentação de precatórios para inclusão no orçamento do ano seguinte, a Emenda Constitucional 136/2025 foi além. Antecipou para 1º de fevereiro a referida data de corte (nova redação do §5º do art. 100 da CF). 

Além de diversos exequentes terem sido pegos de surpresa, ampliou-se ainda mais o chamado “período de graça”, no qual há a incidência apenas de correção monetária (sem juros – Súmula Vinculante 17), apesar de já haver mora desde antes da expedição do precatório (período no qual há incidência de juros).

Trata-se de nova ampliação desarrazoada, que fere a isonomia e gera enriquecimento sem causa à Fazenda Pública. Gera prejuízo significativo aos credores, que perderão importante remuneração pelo tempo que estão sem acesso ao recurso devido (que permanece em posse do Poder Público). Considerando a data limite atual para apresentação do precatório (1º de fevereiro), a depender de quando o ofício requisitório for apresentado no Tribunal, o período de graça pode variar de aproximadamente 23 meses (apresentação em 1º de fevereiro) até aproximadamente 35 meses (apresentação em 2 de fevereiro).

Além disso, a ampliação do período de graça se afasta da finalidade da própria existência do referido prazo limite. Sua instituição buscava permitir que os entes públicos pudessem realizar a organização necessária e elaborar o orçamento do exercício seguinte com previsibilidade. No entanto, o orçamento não é votado no início do ano. Há a confirmação do caráter imoral da alteração, que busca apenas prejudicar o particular credor com base em título judicial acobertado pela coisa julgada.  

3.2. Extinção do prazo final para eliminação do passivo e fixação de limite (“teto”) anual para pagamento de precatórios   

A situação é ainda mais agravada pelo fato de que a referida Emenda Constitucional também revogou o prazo final de 2029 para eliminação do passivo de precatórios dos Estados, Distrito Federal e Municípios, acarretando verdadeira eternização da dívida em detrimento dos credores (art. 7º da Emenda Constitucional 136/2025). 

Além da ausência de prazo para a eliminação do passivo, fixou-se também limite (“teto”) anual para pagamento de precatórios pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, que variará de 1 até 5% da receita corrente líquida do ente no exercício anterior, a depender do “estoque de precatórios em mora” (nova redação aos §§23 e 24 do art. 100 da CF).

Na prática, isso faz com que o montante do passivo da dívida pública de tais entes jamais será quitado e colocado em dia. 

Em termos concretos, a partir da aplicação do referido “teto”, projeta-se que no caso da maior parte dos entes estaduais e municipais os pagamentos anuais seriam insuficientes para fazer frente até mesmo aos novos precatórios. Haverá um crescimento exponencial da dívida pública.

Tomando-se como exemplo o caso do Estado do Paraná, conforme projeções realizadas pela OAB/PR, para grande parte dos municípios paranaenses o passivo acumulado saltaria de R$1.6bilhão para aproximadamente R$3bilhões em 2036. No que se refere ao Estado, que possui passivo atual de cerca de R$8.6bilhões, projeta-se que a dívida cresceria para R$17bilhões em 2036 e R$60bilhões em 2080.

Trata-se de eternização da dívida pública, em prejuízo aos credores e à própria efetividade da Jurisdição. 

3.3. Redução drástica da correção monetária e dos juros incidentes sobre os precatórios

E não é apenas isso. Também houve a redução drástica da correção monetária e dos juros incidente sobre os precatórios, posteriormente ao período de graça.

Previu-se a aplicação do IPCA como índice de atualização monetária e a incidência de apenas 2% ao ano a título de juros para compensação da mora (nova redação do §§16 e do art. 97 do ADCT e do art. 3º da Emenda Constitucional 113/2021). No entanto, caso a soma do IPCA e dos 2% de juros supere a Taxa Selic, esta passará a ser aplicada (nova redação do §16-A do art. 97 do ADCT e do §1º do art. 3º da Emenda Constitucional 113/2021). 

Ao impor a aplicação dessa sistemática reduz-se artificialmente a correção do crédito devido pela Fazenda Pública, acarretando perda real significativa ao credor. Além de violar a isonomia entre privados e o Poder Público (na linha do definido pelo STF ao julgar o Tema 81), também se ignora a coisa julgada e a efetividade da Jurisdição. Afinal, impõe-se ao credor o recebimento de valor efetivamente menor do que o objeto da condenação judicial, dada a ausência de manutenção do valor da moeda no tempo e remuneração da mora (que é cada vez mais ampliada). 

3.4. Autorização para realização de acordos diretos predatórios – Afastamento do limite máximo de deságio para celebração de “acordos diretos” pelos Estados, Distrito Federal e Municípios

Em contradição com o que prevê o §3º do art. 107-A do ADCT e ao entendimento já fixado pelo STF ao analisar e reconhecer a inconstitucionalidade de previsões similares que constaram das Emendas Constitucionais anteriores, incluiu-se o §29 no art. 100 da CF para autorizar a celebração “acordos diretos” pelos Estados, Distrito Federal e Municípios sem limite máximo de deságio.

Trata-se de tentativa de repristinar emenda anterior no mesmo sentido, que foi reconhecida como inconstitucional pelo STF ao julgar as ADIs 4.357 e 4.425. Nessa oportunidade, apesar de se ter referendado a possibilidade de acordos diretos, o STF limitou o deságio a 40% do valor. Reconheceu que sem um limite a tendência é que a Fazenda Pública propusesse acordos diretos leoninos, representativos do exercício arbitrário das próprias razões do devedor. 

Trata-se de questão extrema relevância, uma vez que, frente a prazos cada vez mais extensos para pagamento, os credores muitas vezes são compelidos (sem que haja efetiva escolha) a aderir a editais de acordos diretos para ter alguma chance de ter seus créditos adimplidos ainda em vida.  

4. A esperança dos credores: Ação Direta de Inconstitucionalidade 7873

Ao promover tais alterações, a Emenda Constitucional 136 incorre nos mesmos vícios das anteriores, em especial violação (a) à separação dos poderes; (b) à isonomia; (c) à moralidade administrativa; (d) à garantia do acesso à Justiça; (e) à efetividade da jurisdição; (f) à coisa julgada; (g) à propriedade privada; e (h) ao Estado Democrático de Direito. 

Tem-se esperança que o STF retome a constitucionalidade ao analisar a Ação Direta de Inconstitucionalidade já proposta pelo Conselho Federal da OAB (ADI 7873). A ação foi distribuída ao Ministro Luiz Fux e no momento aguarda as devidas manifestações para submissão do processo ao Pleno do STF, de modo a implementar o rito do art. 12 da Lei 9.868/99, que permite tanto a análise da medida cautelar quanto o julgamento definitivo da ação desde logo.

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Guilherme A. Vezaro Eiras
Guilherme Augusto Vezaro Eiras
Mestre em Direito Processual Civil pela UFPR. Advogado da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Guilherme A. Vezaro Eiras
Guilherme Augusto Vezaro Eiras
Mestre em Direito Processual Civil pela UFPR. Advogado da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
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