1. Introdução
A MP 800, de 18.9.2017, institui previsões específicas para a reprogramação de investimentos no âmbito das concessões rodoviárias federais. A referida medida provisória deriva do reconhecimento pelo governo federal dos efeitos negativos da crise econômica sobre a estruturação econômico-financeira dos contratos de concessão. Para contornar essa situação, pretende-se estabelecer alguns critérios para a revisão dos contratos, com a reprogramação dos investimentos.
A norma institui várias regras relevantes, relativamente a aspectos essenciais aos contratos de concessões rodoviárias federais. O presente texto indicará os principais aspectos da medida provisória.
2. O reconhecimento pelo Governo Federal dos efeitos da crise econômica sobre os contratos de concessão.
Uma premissa fundamental estabelecida pela MP 800 consiste nas razões de sua edição. Conforme consta da exposição de motivos, as medidas voltadas à reprogramação de investimentos têm por objetivo compensar os efeitos negativos da crise econômica enfrentada pelo país após a licitação das concessões rodoviárias.
Nos termos da exposição de motivos:
“Com o início dos contratos, ao contrário do que se projetava para a economia brasileira, o que se constatou foi uma grave deterioração das variáveis macroeconômicas no cenário nacional nos últimos anos, com dois anos sucessivos de quedas expressivas no Produto Interno Bruto (PIB), de 3,8% em 2015 e 3,6% em 2016. Esse cenário trouxe restrições à liquidez financeira de outrora, inviabilizando a tomada de empréstimos de longo prazo nas condições veiculadas quando da elaboração do Programa de Investimentos em Logística –PIL. À época da realização dos leilões dos sistemas rodoviários em questão, o Brasil passava por período de forte crescimento econômico, tendo registrado crescimento médio anual do PIB de aproximadamente 4% no período 2010-2013. A crise econômica atingiu fortemente a modelagem prevista para esses contratos, a partir das já mencionadas quedas no PIB”
A exposição de motivos descreve os efeitos da deterioração das condições macroeconômicas relativamente às concessões de rodovias federais:
“A retração econômica acarreta prejuízos às concessões rodoviárias em diferentes frentes. Primeiramente, a geração de receita por parte da concessão é drasticamente afetada devido à queda do volume de tráfego geral da rodovia. Esse movimento é ainda mais acentuado sobre os veículos pesados, os quais possuem forte elasticidade em relação ao comportamento do PIB, além de responderem pelos maiores multiplicadores tarifários. Destarte, a arrecadação das concessões vem se descolando sobremaneira das projeções realizadas quando da elaboração dos estudos de viabilidade que orientaram os lances ofertados nos leilões realizados. Em segundo lugar, houve impacto na capacidade de captação de recursos financeiros por parte das concessionárias de serviço público. Em grande medida como consequência do primeiro efeito, os projetos passaram a não mais atender às condicionantes previstas nas políticas operacionais dos bancos financiadores, resultando na limitação do volume de recursos passíveis de financiamento”.
Portanto, a edição da MP 800 constitui verdadeiro reconhecimento (por meio de ato legislativo do executivo) pelo governo federal de que a crise econômica gerou efeitos negativos sobre as concessões rodoviárias federais e que cabe adotar medidas para a preservação dos projetos.
Dentre outros pontos, a exposição de motivos chega a indicar que a reprogramação dos investimentos como meio de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão de rodovias constitui a providência mais adequada ao atendimento do interesse público. Eis o que constou da referida exposição:
“Importa destacar que diante de outras possibilidades de condução da política pública, quais sejam do avanço para o processo de caducidade, previsto na Lei nº 8.987/1995, ou para a relicitação, trazido pela Lei nº 13.448/2017, a hipótese de reprogramação dos investimentos com manutenção do equilíbrio econômico-financeiro é, sem dúvida, a melhor do ponto de vista do interesse público. São notórias as vantagens obtidas no processo licitatório das concessões em tela, com deságios da ordem de 50%, os quais se aplicaram sobre estudos que traziam as menores Taxas Internas de Retorno (TIRs) já praticadas em concessões federais. É de amplo conhecimento que tais vantagens somente ocorreram em função das condições macroeconômicas vigentes à época, cuja reprodução é pouco provável no curto prazo. Assim, resta evidente que caso esses ativos sejam levados novamente ao mercado, como seria no caso de caducidade ou de relicitação, é esperada a obtenção de condições menos vantajosas aos usuários”.
