Sumário: 1. Introdução; 2. A resposta brasileira ao tarifaço do governo dos EUA: medidas excepcionais para aquisição de gêneros alimentícios (arts. 11 a 15); 2.1. Análise da legalidade da MP 1.309; 2.2. Hipótese excepcional de aquisição e ato conjunto ministerial (art. 11); 2.3. Dispensa de licitação para aquisição excepcional (art. 12, caput); 2.4. Limite para carona (art. 12, §1º) e conteúdo do termo de referência (art. 12, §2º); 2.5. Pesquisa de preços pela média entre potenciais fornecedores (art. 11, inc. V); 2.6. Prazo para formalização das contratações (art. 13); 2.7. Dever de publicidade e transparência (art. 14); 2.8. Aplicação subsidiária da Lei 14.133/2021 (art. 15); 3. A função executiva da Portaria Interministerial MDA/MAPA 12/2025; 4. Dispositivos normativos complementares; 5. Conclusão.
1. Introdução
A Medida Provisória nº 1.309, de 13 de agosto de 2025, e a Portaria Interministerial MDA/MAPA nº 12, de 22 de agosto de 2025, surgiram como resposta à ampliação tarifária promovida pelo governo dos Estados Unidos da América, popularmente chamada de “tarifaço de Trump”, que atingiram as exportações brasileiras. O objetivo desses diplomas é criar instrumentos emergenciais de mitigação de perdas e ampliar a segurança jurídica para produtores e empresas exportadoras nacionais.
A MP 1.309 institui, no âmbito do Poder Executivo federal, o Plano Brasil Soberano e o Comitê de Acompanhamento das Relações Comerciais com os EUA. Entre os dispositivos, destacam-se os artigos 11 a 15 pela relevância na estruturação de um regime jurídico excepcional para permitir que a Administração pública absorva internamente alimentos que perderam destino externo em virtude desse bloqueio tarifário.
A Portaria MDA/MAPA 12/2025 complementa a MP, definindo os gêneros alimentícios elegíveis e estabelece os documentos necessários à comprovação da perda de exportação.
2. A resposta brasileira ao tarifaço do governo dos EUA: medidas excepcionais para aquisição de gêneros alimentícios (arts. 11 a 15)
O Capítulo VIII da MP 1.309 disciplina um regime simplificado de compras voltado a alimentos que perderam destino externo em virtude do tarifaço do governo norte-americano.
O Capítulo VIII (arts. 11 a 15) restringe o uso a gêneros alimentícios que deixaram de ser exportados aos EUA por causa das tarifas, e aos itens listados (atualizáveis) pela Portaria.
2.1. Análise da legalidade da MP 1.309
Na exposição de motivos, a justificativa da flexibilização das regras de licitação é “a urgência que o contexto demanda”. Ainda, indicou que “a urgência e relevância desta Medida Provisória são justificadas pela necessidade de atuação tempestiva e eficaz do Estado brasileiro para combater os efeitos adversos decorrentes da ordem executória do governo dos EUA anunciada em 30 de julho de 2025, e que elevou as tarifas de importação para produtos brasileiros até 50%. Esta medida unilateral representa um grave e inesperado obstáculo para os exportadores brasileiros, com potencial de causar prejuízos à balança comercial do país, à produção nacional e à manutenção de empregos, e poderá ter efeitos devastadores sobre setores específicos, exigindo uma resposta rápida e adequada”.
A MP 1.309 não impede a aplicação da Lei 14.133/2021 “naquilo que não lhe for contrário”. Portanto, a justificativa da medida é a excepcionalidade do cenário internacional e a “urgência” indicada, principalmente por ser um regime temporário (como aconteceu com o RDC, por exemplo, apesar de o RDC ter um nível de complexidade muito maior).
2.2. Hipótese excepcional de aquisição e ato conjunto ministerial (art. 11)
O art. 11 autoriza, excepcionalmente, a aquisição de gêneros alimentícios que deixaram de ser exportados por produtores ou pessoas jurídicas exportadoras em virtude da imposição de tarifas adicionais sobre exportações brasileiras aos EUA, “nos termos do disposto neste Capítulo”.
O § 1º determina que ato conjunto dos Ministros da Agricultura e Pecuária e do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar estabelecerá: (i) a forma de comprovação dos requisitos de habilitação; e (ii) os gêneros alimentícios elegíveis.
