1. Tema 881 e Tema 885, do STF
Precedentes podem afastar a coisa julgada? Depende. Depende, inclusive, do que significa “afastar”.
Um dos casos mais recentes relacionados a essa pergunta se refere ao Tema 881 e ao Tema 885, julgados pelo STF em 2023. É com base neles que a questão será brevemente analisada.
Os Temas 881 e 885 definiram que, nas relações de trato continuado tributárias, as decisões proferidas em controle concentrado de constitucionalidade – e aquelas proferidas em controle difuso, desde que no regime de repercussão geral – interrompem automaticamente os “efeitos temporais da coisa julgada”.
Não são os efeitos da coisa julgada que são afastados. É a eficácia da sentença transitada em julgado que é cessada.
2. Antecedentes do caso concreto
A questão se iniciou na década de 1990 quando contribuintes obtiveram decisões judiciais declarando a inconstitucionalidade da Lei 7.689/1988, que instituiu a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Em 2007, houve o julgamento da ADI 15, que reputou constitucional a Lei que instituiu a CSLL. Desde então, os contribuintes passaram a ser autuados.
Em 2011, através do Tema Repetitivo 340, o STJ firmou a tese de que a decisão posterior do STF não poderia afetar a coisa julgada formada em favor do contribuinte.
O Tema 881 e o Tema 885 se originaram de demandas em que os contribuintes buscavam a anulação das cobranças feitas pela Fazenda. E a partir de então, ao contrário do que o STJ tinha decidido, fixou-se o entendimento de que aquele precedente posterior é apto a afastar os efeitos de sentença protegida pela coisa julgada.
É uma mudança impactante de entendimento dos Tribunais. Apesar disso, não houve modulação dos efeitos do entendimento do STF. Repentinamente, contribuintes protegidos pela coisa julgada adquiriram um passivo tributário acumulado há anos.
A consequência disso é que grupos empresariais tiveram que emitir comunicados de fato relevante aos seus acionistas informando passivos milionários. Esses passivos eram considerados de risco remoto. Não mais. Isto poderia ser evitado caso houvesse modulação dos efeitos. Não houve.
3. Necessidade de modulação
A modulação dos efeitos da decisão é instrumento que define quando uma decisão judicial começa a produzir efeitos. Evita-se que a nova interpretação tenha efeitos retroativos e atinja situações consolidadas.
O art. 927, § 3º, do CPC, prevê que “Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica” (grifou-se).
A não modulação dos efeitos afronta a segurança jurídica e a proteção da confiança. Ignorou-se os arts. 23 e 24 da LINDB.
O art. 23 prevê regime de transição quando há nova interpretação sobre normas de conteúdo indeterminado. A lógica poderia ser aproveitada para o caso concreto.
O art. 24 prevê a impossibilidade de invalidação de situações plenamente constituídas. Os contribuintes se pautaram no trânsito em julgado de suas sentenças e na definição do STJ, confiando na situação plenamente constituída.
Apesar disso, não houve modulação. Assim, conforme noticiado no Portal de Notícias do STF, “foi determinado o recolhimento do valores passados, respeitado o prazo de prescrição”.
Tecnicamente, a manutenção eterna dos efeitos daquelas decisões transitadas em julgado em 1992 poderia ferir a isonomia. Por outro lado, seria adequada a modulação dos efeitos para que os Temas 881 e 885 tivessem efeito ex nunc – e não ex tunc.
Foram rejeitados os embargos de declaração opostos visando à modulação dos efeitos.
4. Conclusão: precedentes alteram a coisa julgada?
Com o que foi definido no Tema 881 e no Tema 885, não, o precedente não alterou a coisa julgada. Apesar disso, retroativamente, cessou a eficácia da sentença transitada em julgado – e protegida pela coisa julgada.