Informativo Eletrônico - Edição 216 - Fevereiro / 2025

DESNECESSIDADE DE DISPUTE BOARD APÓS O ENCERRAMENTO DO CONTRATO

Edson Francisco Rocha Neto

1. Definição de dispute board

O dispute board consiste em um mecanismo de prevenção e resolução de conflitos no qual um comitê de especialistas é formado para solucionar divergências contratuais. Usualmente, está previsto em contrato.

1.1. Para que serve um dispute board?

Como uma criatura do contrato, pode se formar em diversas modalidades. Idealmente, são formados em modalidade permanente. Acompanhariam o início do contrato, antes mesmo do surgimento do conflito. Caso um conflito surja, o comitê é acionado para solucioná-lo. Ao término do contrato, o comitê encerra as suas atividades.

Outra possibilidade é a sua formação exclusivamente para resolver determinado conflito (modalidade ad hoc). Nessa modalidade, ele é instaurado depois que o conflito surge.

Seja como for, em todas as modalidades, uma de suas principais finalidades é a gestão contratual. O dispute board, por definição, visa a garantir o adequado andamento contratual. Decisões técnicas são proferidas rapidamente para garantir a continuidade da execução do contrato, evitando paralisações que comprometam sua conclusão.

1.2. Relação entre dispute board e arbitragem

Quando há a previsão de dispute board, as partes costumam eleger a via arbitral para a resolução definitiva do conflito. Em regra, surgindo um conflito, (i) primeiro, ele deve ser submetido ao comitê; (ii) depois, a parte insatisfeita pode buscar desconstitutir a decisão do comitê pela via arbitral.

Teoricamente, a etapa do dispute board não pode ser ignorada. Faltaria interesse de agir para a parte acionar diretamente a arbitragem.

1.3. Encerrado o contrato, o dispute board deve ser acionado?

A dúvida que se coloca é a seguinte: havendo previsão de dispute board, um conflito deve necessariamente ser previamente submetido a ele quando o contrato se encerrou?

2. As previsões da FIDIC

A Federação Internacional de Engenheiros Consultores (ou Fédération Internationale des Ingénieurs Conseils – FIDIC) é uma das instituições que incentivam a utilização do dispute board. Em seus modelos contratuais, largamente adotados em projetos internacionais, há a previsão de utilização de dispute board

A título exemplificativo, a sub-cláusula 20.6 do FIDIC Silver Book (modelo estabelecido para contratos EPC) estabelece que qualquer conflito cuja decisão do dispute board (se houver) não tenha se tornado final e vinculante será definitivamente resolvido por arbitragem. No original, “any dispute in respect of which the DAB’s decision (if any) has not become final and binding shall be finally settled by international arbitration”. 

A previsão entre parênteses de “se houver” (“if any”) demonstra que não necessariamente haverá uma decisão do dispute board. O “if any” deve ser interpretado como “se aplicável”. Sugere que não necessariamente será um pré-requisito para a arbitragem.

Cyril Chern, em seu livro “Chern on Dispute Boards: Practice and Procedure” (Informa Law, 2020, p. 527), explica que a expressão “if any” implica a possibilidade de submeter um conflito à arbitragem mesmo na ausência de uma decisão do dispute board.

Nesses modelos de contrato da FIDIC, há hipóteses excepcionais em que o dispute board não precisa ser acionado previamente. A sub-cláusula 20.8 estabelece que se uma disputa surge e não há um dispute board ativo – seja porque expirou, seja por outro motivo –, ela pode ser submetida diretamente à arbitragem.

Nos termos da sub-cláusula 20.8:

If a dispute arises between the Parties in connection with, or arising out of, the Contract or the execution of the Works and there is no DAB in place, whether by reason of the expiry of the DAB’s appointment or otherwise:
a) Sub-Clause 20.4 [Obtaining Dispute Adjudication Board’s Decision] and Sub-Clause 20.5 [Amicable Settlement] shall not apply, and
b) the dispute may be referred directly to arbitration under Sub-Clause 20.6 [Arbitration].

