1. Introdução
A Resolução ANTT n.º 5.940, publicada em 18 de maio de 2021, promoveu relevantes modificações nas regras a serem observadas para a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão de rodovias.
Não se trata de uma ruptura absoluta em relação à sistemática que já vinha sendo empregada pela Agência Reguladora. Ainda assim, ao conferir maior previsibilidade aos concessionários quanto ao momento de implementação da recomposição devida, as inovações introduzidas pelo referido diploma normativo têm o potencial de contribuir de forma significativa para a redução de possíveis conflitos e para o estabelecimento de um ambiente mais atrativo à realização de investimentos.
2. O direito à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos
A garantia de intangibilidade da equação econômico-financeira dos contratos administrativos deriva das regras constitucionais e legais aplicáveis (CF, art. 37, XXI; Lei 14.133/2021, arts. 104, §§ 1º e 2º, 124, II, “d” e 130; e Lei 8.987/97, art. 9º, §§ 3º e 4º, dentre outras). Consubstancia-se na consolidação do conjunto de encargos e vantagens pactuado entre a Administração Pública e o particular, conferindo aos delegatários o direito a uma remuneração sempre compatível com o plexo de obrigações originalmente avençado.¹
Isso não significa, contudo, que tais contratos são imutáveis. Pelo contrário. A possibilidade de alteração é explicada por sua própria natureza.
Em se tratando de contratações de longo prazo (como os contratos de concessão), é natural – e esperado – que as condições previstas precisem ser ajustadas ao longo da execução contratual, a fim de melhor atender aos interesses coletivos envolvidos ou contemplar eventuais necessidades que surjam com o passar do tempo.
É precisamente por isso que a disciplina normativa aplicável impõe à Administração Pública o dever de recompor os parâmetros econômico-financeiros (ônus e bônus) pactuados entre as partes sempre que houver o aumento ou diminuição dos encargos atribuídos ao particular contratado.
3. As críticas apresentadas em relação à metodologia de reequilíbrio anteriormente vigente (Resolução 3.651/2011)
O regramento anterior à Resolução 5.940/2021 vinha sendo severamente criticado.
A sistemática então implementada pela ANTT estabelecia que, em caso de inclusão de novas obras e serviços, a equação econômico-financeira da concessão apenas poderia ser recomposta após o término das atividades acrescidas ao contrato. Nos termos do parágrafo único do art. 2º da Resolução 3.651/2011 (com a redação que lhe foi dada pela Resolução 5.859/2019), cabia ao particular assumir de imediato os encargos adicionais – que não haviam sido previstos no Programa de Exploração de Rodovia – para, somente após a revisão ordinária subsequente, ser devidamente remunerado por sua execução.
A solução é questionável sob os mais diversos pontos de vista.
A metodologia estabelecida pela ANTT, além de desconsiderar o dever legal de concomitante recomposição da equação contratual (nos termos do art. 9º, § 4º da Lei 8.987/95), dificultava a realização de investimentos. A captação de recursos era prejudicada pelo reequilíbrio a posteriori, impedindo que as obras e serviços pudessem ser custeados com as quantias devidas por força dos novos encargos assumidos pelo contratado (como, por exemplo, o eventual aumento dos valores tarifários). Além disso, era inafastável o cenário de incerteza e insegurança jurídica derivado da possibilidade de divergências quanto à quantificação do desequilíbrio a ser futuramente recomposto.
A questão chegou a ser enfrentada pelo TCU ainda em 2020, no âmbito da Representação de n.º 026.406/2020-09.
Embora tenha afastado possibilidade de “recomposição do equilíbrio do valor dos investimentos e custos operacionais de forma integral na tarifa”, a referida Corte de Contas admitiu o escalonamento dos incrementos tarifários, proporcionalmente ao avanço do cronograma físico-financeiro das obras. Nos termos do voto do Relator, Ministro Raimundo Carreiro:
Ocorre que, mesmo se reconhecendo o grau de discricionariedade maior dos acordos bilaterais, não se pode afastar do administrador público sua obrigação de observar o que dispõe a lei e seus regulamentos, sob pena de, numa ginástica hermenêutica, serem considerados legítimos os atos administrativos praticados ao arrepio das normas.