3. Principais aspectos e condições estabelecidas pela MP 800
Estabelecidas as premissas para a edição da MP 800, cabe mencionar os principais aspectos e condições por ela estabelecidas.
3.1. Ressalva inicial: confirmação da crise como causa para o desequilíbrio dos contratos
Em primeiro lugar, deve-se ressaltar que a MP 800 nada mais fez do que estabelecer critérios e mecanismos para a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão, assegurado pela Constituição (art. 37, inc. XXI), pela Lei 8.987/1995 e pela Lei 8.666/93, rompido em razão de circunstância alheia aos concessionários (a crise econômica que atingiu o País após a licitação das concessões).
3.2. A reprogramação de investimentos
Para assegurar o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro das concessões, a MP 800 definiu a possibilidade de reprogramação de investimentos, viabilizando a postergação de investimentos que seriam realizados nos primeiros anos dos contratos de concessão (art. 1º).
Definiu-se que a reprogramação deverá observar diretrizes da própria MP 800, e de regulamentação específica a ser expedida pelo Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil.
3.3. Algumas condições para a reprogramação já definidas pela MP 800
Dentre as condições estabelecidas pela MP 800, tem-se a necessidade de observação das exigências de nível de serviço e os parâmetros técnicos estabelecidos pelo edital e refletidos no contrato (art. 1º, inc. I) e a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão (art. 1º, inc. II).
3.4. Critérios para a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro
Conforme a MP 800, a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro deverá ser obtida por meio da aplicação (i) de redutor tarifário previstos nos contratos de concessão, a ser aplicado após encerrado o novo cronograma de investimentos (art. 1º, inc. II, ‘a’), (ii) da redução do prazo de vigência do contrato (art. 1º, inc. II, ‘b’) ou (iii) combinação de ambos os critérios (art. 1º, inc. II, ‘c’).
A previsão suscita questionamentos. O principal deles se relaciona com a forma de reequilíbrio. Da forma como estabelecido pelo referido dispositivo, o reequilíbrio do contrato sempre implicará em redução da contrapartida a ser auferida pelo concessionário, seja pela redução da tarifa a ser arrecadada, seja pela redução do prazo da concessão (o que igualmente representa redução na arrecadação tarifária).
A solução é altamente questionável, especialmente quando se considera que a reprogramação de investimentos deriva de fator imprevisível e alheio ao concessionário, consistente na crise econômica.
Assim, ainda que haja a postergação de determinados investimentos, não é possível imaginar que o resultado seja sempre a redução da contrapartida a ser recebida pelo concessionário. Isso é especialmente relevante se houver também outros fatores associados à crise econômica que tenham implicado a necessidade de remanejamento dos investimentos (como dificuldades imprevisíveis e incontornáveis na obtenção de licenças ambientais, por exemplo).
3.5. Outras previsões relevantes
Além disso, a MP 800 estabelece que o prazo máximo para a reprogramação de investimentos será de 14 (quatorze) anos e, de qualquer modo, condicionada à demonstração da viabilidade econômico-financeira do investimento até o final da vigência da concessão (art. 1º, §2º).
Define-se que o prazo para o concessionário aderir ao regime de reprogramação de investimentos é de um ano a contar da publicação da MP 800 (art. 1º, §1º) e que, uma vez manifestado esse interesse, será firmado termo aditivo suspendendo as obrigações de investimento vincendas e as multas correspondentes e estabelecendo as condições em que os serviços serão prestados até a reprogramação efetiva dos investimentos (art. 1º, §3º).
A ausência de assinatura de termo de reprogramação de investimentos ensejará a retomada das obrigações originais e as multas e penalidades aplicadas pelo seu descumprimento (art. 1º, §4º).
A MP 800 também define que o concessionário que optar pela reprogramação de investimentos não poderá aderir à relicitação prevista pela Lei 13.448/2017 (art. 1º, §7º).
4. Conclusão
Portanto, ainda que a MP 800 tenha o mérito de ter reconhecido a necessidade de reprogramação de investimentos em concessões rodoviárias federais, com a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, algumas das soluções e mecanismos estabelecidos pela norma são questionáveis sob o ponto de vista jurídico. Essas dificuldades e pontos problemáticos podem eventualmente ser revistos quando do exame da medida provisória pelo Congresso Nacional.