Informativo Eletrônico - Edição 224 - Outubro / 2025

VINCULAÇÃO DE RECEITA COMO MECANISMO DE GARANTIA NAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS (PPPs)

Lorena Stella Montenegro dos Santos
Karlin Olbertz Niebuhr

1. Introdução

Os contratos administrativos ocupam posição central no Direito Público, na medida em que traduzem o instrumento jurídico por meio do qual a Administração Pública formaliza, com particulares, relações destinadas a satisfazer suas necessidades ou, ainda, a delegar a terceiros o exercício de competências públicas (Marçal Justen Filho. Curso de direito administrativo. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 481).

As parcerias público-privadas (PPPs), disciplinadas pela Lei 11.079/2004, são uma espécie de contrato administrativo em que um particular se compromete a aplicar os seus recursos materiais e técnicos para executar uma prestação de natureza complexa, que compreende a execução de obras e a prestação de serviços, recebendo, em contrapartida, uma remuneração que provém, total ou parcialmente, de recursos públicos (Idem, p. 486).

Existem duas modalidades de PPPs. Na chamada concessão patrocinada, a remuneração do concessionário é proveniente de tarifas pagas pelos usuários do serviço público concedido, complementada por uma contraprestação do Poder Público, conforme disciplinado pelo art. 2º, § 1º, da Lei 11.079/2004. Na chamada concessão administrativa, o pagamento é feito exclusivamente pela Administração Pública, em razão da execução de serviços ou obras de interesse coletivo, nos termos do art. 2º, § 2º, da mesma lei.

Uma característica marcante das PPPs é o regime diferenciado de garantias de pagamento ao parceiro privado, destinado a superar problemas históricos relacionados à necessidade de investimentos vultosos, segurança jurídica e previsibilidade financeira. No Brasil, os contratos com a Administração frequentemente enfrentam atrasos nos pagamentos devidos aos contratados, em grande parte devido à demora do andamento dos processos judiciais em que a Fazenda Pública figura como ré e às limitações do sistema de precatórios previsto no art. 100 da Constituição.

Nesse contexto, as parcerias público-privadas (PPPs) foram concebidas para tornar viáveis investimentos de grande vulto e relevância social e reduzir riscos da inadimplência do Poder Público, mediante mecanismos de garantia do pagamento da contraprestação pública (CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de; LOVATO, Rafael Porto. El financiamiento de proyectos (project finance) como mecanismo para la eficiencia económica de las asociaciones público-privadas. Revista Iberoamericana de Derecho Administrativo y Regulación Económica, n. 17, dez. 2016 – clique aqui). 

A Lei 11.079/2004, em seu art. 8º, estabeleceu um rol de garantias passíveis de serem utilizadas como forma de assegurar o fiel cumprimento das obrigações pecuniárias contraídas pela Administração Pública, a saber: vinculação de receitas, “observado o disposto no inciso IV do art. 167 da Constituição Federal”; (inc. I); instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei (inc. II); contratação de seguro-garantia com as companhias seguradoras que não sejam controladas pelo Poder Público (inc. III); garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público (inc. IV); garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para essa finalidade (inc. V); e outros mecanismos admitidos em lei (inc. VI).

Neste texto se examina a primeira garantia, referida pela Lei como de “vinculação de receitas”. 

2. Da Vinculação de Receitas

A vinculação de receitas é um mecanismo orçamentário que tem como objetivo assegurar que determinados recursos públicos sejam aplicados em finalidades específicas, evitando seu uso para fins diversos. 

Existem diferentes fontes de receita para o poder público, sendo que a fonte tradicional é a tributária, que constitui receita corrente (art. 11 da Lei 4.320/1964) e é formada por impostos, taxas, contribuições e empréstimos compulsórios. 

O art. 167, inc. IV, da Constituição veda, em regra, a vinculação de receitas de impostos, exceto nas hipóteses expressamente previstas (saúde, educação repartição de receitas entre entes federados etc.). Por outro lado, a limitação constitucional não se aplica a outras receitas, como as que derivam de taxas e a receita não tributária em geral.

Quando a Lei 11.079/2004 se refere à garantia de vinculação de receitas em PPPs, está tratando de taxas e receitas não tributárias em geral. A doutrina afasta a utilidade, em PPP, da vinculação de receita oriunda da contribuição de melhoria, porque está limitada ao valor do custo total da obra pública; e afasta a viabilidade da vinculação da receita oriunda das contribuições, porque elas se encontram vinculadas ao objetivo para o qual são criadas (FERNANDES, Régis. Curso de Direito Financeiro. 10ª ed. São Paulo: Fórum, 2025, p. 884). 

Sobre os empréstimos compulsórios, também estão vinculados aos objetivos para o qual são criados, previstos no art. 148 da Constituição (e com vinculação reiterada no art. 148, parágrafo único). Logo, também não cabe a vinculação da sua receita em PPPs.

Já as taxas, especificamente as taxas de serviços, decorrem da disponibilização da prestação específica e divisível de um serviço público (Idem, p. 305). Neste caso, a taxa é instituída por lei para financiar a prestação desse serviço e a sua receita pode ser vinculada a uma PPP que tenha por objeto esse mesmo serviço.

As receitas não tributárias, por sua vez, são oriundas de diversas fontes, notadamente da exploração de bens e direitos pelo poder público e, neste caso, salvo regra específica prevendo o contrário, também podem ser receitas vinculadas a PPPs.

Assim, a vinculação de receitas prevista no art. 8º, inc. I, da Lei 11.079/2004 permite estabelecer, no contrato de PPP, que as receitas provenientes de taxas vinculadas à disponibilização da prestação do serviço público em questão, assim como receitas patrimoniais em geral, serão utilizadas pelo parceiro público para compor o pagamento da sua contraprestação. Contudo, isso não significa uma garantia de pagamento propriamente dita. 

Diferentemente das garantias de natureza civil, como caução ou hipoteca, a vinculação de receitas não confere ao parceiro privado o direito de execução direta sobre o montante arrecadado, funcionando mais como um instrumento de incentivo ao cumprimento das obrigações do Estado e de previsibilidade financeira do contrato (BINENBOJM, Gustavo. As parcerias público-privadas e a vinculação de receitas dos fundos de participação como garantia das obrigações do poder público. Revista do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, v. 2, n. 7, p. 20-29, jan./jun. 2014).

Ou seja, a vinculação de receitas significa uma garantia de que haverá valores em caixa para o correspondente pagamento, assegurando que os valores destinados ao parceiro privado estejam separados das demais receitas orçamentárias, sem, contudo, constituir uma garantia patrimonial de execução.

3. Conclusão 

A vinculação de receitas como mecanismo de garantia nas parcerias público-privadas tem natureza singular. Possui caráter orçamentário, funcionando como instrumento que assegura a existência e a destinação específica dos recursos públicos voltados ao cumprimento das obrigações assumidas pelo Estado.

Embora não configure uma garantia patrimonial de execução, a vinculação de receitas atua como um mecanismo que fortalece a previsibilidade, a transparência e a credibilidade do Estado enquanto contratante.

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Lorena Stella Montenegro dos Santos
Acadêmica de Direito da PUC-PR. Estagiária da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Karlin Olbertz Niebuhr
Karlin Olbertz Niebuhr
Mestra e Doutora em Direito do Estado pela USP. Advogada da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Lorena Stella Montenegro dos Santos
Acadêmica de Direito da PUC-PR. Estagiária da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Karlin Olbertz Niebuhr
Karlin Olbertz Niebuhr
Mestra e Doutora em Direito do Estado pela USP. Advogada da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
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