(…) no caso em concreto, a discricionariedade do gestor se torna limitada, diante da existência de norma elaborada pela própria agência reguladora que impõe: “A recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, relativa à inclusão de obras e serviços no âmbito de revisão extraordinária, inclusive os custos relacionados, somente poderá ser realizada na revisão ordinária subsequente à conclusão da obra ou serviço (Acórdão 2.957/2020-Plenário).
4. A Resolução 5.940/2021: modificação das regras para a recomposição da equação econômico-financeira dos contratos
As modificações implementadas pela ANTT, por força da Resolução 5.940/2021, buscaram aperfeiçoar o regramento normativo até então existente. Ao invés de uma solução padronizada (que condiciona, em todo e qualquer caso, o reequilíbrio contratual à conclusão das obras e serviços), buscou-se o estabelecimento de diferentes mecanismos de recomposição, mediante a definição de hipóteses que consideram a magnitude dos investimentos e o histórico de desempenho do concessionário.
O art. 2º da Resolução 3.651/2011 foi alterado para contemplar não apenas a obrigatoriedade de reequilíbrio “na revisão subsequente à conclusão da obra ou serviço”, mas para abarcar também a possibilidade recomposição da equação contratual de forma escalonada e gradativa. Passou-se a admitir a parcial recomposição da equação econômico-financeira previamente à realização das obras e serviços, a depender do seu valor nominal ou representatividade em relação ao faturamento anual da concessão (nos termos do § 3º) – o que permite que uma parcela dos impactos (30%, 50% ou 85%) seja compensada antes mesmo do início da primeira fase das atividades e o restante deles de forma gradual, mediante a evolução de cada etapa.
Ressalve-se que a “antecipação” do reequilíbrio em seu percentual máximo (de 85% do total do impacto) será admitida nos casos em que o concessionário demonstrar ter executado a grande maioria (pelo menos 80%) das obras obrigatórias originalmente previstas no contrato, conforme prevê o § 4º. Caso contrário, a recomposição imediata estará limitada a 50% do valor do impacto a ser suportado pelo concessionário em decorrência da realização de novas obras e serviços.
O § 5º, por sua vez, estabeleceu que o aditivo contratual que tratar da inclusão ou alteração dos investimentos, adotando a metodologia que permite o imediato reequilíbrio, deverá não só contemplar um desconto no valor a ser recomposto, mas também prever eventual redução tarifária, multa moratória ou ainda formalizar a renúncia do particular contratado quanto ao prazo para correção de falhas e transgressões (previsto no § 3º do art. 38 da Lei 8.987/95).
A despeito da louvável intenção da Agência, no sentido de incentivar a conclusão das atividades, a solução concebida é bastante questionável.
É desarrazoado exigir que o contratado tenha de anuir com o “desconto de reequilíbrio”. A autonomia conferida às partes para a formalização de acordo quanto ao reequilíbrio devido (Lei 14.133, art. 124, II) não autoriza que a Administração Pública pretenda impor ao particular a concordância com eventual desconto.
A renúncia à oportunidade de cura (§ 3º do art. 38 da Lei 8.987/95), mesmo se limitada às obrigações específicas em questão, também pode ser um remédio inadequado para a finalidade buscada. A cura é um mecanismo de preservação da concessão para evitar sua extinção quando providência menos drástica for viável – muito em linha com as diretrizes da LINDB (v.g. arts. 20 e 21). O inc. II do § 5º prevê a sua supressão para mitigar o risco de o concessionário descumprir os novos compromissos de investimento por ele assumidos, mas pode revelar-se desproporcional e gerar impasses de difícil solução concreta.
4.1. Considerações finais
Apesar dos avanços promovidos pela Resolução 5.940/2021, o regramento normativo aplicável à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão ainda comporta aprimoramentos.
É essencial buscar soluções que assegurem não só a consecução dos interesses coletivos e a realização dos investimentos necessários, mas assegurem também o direito do particular contratado de ver mantida a equação econômico-financeira nos exatos termos em que originalmente pactuada.
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¹ Como esclarece MARÇAL JUSTEN FILHO, “A tutela ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos destina-se a beneficiar a própria Administração. Se os particulares tivessem de arcar com as consequências de todos os eventos danosos possíveis, teriam de formular propostas mais onerosas. Trata-se, desse modo, de reduzir os custos de transação atinentes à contratação com a Administração Pública” (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 18 ed. São Paulo: RT, 2019. p. 1289).