Portanto, apesar de a regra ser a utilização prévia do dispute board como mecanismo solucionador do conflito, existem exceções. A outra dúvida que se coloca é a extensão da previsão. O que significaria este “outro motivo” (“otherwise”) apto a afastar a necessidade de submissão do conflito ao dispute board?

Cyril Chern (Informa Law, 2020, p. 499) explica que um problema pode surgir sem que um dispute board tenha sido estabelecido, hipótese em que se deve recorrer ao procedimento da sub-cláusula 20.8. Portanto, deve-se submeter a disputa diretamente a um Tribunal Arbitral. 

3. O entendimento jurisprudencial da International Chamber of Commerce (ICC)

A Internacional Chamber of Commerce (ICC), em algumas oportunidades, decidiu que, se um contrato se encerra sem um dispute board ativo, as partes podem proceder diretamente à arbitragem para solucionar seus conflitos.

O fundamento de tal entendimento é, justamente, a previsão da sub-cláusula 20.8 dos contratos modelo FIDIC. O encerramento do contrato se insere na hipótese de “otherwise” na previsão de que “if there is no DAB in place, whether by reason of the expiry of the DAB’s appointment or otherwise”.

No ICC Case 16570 (2012), decidiu-se que interpretação distinta esvaziaria a previsão da sub-cláusula 20.8, que aborda a situação de inexistir dispute board vigente:

220. In this sense, in this particular case, since, after the amendment of the GC and according to the Parties’ will, there was no possibility to appoint an ad hoc DAB, the Claimant should have submitted the dispute directly to arbitration pursuant to Sub-Clause 20.8 GC. Only with this interpretation Sub-Clause 20.8 GC may have any legal effect and a scope of application, and the Arbitral Tribunal considers that a contract has to be interpreted giving sense to all of its clauses. On the contrary, the Claimant’s interpretation would lead to the result that a claiming party would need to solve a dispute through a DAB first, with no possibility to use arbitration directly. This interpretation empties the content and the meaning of Sub-Clause 20.8 GC which expressly addresses the situation where no DAB is in place: “whether by reason of the expiry of the DAB’s appointment or otherwise.

No ICC Case 18505 (2013), com base na sub-cláusula 20.8 dos contratos modelo FIDIC, houve conclusão similar, reafirmando que as disputas podem ser diretamente submetidas à arbitragem se não há dispute board ativo.

4. Conclusão: desnecessidade de submissão do conflito ao dispute board após o encerramento do contrato

O entendimento ilustrado nas decisões da ICC está correto e confirma a visão do dispute board como um mecanismo não apenas de resolução de conflitos, mas de gestão contratual – conforme defendido em “Dispute Boards: aspectos processuais” (Revista dos Tribunais, 2024). 

Encarar o dispute board apenas como uma etapa pré-arbitral pode resultar em obstáculos à tutela do direito.

Os dispute boards são excelentes mecanismos de prevenção e solução de conflitos. Otimizam a execução dos contratos. Devem ser incentivados. Incentivados, porém, desde que utilizados adequadamente. 

Se o contrato se encerrou, o dispute board não precisa ser acionado. Até é possível, se houver consenso entre as partes. Entretanto, inexiste obrigatoriedade de seu acionamento nessa hipótese.

Compartilhe:

LinkedIn
WhatsApp
Edson Francisco Rocha Neto
Edson Francisco Rocha Neto
Mestre em Direito Processual Civil pela UERJ. Advogado da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Edson Francisco Rocha Neto
Edson Francisco Rocha Neto
Mestre em Direito Processual Civil pela UERJ. Advogado da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini.
Aviso Sobre o Uso de Cookies

Este site utiliza cookies próprios e de terceiros para aumentar a sua funcionalidade e eficiência e melhorar a experiência do usuário.

Ao acessá-lo, o usuário deve estar ciente de que, caso continue navegando, consentirá para a utilização de cookies e poderá, a qualquer momento, mudar de opinião e bloquear a utilização através de seu navegador.

Nos termos da legislação vigente em matéria de proteção de dados, todo usuário do site tem a opção de anuir expressamente e de ter acesso a mais informações a respeito do uso de cookies.