2.3. Dispensa de licitação para aquisição excepcional (art. 12, caput)
O art. 12 estabelece que nas aquisições excepcionais:
- é permitida a contratação direta por dispensa de licitação (inciso I),
- admite-se termo de referência simplificado (inciso II),
- dispensa-se a elaboração de estudos técnicos preliminares (inciso III),
- permite-se a adoção do sistema de registro de preços, facultada a adesão por órgão/entidade federal à ata gerenciada por Estado/DF/Municípios e por órgão/entidade estadual ou municipal à ata gerenciada por Municípios (inciso IV, alíneas a e b),
- define-se o preço estimado pela média de pesquisa entre potenciais fornecedores enquadrados no art. 11 (inciso V) e
- fixa-se a vigência contratual máxima de até cento e oitenta dias (inciso VI).
2.4. Limite para carona (art. 12, §1º) e conteúdo do termo de referência (art. 12, §2º)
O § 1º do art. 12 fixa limite objetivo para as adesões (“caronas”) no SRP: o quantitativo total decorrente das adesões não poderá exceder cinco vezes o quantitativo de cada item registrado na ata para o órgão gerenciador e os órgãos participantes, independentemente do número de órgãos não participantes aderentes. Esse limite de até cinco vezes representa um aumento substancial em relação ao regime da Lei 14.133, cujo art. 86, § 5º, restringe as adesões ao dobro do quantitativo de cada item registrado na ata.
O § 2º enumera o conteúdo mínimo do termo de referência simplificado: (i) definição do objeto; (ii) fundamentação simplificada da contratação; (iii) descrição resumida da solução apresentada; (iv) requisitos da contratação; (v) critérios de medição e de pagamento; (vi) estimativa de preços obtida conforme o inciso V; e (vii) adequação orçamentária.
2.5. Pesquisa de preços pela média entre potenciais fornecedores (art. 11, inc. V)
A pesquisa de preços pela média dos valores entre potenciais fornecedores assimila-se à ampliação do art. 23, §4º, da Lei 14.133 por comprovar a regularidade do preço por outros meios igualmente idôneos (caso não seja possível demonstrar a compatibilidade com o preço de suas anteriores contratações equivalentes).
A média aritmética pode revelar-se inadequada para a finalidade, pela sensibilidade do método a extremos que distorcem o resultado de modo a não refletir a realidade de nenhum dos exemplares (preços específicos) que integraram o cálculo. Em caso de estatísticas mais apuradas, como demonstra ser o caso, uma opção mais consistente seria estimar a mediana, como valor central de um conjunto ordenado, imune a extremos e com maior aptidão de encontrar um exemplar representativo da homogeneidade pretendida.
2.6. Prazo para formalização das contratações (art. 13)
Conforme a disposição do art. 13, as referidas contratações poderão ser firmadas no prazo de 180 dias contados da publicação da MP 1.309.
Entretanto, em entrevista coletiva, o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, afirmou que “evidentemente, se for preciso prorrogar [a MP 1.309], o governo brasileiro vai prorrogar”, sinalizando a possibilidade de extensão do regime excepcional (confira aqui).
2.7. Dever de publicidade e transparência (art. 14)
Os órgãos e entidades da administração pública devem disponibilizar, em seu sítio eletrônico oficial (ou, na falta, na sede, em local de fácil visibilidade), informações sobre a estratégia adotada para mitigar os efeitos das tarifas adicionais aos produtos brasileiros pelos EUA, indicando as políticas públicas a serem atendidas com a aquisição dos alimentos. Nesse ponto, o Governo Federal, ao lançar o Plano Brasil Soberano, destacou que tais aquisições excepcionais também podem ser direcionadas a programas públicos de alimentação, como merenda escolar e hospitais, o que reforça a importância da ampla divulgação dessas estratégias (confira aqui).
Sobre a destinação, a MP 1.309 apenas exige a indicação das políticas públicas que serão atendidas com a aquisição dos alimentos (art. 14). Não há menção de limitação regional.
Esse dever de publicidade se mostra especialmente relevante porque o Capítulo VIII institui um procedimento excepcional, afastando etapas ordinárias como a licitação e os estudos técnicos preliminares. O art. 14 funciona como um mecanismo de segurança para evitar que a referida simplificação sirva como atalho para contratações irregulares.
2.8. Aplicação subsidiária da Lei 14.133/2021 (art. 15)
O disposto na Lei 14.133 aplica-se às aquisições excepcionais previstas no Capítulo VIII naquilo que não lhe for contrário.
Como exemplo, em relação ao rito da dispensa previsto na Lei 14.133, a própria MP 1.309 já afastou etapas como a elaboração de estudos técnicos preliminares e permitiu a apresentação simplificada de termo de referência (art. 12, I, II e III). Fora essas exceções expressamente previstas, o regime da Lei 14.133 continua a ser observado.
O art. 15 da MP 1.309 define o seguinte: “O disposto na Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, aplica-se às aquisições de que trata este Capítulo naquilo que não lhe for contrário”. A MP 1.309 permite, sobre o rito de contratação, que seja dispensada a elaboração de ETP e a apresentação simplificada de TR. Considerando a indicação do art. 15, fora o ETP e o TR, a Lei 14.133 deverá ser seguida. A MP 1.309 não impõe dispensa eletrônica.
3. A função executiva da Portaria Interministerial MDA/MAPA 12/2025
A Portaria MDA/MAPA 12/2025 disciplina sobre os procedimentos excepcionais de caráter emergencial relativos às compras públicas de gêneros alimentícios que deixaram de ser exportados pela imposição tarifária americana, conforme previsão do art. 11 da MP 1.309.
Principais procedimentos:
1. A documentação necessária para comprovação necessária para a habilitação:
a. Para pessoas jurídicas que exportam diretamente aos EUA: Declaração de Perda e acesso de pelo menos uma declaração de exportação no SISCOMEX (a partir de janeiro de 2023) (art. 2º, I, e Anexo I da Portaria).
b. Para produtores que fornecem para exportadoras: Autodeclaração de Perda na exportação do produto objeto da aquisição excepcional em função da imposição de tarifas (art. 2º, II, e Anexo II da Portaria);
2. Listagem de produtos elegíveis (Anexo III), incluindo açaí, castanha de caju, castanha-do-pará, água de coco, mel, pescados e uva;
3. Aplicação da Lei 14.133 e da MP 1.309 às aquisições excepcionais;
4. Definição de responsabilidade exclusiva do órgão ou entidade da administração pública contratante nas aquisições excepcionais.
A relevância prática da Portaria, em conjunto com a MP 1.309, é a conversão da perda de mercado externo em oportunidades de abastecimento interno, permitindo a utilização de gêneros alimentícios que perderam seu destino original, preservando a atividade de produtores e exportadores, ao mesmo tempo em que se reforça o abastecimento interno de forma transparente e juridicamente estruturada.
4. Dispositivos normativos complementares
Os demais dispositivos da MP 1.309 não diretamente vinculados aos artigos 11 a 15 concentram-se em:
- Arts. 1º a 3º: instituem o Plano Brasil Soberano e o Comitê; preveem priorizações/diferimentos tributários e atos executivos correlatos;
- Art. 4º: ajustes no Pronampe/FGO para exportadores afetados;
- Arts. 5º a 7º: aprimoram SCE e FGE; autorizam linhas com superávit do Fundo de Garantia à Exportação – FGE; regulam fundo do art. 27 da Lei 12.712 (subscrição/compartilhamento de risco; diretrizes da Câmara de Comércio Exterior – CAMEX);
- Art. 8º: cobrança de créditos no exterior por sub-rogação;
- Art. 9º: Peac-FGI Solidário (patrimônio segregado);
- Art. 10: prorrogação excepcional de drawback.
5. Conclusão
A MP 1.309 e a Portaria Interministerial 12/2025 representam resposta coordenada e técnica ao tarifaço dos EUA, por meio de medidas excepcionais de aquisição pública de gêneros alimentícios (arts. 11 a 15) e de regras operacionais sobre habilitação e lista de produtos.
Cabe reflexão final, sob o aspecto da eficiência administrativa, sobre a contratação por dispensa de licitação. A finalidade de assegurar renda aos produtores que exportam tende a não ser atingida por esse método, pois apenas um fornecedor será selecionado e os demais continuarão com a sua produção retida.
Trata-se de inovação normativa que, através da agilidade procedimental e transparência, seu êxito dependerá da correta observância dos prazos, da estrita aderência aos requisitos de habilitação e à lista de produtos definidos na MP 1.309 e na Portaria e da capacitação dos entes públicos e do monitoramento contínuo da realidade internacional.
Leia mais:
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas. 3ª ed. São Paulo: RT, 2025, p. 414.

